Título: Seis anos é o mínimo
Autor: Couto, Rodrigo
Fonte: Correio Braziliense, 11/12/2009, Brasil, p. 10

MEC pretende aplicar a partir do próximo ano uma resolução que fixa o limite para evitar a entrada precoce de crianças no ensino fundamental

Mesmo sem o aval do Congresso Nacional, o Ministério da Educação (MEC) pretende colocar em prática já em 2010 uma resolução, válida em todo o território nacional, que determina uma idade mínima para o ingresso de crianças no ensino fundamental (1º ao 9º ano) público e privado. A ideia é iniciar a alfabetização somente dos alunos que completem seis anos até 31 de março de cada ano. Um dos argumentos defendidos pelo governo é o de que a unificação preservará o direito dos pequenos estudantes e evitará distorções de idade estabelecidas pelas unidades da Federação. Com o andamento do processo das matrículas em todo o país, alguns estados precisam correr para cumprir a orientação.

No início da semana, o teor do projeto de lei que será encaminhado ao Congresso foi discutido e previamente acordado durante reunião do Conselho Nacional de Educação (CNE) entre representantes do Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed), da União dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime) e do Conselho Nacional de Trabalhadores em Educação (CNTE). É com o respaldo dessas entidades que o MEC quer adotar o novo corte de idade em 2010. ¿O fato de a resolução do CNE estabelecer que o aluno, no início do aluno letivo, tenha seis anos para entrar no ensino fundamental, sem especificar data, gerou interpretações variadas. Por isso, decidimos reunir essas instituições para implantar um limite (31 de março)¿, explica a coordenadora-geral do ensino fundamental do MEC, Edna Martins Borges.

¿O ministério ainda vai enviar o projeto ao Congresso. No entanto, mesmo sem a aprovação do Legislativo, vamos adotar a idade mínima a partir do próximo ano¿, confirma Edna. Questionada se a nova determinação não poderia excluir as crianças com menos de seis anos que não têm acesso à educação infantil de uma sala de aula do ensino fundamental, a coordenadora-geral do ensino médio descartou a possibilidade. ¿O Censo da Educação de 2009 mostrou que 92% dos municípios já adotam o ensino fundamental de nove anos¿, diz.

Sem colapso Quase 28 milhões (27.927.139) de estudantes brasileiros estão matriculados no ensino fundamental, incluindo os alunos já inseridos no novo modelo de nove anos. O MEC descarta qualquer possibilidade de colapso tanto na educação infantil, que abrigaria as crianças com menos de seis anos completados até 31 de março, quanto no próprio ensino fundamental.

Ex-vice-presidente da Câmara de Educação Básica do CNE e professor titular de educação da Universidade de São Paulo (USP), Nélio Bizzo concorda com a fixação de uma norma nacional. ¿O prazo estabelecido pelo MEC é razoável. É importante haver padrão para evitar que cada sistema determine uma idade, como ocorre hoje¿, observa. Em sua opinião, uma criança de cinco anos não está preparada para iniciar o processo de alfabetização. ¿Não existe consenso entre especialistas de que essa idade seja propícia ao ingresso no ensino fundamental¿, diz Bizzo, que foi relator da proposta no CNE em 2004.

Outras justificativas para a unificação da idade de corte são minimizar os problemas enfrentados pelos estudantes que precisam mudar de cidade e/ou estado, e evitar que estabelecimentos particulares aceitem crianças cada vez mais cedo em suas salas de aula.

Assim como no ensino fundamental, uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) aprovada em novembro pelo Senado também prevê que as crianças com quatro anos, completados até 31 de março, devem estar matriculadas na educação infantil. Os estabelecimentos municipais e estaduais terão até 2016 para implementar a mudança de forma gradual.

Adaptação necessária no DF

Diferentemente da atual determinação do Ministério da Educação (MEC), que fixa a idade de seis anos completados até 31 de março para ingresso no ensino fundamental, o Distrito Federal e Minas Gerais, por exemplo, adotam o mês de junho como limite para aceitar matrículas nesse segmento. Rio Grande do Sul e Pernambuco já seguem a idade de corte no início do ano letivo.

Apesar de ser favorável à implementação de uma data nacional, a secretária de Educação do DF, Eunice Santos, acha que a decisão pode atrapalhar o planejamento. ¿Vamos correr para realocar esses alunos que não têm idade suficiente para ingressar no ensino fundamental. O problema é que as matrículas já estão em andamento¿, frisa. O MEC e a Secretaria de Educação do DF não têm estimativas de quanto a medida vai causar impacto na educação infantil (para mais vagas) e no ensino fundamental (para menos vagas).

Em uma das turmas iniciais de ensino fundamental, que funciona dentro do Jardim de Infância da 304 Norte, alunos, pais e a professora concordam com a padronização da idade para ingresso no segmento educacional. Com sete anos completados ontem, João Victor Gonçalves não tem nenhum problema de relacionamento com os colegas mais novos de sua turma. ¿São todos legais¿, diz o menino. A mãe Carla Stefanie adianta que o filho não tem qualquer deficiência de aprendizado. ¿Ele acompanha todas as atividades e já lê¿, afirma a moradora da Vila Planalto. Para Carla, o projeto é bom porque torna a sala mais uniforme. Quem também concorda é Kassandro Murilo, pai da pequena Linda Morena Brandi Silva, que completou seis anos em janeiro. ¿Essa idade é ideal para começar a alfabetização.¿

Mesmo sem entender a medida do MEC, Julia Rodrigues, 6 anos, completados em 7 de março, gosta da companhia dos colegas da mesma idade. ¿É óbvio que nem todos têm o mesmo desempenho, porém, ingressar com menos de cinco anos no ensino fundamental não é o ideal¿, analisa Dioni Macambira, 50 anos, professora de João Victor, Linda e Julia. Se a determinação do MEC já estivesse em vigor, 11 dos 28 alunos da turma de Dioni estariam na educação infantil. (RC)

Palavra de especialista Visão comparativa

¿Discute-se se o projeto que está sendo elaborado pelo MEC, que estabelecerá a idade mínima de 6 anos (completos até 31 de março no ano da matrícula) para ingresso no ensino fundamental, traz ou não benefícios para os estudantes e para a educação no Brasil. Vejamos qual é a norma em alguns outros países. Na França, o equivalente à primeira série do ensino fundamental é cursado aos 6 anos e recebe crianças que vêm do último ano da pré-escola. Na Inglaterra, a alfabetização se inicia aos 5 anos nas classes de recepção, que preparam para a alfabetização. Nos Estados Unidos, o Congresso Nacional cortou recentemente verbas de um programa voltado para alfabetização de crianças de 3 a 4 anos por considerar seus resultados indefinidos, sem, contudo, reduzir as verbas para alfabetização na idade regular.

Um programa de alfabetização que tenha início aos 6 anos, como prevê o MEC, terá necessariamente de ser precedido da educação infantil, aberta a todas as crianças brasileiras. Essa etapa, marcada por atividades lúdicas, será destinada à preparação para o trabalho mais sistemático com a leitura e escrita no primeiro ano. A educação infantil é indispensável porque a maioria das famílias brasileiras não tem condição de oferecer às crianças uma iniciação prazerosa a práticas letradas. Para o início do trabalho efetivo com alfabetização, no entanto, é preciso aguardar um amadurecimento sociocognitivo das crianças. Nesses termos, o projeto do MEC é bem-vindo.¿

Stella Bortoni, professora da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília (UnB) e PhD em Linguística