Título: Novas velhas vaidades
Autor: Pariz, Tiago
Fonte: Correio Braziliense, 16/12/2009, Política, p. 6

Declaração de Lula sobre lista tríplice para definir o vice de Dilma reacende antiga disputa interna pelo poder no PMDB

Renan Calheiros, que andava na moita desde que perdeu a Presidência do Senado, aproveitou a brecha para enquadrar deputados e mostrar força

O cabo de guerra com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sobre o vice na chapa encabeçada pela ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, reacendeu velhas disputas pelo poder no PMDB. A turma do Senado, comandada pelo senador Renan Calheiros (AL), entrou em choque com a da Câmara, liderada pelo deputado Henrique Eduardo Alves (RN).

Os senadores pressionaram os colegas parlamentares a amenizar o tom e a parar de cobrar publicamente uma retratação de Lula, que defendeu uma lista tríplice para a escolha do vice do PT em 2010. Enquadrados, os deputados que antes bradavam contra as palavras do presidente se esconderam e não repetiram a demanda. O único comentário partiu do presidente da Câmara, Michel Temer (PMDB-SP), apontado como o peemedebista preferido para ocupar o posto na eleição do ano que vem. Ele disse que a decisão do vice será tomada pelo partido, mas sequer mencionou as palavras duras de Henrique Alves e Eduardo Cunha (PMDB-RJ) do dia anterior.

O líder do PMDB no Senado, Renan Calheiros (AL), disse não haver sentido nessa queda de braço sobre uma escolha que se dará em meados do ano que vem. ¿Agora é hora de minimizar a questão e não antecipar um debate¿, disse. Renan desempenhou um papel que deixara de lado desde quando perdeu o poder como presidente do Senado, época em que era o principal interlocutor de Lula no PMDB.

Quinhão

Da mesma maneira que Lula não faz e não fez o comentário de graça, o senador entrou em campo com uma mira precisa. Ele quer voltar a negociar termos da aliança eleitoral com o PT, que hoje está nas mãos de Alves, Cunha e Temer. Renan não almeja esse varejo, mas vislumbra retomar um quinhão de poder ao lado de Lula. Ao enquadrar os deputados, acabou bem sucedido, pelo menos por enquanto.

Sem ingenuidade, os senadores difundiram a tese espalhada no fim de semana pelos ministros Franklin Martins (Comunicação Social) e Alexandre Padilha (Relações Institucionais), numa operação que incluiu até a ministra Dilma Rousseff. Os três minimizaram a cobrança de Lula dizendo que a frase fora tirada de contexto e que, na verdade, Lula apenas comentou sobre a lista tríplice porque foi perguntado na frente do ministro Edison Lobão (PMDB) se preferiria ele ou Temer para vice de Dilma.

O grupo dos senadores sabe que Lula não faria esse comentário simplesmente para sair de uma saia justa. O presidente defendeu que o PT escolha a partir de três nomes oferecidos pelo PMDB porque resiste à opção por Temer, antigo desafeto (veja memória). Por isso, Renan e turma decidiram ficar do lado que entenderam ser o mais forte e não esticar a corda como fizeram Cunha e Alves. Romero Jucá, líder do governo no Senado, enfatizou a tese governista. ¿Essa história acabou, não tem problema.¿

O presidente do Senado, José Sarney, também agiu para acabar com a polêmica ao dizer que Lula não teve intenção de interferir no PMDB. ¿O presidente Lula não teve a intenção de interferir dentro do partido, até mesmo porque sabe que o PMDB tem sua própria norma e maneira de ser e sabe que nós vamos escolher o candidato a vice, dentro do acordo que estamos construindo com o PT¿ disse. E defendeu a escolha de Temer. ¿O nome que temos é o do presidente do partido. Todos vamos daqui para frente fazer com que essa aliança seja feita em torno dele¿, disse.

Até Temer entrou na onda buscando minimizar o fato. ¿Sempre tenho dito que, se houver aliança, vamos examinar com calma qual o melhor nome para vice. Disse isso, inclusive, ao presidente. Vice não é candidato, é circunstância política. No momento exato vamos verificar o melhor nome, se houver aliança¿, afirmou o presidente da Câmara.

Memória Um enredo conhecido Carlos Moura/CB/D.A Press - 21/10/09 O deputado Eduardo Cunha, que bradou contra Lula, baixou o tom

A divergência pública entre o que pensam os dois PMDBs, o do Senado e o da Câmara, lembra uma novela que se alongou durante todo o primeiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Naquela época, a pergunta que mais se fazia era: quem falava pela legenda? Os senadores Renan Calheiros (AL) e José Sarney (AP) defendiam a aliança com o petista e patrocinavam todos os acertos partidários. Os deputados Michel Temer (SP) e Geddel Vieira Lima (BA) bradavam pela independência em relação ao Palácio do Planalto.

Nas convenções e encontros partidários, uma ala boicotava a outra. Era a luta entre as alas petistas e tucanas. Senadores eram hostilizados por deputados e vice versa. Um dos episódios clássicos ocorreu em 2004. Os dois grupos travaram uma briga jurídica em torno da Convenção que decidiria pelo apoio ao governo. Temer e seus aliados definiram que o partido deveria deixar os cargos que tinha no primeiro e no segundo escalão. Mas uma liminar concedida pelo ex-presidente do STJ, Edson Vidigal, atendendo a uma reclamação do então líder no Senado, Ney Suassuna (PB), invalidou a decisão de Temer.

Essa confusa briga naquele domingo de dezembro de 2004 só mostrou quão ásperas eram as relações entre as duas alas. A rinha só foi deixada de lado quando Lula sentou para negociar com Temer, promovendo uma pacificação entre os grupos. O jogo, então, equilibrou-se. E a turma da Câmara, aproveitando a desgraça que se abateu sobre Renan Calheiros em 2007, passou a ter a primazia da conversa com o presidente. (TP)