Título: Freio nas investigações
Autor: Sallum, Samanta
Fonte: Correio Braziliense, 15/12/2009, Cidades, p. 29

Enquanto aceleram a votação de projetos, distritais põem em banho-maria a apuração do suposto esquema de propina do GDF

O bloco petista reuniu oito assinaturas pedindo a autoconvocação, mas só deve apresentar o documento se a maioria dos distritais continuar indefinida

Há dois movimentos intensos na Câmara Legislativa (CLDF): um de corrida para aprovar projetos de interesse do Governo do Distrito Federal (GDF) e outro de freio nas decisões referentes à apuração das denúncias que assolam o Legislativo e o Executivo local. Em três horas de reunião ontem, os deputados distritais não definiram medida alguma que abra caminho para a tramitação dos processos de impeachment contra o governador José Roberto Arruda, ou para a instalação da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que vai apurar o suposto esquema de corrupção no GDF para a base aliada. Mas, em pouco mais de duas horas, os parlamentares votaram diversos projetos de autoria do Executivo.

O bloco dos governistas e dos envolvidos nas denúncias tenta protelar decisões relacionadas ao escândalo que veio à tona com a Operação Caixa de Pandora. Os deputados adiaram para hoje a solução de várias pendências (veja quadro). Pretendem definir numa reunião convocada para hoje, às 14h, se os pedidos de impeachment contra Arruda serão analisados pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) ou se passarão por uma Comissão Especial.

Sobre o assunto, não houve consenso ontem. Os deputados alegaram que prefeririam aguardar um parecer da Procuradoria da Câmara, que, já é quase certo, será favorável à Comissão Especial. Na prática, os distritais não discutem o mérito das medidas, mas tentam adiá-las para protelar os prazos e jogar os procedimentos de depuração interna para o ano que vem. ¿Chegaremos a um entendimento com o parecer jurídico e daremos a maior celeridade possível a este processo¿, espera o presidente da Câmara em exercício, Cabo Patrício (PT). ¿Comissão especial ou CCJ, o que importa é que esse trabalho comece logo¿, reforça Chico Leite (PT).

Os deputados também postergaram a decisão sobre uma possível autoconvocação. A Câmara está dividida. Um grupo sustenta que é necessário adiar o recesso e apurar logo as denúncias. Outro avalia como melhor saída esperar os ânimos esfriarem. A liderança do PT produziu requerimento para a autoconvocação e conseguiu assinaturas suficientes (oito) para que ela seja realizada. Mas o documento será apresentado apenas se a maioria dos 24 deputados continuar indefinida hoje.

Outros deputados se concentram em fechar a pauta. Cristiano Araújo (PTB) fez questão de anunciar na tribuna que a Lei Orçamentária para 2010 está pronta para ser votada hoje. ¿Não há nada que impeça a aprovação. O meu relatório está pronto¿, disse ele, que é relator do projeto. A deputada Eurides Britto (PMDB) ainda desempenha a função de líder do governo e, no fim da sessão ontem, encaminhava projetos do GDF. ¿Vou concluir esse trabalho e deixar a liderança nesta terça-feira (hoje)¿, explicou. Eurides está entre os envolvidos no escândalo. Aparece em imagens recebendo dinheiro. Seu partido, o PMDB, saiu do governo Arruda.

Oito dos nove distritais alvos de pedidos de processo por quebra de decoro foram notificados pelo corregedor da Câmara, Raimundo Ribeiro (PSDB). O presidente licenciado da Casa, Leonardo Prudente (DEM), recebeu ontem, em sua casa no Lago Norte, a comunicação de que tem 10 dias para apresentar a defesa. O deputado Júnior Brunelli (PSC) ¿ que também aparece em vídeo recebendo dinheiro ¿ foi o único a não ser localizado. Estaria viajando.

Prudente se mantém longe da Câmara. Além de se afastar do cargo de presidente por 60 dias, pediu licença-médica, que vence na quinta-feira. Prudente ¿ que foi flagrado colocando maços de real até nas meias, e teria empresas de parentes e amigos sendo beneficiadas em contratos de governo ¿ vem resistindo às pressões para renunciar à presidência. A assessoria dele informou que o deputado pretende cumprir o mandato.

Pedidos de cassação

Enquanto os distritais se articulavam, a seccional do DF da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-DF) entregou ontem a Cabo Patrício os pedidos de cassação de mandato dos três dos deputados que aparecem em vídeos recebendo dinheiro: Brunelli, Eurides Brito e Prudente.

¿A consequência final desses processos é a cassação dos mandatos, mas, se o pedido de impeachment do governador for julgado antes, esperamos que os deputados envolvidos nas denúncias sejam impedidos de participar dele¿, resumiu a presidente da OAB-DF, Estefânia Viveiros, que compareceu à CLDF acompanhada pelo presidente da OAB nacional, Cezar Britto. Até o fim da semana, a OAB-DF deve apresentar os pedidos de cassação dos outros deputados citados nas denúncias.

