Título: A sombra da emenda Ibsen
Autor: Brito, Ricardo
Fonte: Correio Braziliense, 15/12/2009, Política, p. 8

Última intervenção possível no projeto de criação do regime de partilha na Câmara mexe radicalmente com a distribuição dos lucros e assusta governistas. Estratégia será a votação simbólica

Se a emenda for a voto nominal, teremos uma significativa derrota. Sei mensurar a força do plenário¿ deputada Rose de Freitas (PMDB-ES)

O medo da derrubada do texto-base do projeto de criação do regime de partilha dos recursos do pré-sal tomava conta ontem das conversas entre as principais líderes governistas da Câmara. Motivo: o crescente apoio de parlamentares à emenda dos deputados Ibsen Pinheiro (PMDB-RS) e Humberto Souto (PPS-MG), que altera radicalmente a forma de distribuição de todo lucro petrolífero do país. A principal saída articulada pelos líderes aliados é derrotar, em votação simbólica, por acordo entre os partidos da base, maioria na Casa, a emenda Ibsen-Humberto Souto. A avaliação é de que, se for apreciada nominalmente, em que cada deputado declara como votou, o risco de derrota é grande.

¿Se a emenda for a voto nominal, teremos uma significativa derrota¿, admitiu a deputada Rose de Freitas (PMDB), principal porta-voz do governo do Espírito Santo, um dos principais estados produtores de petróleo. ¿Sei mensurar a força do Plenário¿, disse Rose, com a experiência de cinco mandatos consecutivos no Congresso.

O que está em jogo é a forma de rateio de bilhões de reais dos lucros do petróleo. Com a participação direta do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o governo cedeu em três ocasiões em um mês para garantir a manutenção do texto do relator, aprovado em votação simbólica na semana passada. Distribuiu parte dos recursos que vai receber em contratos já firmados do pré-sal a estados e municípios produtores, para atender principalmente as queixas da bancada fluminense. Fez o mesmo com os estados não produtores, depois do apelo dos governadores nordestinos que, pelo regime atual, quase nada recebem em dividendos da fonte de energia.

Os líderes governistas, contudo, não esperavam a rebelião da bancada do Nordeste, que passou a cobrar uma fatura maior. Desde a semana passada, o deputado Marcelo Castro (PMDB-PI) lidera o movimento de resistência em plenário. Adotou como plataforma a emenda Ibsen-Humberto Souto, que altera o rateio de todo dividendo do petróleo já explorado e por explorar. A divisão dos royalties e da participação especial, duas das fontes de receita, seria feita indistintamente entre todas as 27 unidades da federação e os 5.561 municípios com base nos critérios dos Fundos de Participação de Estados (FPE) e de Municípios (FPM). Atualmente, e pelo projeto aprovado semana passada, estados e municípios da região Sudeste são os mais bem aquinhoados com recursos. Na prática, a emenda garantiria recursos para as bancadas mais pobres ¿ argumento sedutor para deputados em ano pré-eleitoral (veja quadro).

¿Se eu estivesse no lugar deles, estaria tremendo de medo¿, afirmou Marcelo Castro. ¿Minha proposta trata todos de forma equânime¿, disse Ibsen Pinheiro, ex-presidente da Câmara. ¿Espero que o bom senso prevaleça¿, afirmou o relator do projeto de partilha e líder do PMDB, Henrique Eduardo Alves (RN). Para ele, a emenda mexe em contratos já em vigor e pode ensejar contestações na Justiça. ¿O ótimo é inimigo do bom¿, alerta.

Se a emenda passar e for aprovada pelo Senado, articuladores governistas na Câmara apostam que o presidente Lula vetará as alterações ¿ o que na prática, restabeleceria o texto-base.

O que muda

A Câmara aprovou na semana passada o texto-base que cria o regime de partilha para a exploração dos recursos do pré-sal. Hoje, é a vez de o Plenário votar o último dos destaques ao projeto. Veja as diferenças entre o texto aprovado e a emenda apresentada pelos deputados Ibsen Pinheiro (PMDB/RS) e Humberto Souto (PPS/MG):

Substitutivo aprovado O texto muda a forma de distribuição dos recursos das áreas já licitadas (28% do total, feitos pelo antigo modelo de concessão) e das que serão realizadas pelo modelo de partilha. Os principais contemplados na divisão de royalties das novas áreas serão estados produtores (25%), municípios produtores (6%), União (19%), estados e municípios não produtores (44%, divididos igualmente, de acordo com critérios do Fundo de Partição dos Estados (FPE) e Municípios (FPM). Nos contratos já firmados, a divisão será assim: estados produtores (26,25%), municípios produtores (18%), União (20%), estados não produtores (22%) e municípios não produtores (8,75%).

Emenda Ibsen Pinheiro/Humberto Souto O destaque refaz a distribuição dos recursos de royalties e de participação especial e muda o rateio das demais áreas já exploradas da seguinte forma: 50% para todos os estados e o DF e o mesmo para os 5.561 municípios brasileiros, para serem distribuídos conforme os critérios do Fundo de Participação de Estados (FPE) e o de Municípios (FPM), respectivamente.

Confiança governista

Flávia Foreque

Pelo menos no discurso, o governo se mostra confiante na aprovação do texto atual do relatório de Henrique Eduardo Alves na Câmara. ¿Já fomos vitoriosos na última quarta-feira e estamos confiantes na votação do destaque final¿, comentou o ministro de Relações Institucionais, Alexandre Padilha. Ele antecipou que o governo pode solicitar regime de urgência no Senado para garantir a votação dos projetos do pré-sal no primeiro semestre de 2010. O mecanismo, que prevê a análise e a votação de propostas em até 45 dias, foi utilizado pelo Planalto na Câmara. ¿Vamos usar todos os instrumentos constitucionais¿, afirmou.

O ministro disse ainda que o governo não está preocupado em deixar os projetos do fundo social e de capitalização da Petrobras para o próximo ano. Segundo ele, há maior grau de consenso sobre esses temas. ¿O presidente Temer cumpriu o que acertou. Estabeleceu que os projetos passariam pelas comissões especiais até 10 de novembro, e aí sim começaríamos a votação dos projetos. Quem não cumpriu o compromisso foram setores da oposição, que fizeram, em três semanas, o processo de obstrução¿, comentou.