Título: Transparência revogada
Autor: Lima, Daniela
Fonte: Correio Braziliense, 17/12/2009, Política, p. 2

Sem alarde, Congresso afrouxa regra sobre a divulgação de dados do funcionalismo federal. Parlamentares governistas e da oposição dizem que votaram a medida sem conhecer seu teor

Eu estava preocupado com a liberação de recursos para o Orçamento. Não vi isso¿ Gilmar Machado (PT-MG)

Carlos Moura/CB/D.A Press - 19/9/06

Eu só sei por alto. Não questionei. Redação do governo é redação do governo¿ José Carlos Aleluia (DEM-BA)

O Congresso disse não à transparência no serviço público. Após reunião de líderes na sessão de ontem, deputados e senadores modificaram trecho da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) que determinava a divulgação de nomes, cargos, funções e salários dos funcionários dos poderes Legislativo, Executivo e Judiciário. A medida enterrou a possibilidade, por exemplo, de afilhados políticos e parentes empregados na máquina serem identificados. Oposição e governo deram as mãos para diminuir a possibilidade de fiscalização da folha de pessoal da União, estimada em R$ 163 bilhões este ano.

Os parlamentares aproveitaram o projeto de lei que reduzia a previsão do superávit primário de 2010 para inserir emenda que acabou com a previsão de divulgação de dados dos servidores públicos federais. A LDO (1)foi aprovada em agosto deste ano. É ela que estabelece parâmetros a serem seguidos na elaboração do Orçamento da União. Segundo o texto original, os Três Poderes deveriam ter iniciado a publicação dos dados dos funcionários em 31 de outubro. O prazo final para a divulgação era até 31 de janeiro de 2010.

A modificação que enxugou a transparência foi assinada pelo relator do projeto, senador Augusto Botelho (PT -RR). O petista, no entanto, não assume a autoria da emenda. Diz que ela já chegou pronta, mas sem assinatura. ¿A emenda me foi entregue após a reunião de líderes, sem assinatura, e me disseram que, sem ela, o projeto não entrava na pauta¿, alegou. Com a nova redação, os órgãos só terão de disponibilizar em seus sites tabelas com o número total de cargos efetivos, comissionados e funções de confiança ocupados e vagos. Pela norma anterior, teriam de informar quem são, onde estão, quanto ganham e quais funções exercem os funcionários, efetivos ou não, pagos pela União.

Botelho assinou o texto depois de perguntar a um consultor se ele traria aumento de despesas. Foi informado de que não havia ônus orçamentário, mas que a mudança diminuiria a transparência na administração pública. ¿Tentei recuar, mas, como sem ela o projeto não passaria, pesei os prós e os contras e acabei inserindo o texto no projeto¿, argumentou.

Paternidade negada

Os deputados da oposição, que adoram criticar os gastos com pessoal do governo, disseram não ter percebido a inserção da emenda. ¿O que eu discuti foi a destinação dos recursos que sairão da meta do superávit para saúde e agricultura. Isso foi feito às claras, aqui no plenário. Não participei da discussão dessa emenda¿, disse o líder do DEM na Câmara, Ronaldo Caiado (GO). O deputado Otávio Leite (PSDB-RJ), que representou a liderança da minoria na sessão do Congresso de ontem, também disse não ter visto a emenda. ¿Eu fui contra a votação desse projeto, no início. Acho que ele deveria ter sido votado junto com o Orçamento.¿

O único integrante da oposição a participar da reunião de líderes ontem e admitir ter tido notícia da mudança que podou a fiscalização da nomeação de servidores públicos foi José Carlos Aleluia (DEM-BA). Crítico costumaz dos gastos do Executivo com pagamento de pessoal, ele desconversou quando perguntado sobre a emenda. ¿Eu só sei por alto. Me disseram que ela devolvia a redação original do governo na LDO. Não questionei. Redação do governo é redação do governo¿, respondeu, comodamente.

Gilmar Machado (PT-MG), que representava a liderança do PT na sessão, não assumiu a articulação. ¿Eu estava preocupado com a liberação de recursos para o Orçamento. Não vi isso. Mas, como parlamentar, não tenho porque esconder meus funcionários. Afinal, eles são pagos com dinheiro público¿, afirmou. O deputado Wellinton Roberto (PR-PB), que foi relator da LDO e autor do trecho que obrigaria a divulgação dos nomes e das tabelas de remuneração dos servidores, lamentou a derrubada do trecho. ¿A transparência deve ser máxima em todos os órgãos da administração.¿

1 - Folga de caixa A proposta que modificou a LDO e foi usada para a inserção do contrabando antitransparência deu ao Minha Casa, Minha Vida o mesmo tratamento dispensado ao PAC. Com isso, os R$ 7,3 bilhões do programa habitacional, uma das alavancas da campanha de Dilma Rousseff à Presidência, também ficarão de fora da meta de superávit primário. A oposição aprovou o projeto com o compromisso de que parte dese dinheiro será usada para cobrir rombos do orçamento nas pastas de saúde e agricultura.