Título: Ralação extra para Lula
Autor: Brito, Ricardo
Fonte: Correio Braziliense, 17/12/2009, Política, p. 7

Base aliada reconhece que o presidente terá de entrar em campo se quiser preservar o texto da partilha do pré-sal nos moldes originais

Líder do governo na Câmara, Fontana analisa uma forma de evitar a aprovação da emenda Ibsen-Souto

Os líderes da base aliada da Câmara afirmam que somente com a entrada direta nas negociações do presidente Luiz Inácio Lula da Silva será possível aprovar o projeto de criação do regime de partilha dos recursos do pré-sal. A avaliação é de que a eventual votação da emenda apresentada pelos deputados Ibsen Pinheiro (PMDB-RS) e Humberto Souto (PPS-MG), que muda radicalmente a forma de distribuição de recursos de petróleo no país, privilegiando estados e municípios mais pobres, tem força suficiente para derrubar o texto-base do modelo de partilha, aprovado na semana passada pelo plenário. Por isso, a votação da emenda, adiada ontem pela terceira vez, ficou para 2010.

¿Temos que analisar uma forma para que essa emenda não prospere¿, afirmou o líder do governo na Câmara, Henrique Fontana (PT-RS). Ontem, os líderes partidários da base e da oposição e o presidente da Casa, Michel Temer (PMDB-SP), decidiram jogar para a primeira quinzena de fevereiro, na volta do recesso parlamentar, a discussão sobre o projeto de partilha. A oposição comprometeu-se a não mais obstruir os trabalhos do plenário na futura votação.

Contudo, a solução do principal impasse está longe do fim: o que fazer com o recurso apresentado anteontem pelo deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) para barrar a emenda Ibsen-HumbertoSouto por vício regimental? Porta-voz da bancada fluminense, estado mais prejudicado com a emenda, e aliado de primeira hora de Michel Temer, Cunha alegou num requerimento apresentado na sessão que ela não tinha validade por falta de assinaturas. Segundo Cunha, havia 15 nomes de apoio, sendo que eram necessários ao menos 102. Temer acatou o requerimento, mas, diante dos protestos dos deputados, encerrou a sessão para tentar um acordo sobre o recurso.

Até ontem não havia solução. ¿O único acordo é que nós queremos votar a emenda¿, afirmou o líder do DEM na Câmara, Ronaldo Caiado (GO). Desde a semana passada, a oposição ¿ em princípio contrária ao projeto (1)de partilha, mas sem votos suficientes para derrotá-la sozinha ¿ aliou-se aos dissidentes da base aliada para alterar a proposta aprovada semana passada sem a votação da emenda. O texto do relator da partilha e líder do PMDB, Henrique Eduardo Alves (RN), mantém a maior parte dos repasses de dividendos do pré-sal à União, estados e municípios produtores. O texto, porém, concede, pela primeira vez, uma parcela mais significativa de recursos para localidades não produtoras com base em critérios do Fundo de Participação de Estados (FPE) e Municípios (FPM). Tal critério privilegia lugares mais pobres.

Rateio

A emenda Ibsen-Humberto Souto, por sua vez, distribui recursos do pré-sal e de outras áreas petrolíferas sem distinção entre produtores e não produtores. O único critério de rateio é o FPE e o FPM, o que deixaria o Rio de Janeiro e seus municípios produtores longe de serem os maiores recebedores de receita de petróleo, com R$ 12 bilhões em 2008.

Na avaliação reservada de líderes governistas, o requerimento de Cunha passou a pecha de que o Rio de Janeiro, eventual prejudicado, queria ganhar no tapetão. Antes, as declarações do governador do estado, Sérgio Cabral (PMDB), de que deputados queriam roubá-los, também criaram dificuldade ao andamento do projeto. ¿O debate tomou um rumo irracional¿, reconheceu um líder da base.

A aposta é que, durante o recesso, Lula entre na negociação conversando com governadores e até os deputados para encontrar uma saída. São três hipóteses com que as lideranças trabalham: retirar a emenda Ibsen-Humberto Souto, vetá-la caso seja aprovada ou encontrar uma terceira via.

1 - Outras três frentes Além do projeto de partilha, dois projetos do pré-sal estão na pauta de votação da Câmara. A proposta que cria o fundo social com recursos da nova fonte petrolífera e outro, sobre a capitalização da Petrobras para aumentar sua capacidade de investimento no pré-sal. Apenas o projeto de criação da estatal responsável por administrar os contratos da nova camada foi aprovado, em novembro passado.

Memória Coleção de vacilos

¿O pré-sal é um passaporte para o futuro¿, afirmou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 31 de agosto, durante a cerimônia de apresentação do modelo de exploração da nova camada petrolífera. Acreditando que seria fácil passar os quatro projetos do pré-sal na Câmara até o fim de 2010, ainda mais do alto dos 80% de popularidade, Lula determinou que a matéria tramitasse em regime de urgência no Congresso: se não fossem votados em 45 dias na Câmara e em outros 45 dias no Senado, a pauta ficaria trancada. Não consultou as lideranças da Câmara. Foi obrigado a retirar a urgência ¿ o primeiro dos sucessivos erros de articulação.

Depois, a negociação virou um varejo só. No último mês, quando o projeto de criação do regime de partilha, o mais complicado dos quatro, chegou ao plenário, o governo teve que ceder três vezes em relação à proposta original para aplacar a sanha de estados e municípios por recursos. Deixou a cargo de ministros a negociação com governadores e prefeitos e, em algumas ocasiões, influiu diretamente. Só faltou falar com os deputados, que, rebelados, querem mudar toda a forma de distribuição dos lucros do petróleo. A votação ficou para 2010. Os líderes acreditam que só Lula entrando firme nas articulações salvará o ¿passaporte para o futuro¿. (RB)