Título: Ocupação da Câmara
Autor: Mader, Heena; Brito, Daniel; Alves, Renato
Fonte: Correio Braziliense, 03/12/2009, Cidades, p. 33

Manifestantes invadem o prédio em protesto contra as denúncias de suposto pagamento de propina no governo Arruda. Grupo diz não ter previsão para sair do plenário

OCUPAÇÃO Representantes de sindicatos e de partidos, e estudantes invadiram o plenário: manifestantes mais experientes conseguiram impedir a quebradeira

Breno Fortes/CB/D.A Press INVASÃO O grupo entrou na Câmara Legislativa às 14h45, quando havia apenas cinco seguranças

Monique Renne/CB/D.A Press ACAMPAMENTO À noite, manifestantes se dividiam em comissões: preparativos para a madrugada

Nem mesmo os manifestantes previam o desfecho do protesto marcado para as 14h, em frente à sede da Câmara Legislativa do Distrito Federal. Representantes de diversas entidades sindicais e de partidos, além de estudantes, bradavam contra o suposto esquema de propinas no governo de José Roberto Arruda (DEM). A manifestação era bem-humorada, com direito a dinheiro nas meias e, claro, muito panetone. Às 14h45, no entanto, o ânimo mudou. Com um caixão nas mãos, eles resolveram invadir o prédio. Os cinco vigilantes da portaria não conseguiram conter a multidão. Houve confronto e um funcionário da Polícia Legislativa ficou ferido. Até o fechamento desta edição, o plenário continuava ocupado por 74 manifestantes, que prometem dormir na Câmara até Arruda deixar o governo.

Os responsáveis pelo protesto quebraram a porta de entrada da Câmara e também derrubaram a parede de vidro na entrada do plenário. Eles percorreram os corredores batendo contra as paredes e, aos gritos, pediam a saída de Arruda. Em poucos minutos, o grupo tomou conta do plenário. Os manifestantes subiram nas cadeiras e na mesa de votação. Os seguranças correram para tentar salvar os computadores usados pelos deputados. Mas não conseguiram poupar todo o patrimônio da Câmara. Alguns manifestantes mais exaltados quebraram partes do teto e riscaram as poltronas com o gesso espalhado pelo chão.

Hino Nacional O clima esquentou após a invasão. Em cima das bancadas, líderes de movimentos estudantis e sindicalistas cantaram o hino nacional e gritaram palavras de ordem. O slogan do protesto era ¿Arruda na Papuda¿, em referência à penitenciária masculina da cidade. O vice-governador Paulo Octávio (DEM) e os deputados distritais, também suspeitos de participar do esquema de corrupção, não escaparam das provocações. Com medo de represálias, assessores de parlamentares citados no inquérito tiraram as placas de identificação das portas dos gabinetes e deixaram o prédio pela porta dos fundos. Mas o chefe de gabinete do deputado Leonardo Prudente, coronel Jair Tedeschi, acompanhava toda a manifestação da tribuna da imprensa.

Todas as tribos O perfil dos manifestantes era bastante variado. Compunham o grupo integrantes de sindicatos fortes, como o dos bancários e o dos professores, representantes de partidos políticos, estudantes de universidades, como os que participaram da ocupação da reitoria da UnB em abril do ano passado, e alunos do ensino médio. A atitude dos participantes do protesto também era bem heterogênea. Alguns queriam discutir a situação política e deliberar sobre o futuro do movimento. Outros queriam apenas incitar a violência, aos gritos de ¿quebra tudo¿. Mas os manifestantes mais experientes conseguiram conter o ímpeto dos demais.

Durante o ato, a revolta se transformou em humor. Muitas pessoas estavam fantasiadas de palhaços, com malas de dinheiro falso e caixas em alusão ao nome da operação da Polícia Federal que desencadeou o caso ¿ Caixa de Pandora. Um jovem que se identificou como Sérgio e disse ser funcionário do GDF estava com o rosto pintado de branco e um nariz de palhaço. Na cueca vestida sobre a roupa, pôs um maço de dinheiro de brinquedo. ¿A gente tem que acabar com essa roubalheira e tirar o governador de lá. Só o povo pode mudar essa situação¿, gritava o jovem.

