Título: Mais tempo para desmatar florestas
Autor: Santos, Danielle
Fonte: Correio Braziliense, 11/12/2009, Brasil, p. 12

Governo federal prorroga por mais dois anos o prazo para que produtores rurais se encaixem nas exigências da lei de crimes ambientais. Alguns ainda acham o tempo curto

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou ontem, no fim da tarde, o novo decreto que prorroga por dois anos o prazo para que os produtores rurais que desmataram possam se regularizar. O documento, que tem publicação prevista para hoje no Diário Oficial da União, prevê na prática que eles se adequem a lei de crimes ambientais e recuperem as parcelas de florestas desmatadas dentro de suas propriedades.

A medida amenizou parte da preocupação do setor e ainda precisa de ajustes, na avaliação de parlamentares ligados ao agronegócio. ¿O prazo é razoável, se tivermos ajuda financeira e técnica para fazer isso, mas ainda faltam detalhes a serem resolvidos que não estão de acordo nem com a legislação atual¿, afirma o presidente da Frente Agropecuária da Câmara, deputado Valdir Colatto (PMDB-SC).

O parlamentar se refere à proposta do governo de priorizar a delimitação das áreas da reserva legal para depois recompô-las com mata nativa. Na opinião de Colatto, a medida engessaria parte das produções agrícolas em andamento que se encontram nessas áreas consideradas pelo governo como ilegais. ¿Vamos incorrer no erro de tirar parte da produção sem necessidade. O ideal seria fazer a reposição após a colheita e delimitar a área como de reserva protegida¿, avalia. Cerca de três milhões de agricultores se encontram nessa situação em todo país, segundo o deputado.

¿Essa é uma medida paliativa, não vai resolver de maneira definitiva a situação desesperadora dos produtores. Vai apenas aliviar o vexame que estava por vir¿, antecipa o presidente da Comissão Especial para a reforma do Código Florestal, deputado Moacir Micheletto (PMDB-PR), referindo-se ao prazo anterior ¿ 11 de dezembro ¿ que estava estipulado para criminalizar os produtores.

Ele acredita que a reformulação do código florestal é a solução para resolver os problemas envolvendo as áreas de morros e encostas, por exemplo, consideradas de preservação, mas que são foco da cobiça do setor para ampliação das áreas produtivas. ¿Não podemos tapar o sol com a peneira. O importante é que a Comissão Especial criada para tratar do assunto antecipe o relatório para março para tentar atenuar o que a legislação atual não permite hoje¿, emenda.

Incentivo

Esta semana, o ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, assegurou ao Correio que os produtores não precisariam se preocupar porque o governo iria lançar um pacote de apoio financeiro e tecnológico para quem quiser se regularizar. O ministro, que chegou a protagonizar um verdadeiro embate dentro da cúpula governista por contrário ao favorecimento do setor, teve de ceder à pressão e amenizar as críticas, a pedido de Lula.

Essa é a segunda vez que o governo adia o prazo que pune os responsáveis por desmatar em reserva legais. Essa área é protegida pela lei que rege o Código Florestal Brasileiro. Ela deve existir em todas as propriedades rurais, que devem separar entre 20% e 80% de suas áreas, dependendo de cada região, para a conservação da biodiversidade e proteção da fauna e da flora nativas. Mas a maioria das propriedades descumpre a regra, contribuindo para o aumento da devastação de matas nativas, como o cerrado. A pena para quem desmata em área de reserva legal vai desde o pagamento de multas a perda da parcela da terra.

E EU COM ISSO A prorrogação do prazo concedido aos produtores que desmataram ilegalmente é vista por ambientalistas como contraditória e uma ameaça à legislação ambiental. Principalmente após o compromisso do Brasil de levar metas ambiciosas de contenção do aquecimento global para a 15ª Conferência do Clima, da Organização das Nações Unidas (ONU), que ocorre até a semana que vem em Copenhague. O foco dos debates em todo o mundo está ligado hoje à redução de emissões de gases de efeito estufa, provocada por desmatamentos e queimadas, além da criação de políticas de proteção ambiental para que se evite um colapso na temperatura do planeta.

O prazo é razoável, se tivermos ajuda financeira e técnica para fazer isso

Valdir Colatto, presidente da Frente Agropecuária da Câmara

Fornos de carvão destruídos em Goiás

Danielle Santos

Em ritmo de despedida do comando das grandes operações ambientais, já que terá de se ausentar em março para lançar-se candidato a deputado estadual pelo Rio de Janeiro, o ministro Carlos Minc encerrou ontem a agenda de viagens envolvendo flagrantes de desmatamento ilegal. Em cima de um trator oferecido pelas equipes do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e de Recursos Natuarais (Ibama), do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e da Polícia Federal, o ambientalista ajudou na derrubada de 16 fornos de carvão localizados em uma fazenda desapropriada pelo governo para fins de reforma agrária, localizada em Goiatira (GO). Em parte da área da fazenda visitada, que tem 830 hectares, os policiais florestais encontraram uma quantidade de carvão suficiente para encher dez caminhões grandes. A matéria-prima veio de árvores nativas do cerrado, como o Angico e a Aroeira, que agora, em cinzas, custam cerca de R$ 50 mil.

Esta foi a 29ª operação comandada por Minc e a quarta envolvendo áreas de assentamentos (1)legalizados pelo governo. O trabalho minucioso de controle às áreas de colonos atendidos pelo governo teve início após uma polêmica levantada pelo próprio ambientalista ao anunciar, em 2008, que os assentamentos do Incra ocupavam o topo da lista dos 100 maiores desmatadores da Amazônia por três anos consecutivos. Para evitar mais desgastes dentro do governo, os dois órgãos criaram ações conjuntas para combater o problema.

Ontem, em Goiatira, a última operação do ano rendeu a destruição de 49 fornos e a autuação de três posseiros. As multas somaram R$ 66 mil, além da apreensão de motosserras e outros equipamentos. ¿Eu sabia que era ilegal fazer isso, mas preciso ganhar a vida, né?¿, afirma o posseiro José Raimundo Ferreira, 56 anos. Segundo ele, o trabalho na carvoria rendia R$ 1 mil por mês, quatro vezes superior à renda que o governo oferece aos produtores rurais para não desmatarem. O dinheiro vem de parceria entre Ibama e Incra para o incentivo ao replantio em áreas degradadas.

1 - Modelos ultrapassados A maioria dos assentamentos do Incra envolvidos em crimes ambientais estão enquadrados em modelos ultrapassados, segundo o ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc. Por isso, muitos não incorporaram a responsabilidade em torno do passivo ambiental, que é respeitar a preservação da reserva legal e das áreas de proteção permanente (APP) de topos de morros, encostas e montanhas. Há quatro anos, segundo ele, os modelos mudaram, pois se concentram em projetos de desenvolvimento sustentável.