Colaborou Rodolfo Borges

PF adia entrega de relatório

Edson Luiz Estefânia Viveiros (OAB-DF) e Cezar Britto (OAB nacional): cassação

A Polícia Federal deixou para amanhã a entrega, ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), do relatório preliminar da Operação Caixa de Pandora, realizada em 27 de novembro. A remessa seria feita ontem, mas a equipe de investigação não concluiu as análises dos vídeos entregues por Durval Barbosa(1), ex-secretário de Relações Institucionais do Governo do Distrito Federal, nem as do material recolhido em 29 buscas feitas pela PF durante a ação. O delegado responsável pelo caso, Alfredo Junqueira, deverá sugerir ao ministro do STJ, Fernando Gonçalves, a quebra de sigilo bancário e fiscal dos principais envolvidos no esquema de pagamento de propina no GDF.

Como o inquérito é judicial, somente o ministro-relator poderá decidir quais serão as novas linhas de investigação, acatando ou não as sugestões de Junqueira. Normalmente, o magistrado aceita os pedidos constantes no relatório. E pelo menos a quebra dos sigilos já estaria decidida ¿ algo imprescindível para verificar a origem e o destino dos recursos movimentados nos últimos anos e saber se o dinheiro foi declarado ao fisco.

As gravações feitas por Durval Barbosa, onde aparece com empresários, políticos e secretários de Estado ¿ são consideradas uma das principais provas do suposto pagamento de propinas. Segundo fontes da PF, apesar de algumas gravações terem sido feitas sem autorização judicial, elas seriam legais. Durval teria entregue 52 CDs à PF, inclusive de períodos anteriores.

1 - O delator Além de fazer parte do governo de José Roberto Arruda, Durval Barbosa participou da gestão de Joaquim Roriz. Ele responde a 37 processos de desvios de verbas. Em troca de redução de pena, fez um acordo com a Justiça de delação premiada e denunciou o suposto esquema de propinas do GDF para a base aliada.

Depoimento implica promotora

Ana Maria Campos

O corregedor nacional do Ministério Público, Sandro José Neis, decidiu instaurar reclamação disciplinar contra a promotora de Justiça Deborah Guerner, citada no depoimento do ex-secretário de Relações Institucionais Durval Barbosa como beneficiária de negócios relacionados a contratos para coleta de lixo no DF. Neis decidiu também notificar a direção do Ministério Público local (MPDFT) para que envie informações sobre as providências tomadas na Corregedoria do órgão.

Em depoimento à Polícia Federal (PF), Durval Barbosa disse, em 30 de outubro, que Deborah Guerner estaria sendo atendida pelo governador José Roberto Arruda em relação à suposta participação dela no ¿contrato do lixo¿. Segundo Durval, o procurador-geral de Justiça do DF, Leonardo Bandarra, teria negócios com a promotora, o marido dela, Jorge Guerner, e o empresário Roberto Cortopassi, dono da empresa WRJ Engenharia. Para o corregedor nacional, no entanto, ainda não há fato concreto para abrir procedimento contra Bandarra. ¿Se surgir algo no decorrer da investigação, poderemos tomar alguma providência¿, disse Neis.

O corregedor pretende notificar Deborah Guerner e, se for necessário, poderá colher o depoimento dela pessoalmente.

Procurada pelo Correio, a promotora não quis comentar ontem a abertura do procedimento. Bandarra divulgou nota na última sexta-feira em que sustenta ter requerido ao procurador-geral da República, Roberto Gurgel, a instauração de investigação para apurar a denúncia de Durval. Para Bandarra, os fatos são ¿infundados¿ e ¿mentirosos¿ e representam uma represália à sua atuação como chefe do MP local.

Promotores viam com preocupação a proximidade de Bandarra com Déborah por causa das conexões políticas da promotora com integrantes do atual governo e empresários. Ela participou de reuniões de Bandarra com Arruda e com o vice-governador Paulo Octávio e se envolveu nas discussões, ainda na fase do governo de transição, para celebração de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) relacionado à divisão do contrato com empresas para coleta de lixo. Déborah chegou a pedir autorização para trabalhar no primeiro escalão do GDF, mas não foi liberada pelo MP.

Pendências

Os deputados precisam decidir hoje:

Se os pedidos de impeachment contra o governador Arruda serão analisados pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) ou por uma Comissão Especial a ser integrada por nove membros. A Procuradoria da Câmara dá o parecer final hoje

Se vão adiar o recesso. A autoconvocação permitiria a continuidade dos processos de quebra por decoro parlamentar contra nove deputados, os de impeachment e a instalação da CPI para apurar a corrupção no GDF

A composição da CPI

A data de votação da Lei Orçamentária para 2010

O IPVA 2010 e a taxa de Contribuição de Iluminação Pública (CIP)

A composição das nove comissões permanentes para o ano que vem. As lideranças partidárias precisam indicar seus representantes até hoje ao meio-dia.