Quem também estava fantasiado era o bancário Iran de Sousa Né, escalado para interpretar Arruda durante os protestos. ¿É por causa da careca. Não é a primeira vez que represento este papel, mas agora a coisa está feia. A gente precisa chamar a atenção para a gravidade do caso¿, disse Iran, com uma faixa de governador. Durante os protestos, ele se deitou sobre o caixão levado pelos manifestantes. Já um aluno de história do UniCeub, de 27 anos e vestido com a camisa da torcida organizada Gaviões da Fiel, do Corinthians, surrupiou as bandeiras do Brasil e do DF que ficavam no plenário. ¿Vou levar como troféus. Esse povo (os deputados) não merece essas bandeiras¿, comentou, sem revelar nome.

Estudantes com uniformes do Centro de Ensino Médio 417 de Santa Maria e do Centro de Ensino Médio Elefante Branco, na Asa Sul, começaram a riscar todas as poltronas com gesso. ¿A gente tem que quebrar tudo, colocar fogo nisso aqui¿, repetia um deles. Entretanto, as lideranças que se revezavam ao microfone destacavam a importância de preservar o patrimônio público. ¿Vamos convocar a população do DF a ocupar a Câmara Legislativa, mas temos que tomar cuidado para que nada seja danificado¿, gritava ao microfone o professor da UnB Rodrigo Dantas, militante do Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado (PSTU).

Vamos convocar a população do DF a ocupar a Câmara Legislativa, mas temos que tomar cuidado para que nada seja danificado¿

Rodrigo Dantas, militante do PSTU

Vamos dormir aqui até o fim¿

Levi Brandão, estudante do UniCeub

O número 74 Quantidade de manifestantes que pretendiam passar a noite no plenário da Câmara Legislativa

Sessão de 13 minutos

As divergências entre os manifestantes ficaram evidentes logo após a ocupação. Enquanto alguns estudantes davam entrevista à imprensa, outros gritavam para reclamar das declarações. ¿Vamos dormir aqui até o fim¿, dizia o universitário Levi Brandão, do UniCeub, quando alguns de seus colegas determinaram que ele não falasse com os repórteres.

Houve confusão também entre militantes de diferentes partidos políticos. Enquanto uma pessoa balançava uma bandeira do PSB, um grupo de manifestantes começou a agredi-lo verbalmente. ¿Vai embora daqui, que moral vocês têm para protestar? O (deputado) Rogério Ulysses está no meio da corrupção¿, acusou um participante do protesto.

Em meio à confusão generalizada, parlamentares da oposição tentavam desocupar o plenário para ler os pedidos de afastamento contra Arruda e Paulo Octávio. A deputada Érika Kokay (PT) subiu à tribuna entre os manifestantes para explicar os trâmites dos processos. Mais uma vez, houve muita divergência. Alguns queriam manter o plenário ocupado. Outro grupo defendia a saída temporária, para que a leitura dos requerimentos fosse possível.

Ontem foram apresentados três novos pedidos de impeachment: um do PT, outro do PSol e o terceiro elaborado pela Ordem dos Ministros Evangélicos, uma entidade com sede no Gama. Às 17h30, os deputados do PT conseguiram convencer os participantes do protesto a sair. Meia hora depois, foi aberta a sessão, com a presença dos quatro deputados do PT, além de José Antônio Reguffe (PDT) e de Jaqueline Roriz (PSDB). O presidente em exercício, Cabo Patrício, leu os seis pedidos de impeachment. A sessão durou 13 minutos. Os manifestantes se reuniram e, meia hora depois, decidiram ocupar o plenário da Câmara novamente. (RA, DB e HM)