Título: O sumiço das doações
Autor: Vaz, Lúcio; Santos, Danielle
Fonte: Correio Braziliense, 06/12/2009, Política, p. 2

Barcos e equipamentos entregues ao Ibama por empresas estatais e privadas em 2001 desaparecem no Rio. Ministério Público Federal recomenda recuperação dos bens

Dois meses após pedir informações ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) sobre o paradeiro de 14 embarcações doadas à autarquia pela extinta Companhia de Navegação Lloydbrás, o Ministério Público Federal recomendou ao Ibama e ao Instituto Chico Mendes, em 23 de julho, que recuperem a posse dos rebocadores Paulista e Paraibano e localizem e recuperem as demais embarcações que foram doadas para serem afundadas na Reserva Extrativista Marinha de Arraial do Cabo, no Rio. O Instituto Chico Mendes também apura internamente o extravio, o roubo e o sucateamento de veículos e equipamentos na mesma reserva marinha.

As 14 embarcações, supostamente sucatas, foram doadas em 2001 para serem utilizadas como atratores artificiais ¿ peças submersas que seriam colonizadas por corais e peixes, além de impedir a pesca industrial por arrastão. Mas o Ministério Público apurou que dois rebocadores encontram-se indevidamente na posse de um homem identificado como Oziel Alves Lírio, estando localizadas na Cooperativa de Pesca de Niterói e São Gonçalo (RJ).

Os procuradores também concluíram que ¿nenhuma das embarcações doadas teve o destino previsto no termo de doação¿. Portanto, não foi realizado qualquer afundamento na reserva marinha. Ficou claro também que o Ibama e a Fundação Chico Mendes não têm conhecimento do paradeiro das embarcações.

Ouvido pelos procuradores, o ex-chefe da reserva de Arraial do Cabo Fábio Fabiano informou que quatro chatas ¿ pequenas embarcações rudimentares ¿ foram cortadas e vendidas por um estaleiro onde se encontravam. O rebocador Paraibano teria sido reformado, depois de comprado por Oziel Alves, responsável pela sua guarda, por R$ 7,5 mil. Em 2006, ele teria oferecido o rebocador a um empresário por R$ 250 mil. Finalmente, o rebocador foi encontrado na cooperativa de pesca.

O Ministério Público exigiu providências e disse que o seu não atendimento implicaria na adoção de sanções administrativas e medidas judiciais. No momento da doação, os bens da Lloydbrás estavam localizados na Baía de Guanabara, onde foram vistoriados e registrados em fotografias. O Ibama se comprometeu a fazer o resgate e a remoção das embarcações para Arraial do Cabo.

Abusadinha

A Reserva Marinha de Arraial do Cabo também recebeu, em 2003, doações da empresa Odebrecht no valor de R$ 186 mil. Os veículos e equipamentos foram tombados naquele ano, mas agora estão perdidos ou sucateados. Os bens de maior valor são duas lanchas. O motor de popa da Mariadinha, de 200Hp, depois de abandonado por um ano e meio dentro da água salgada, sofreu dano tão grande que o seu conserto não se justifica mais economicamente. Foi retirado do casco e largado num galpão do porto. O casco encontra-se abandonado no estaleiro Coral, devendo anos de diárias.

A lancha Abusadinha, de 30 pés, com dois motores a diesel, foi reformada pelo estaleiro Cassinú, mediante a conversão de sua multa de R$ 150 mil. Mas encontra-se parada e com vários problemas. As suas reformas somaram R$ 84 mil. Logo, a conversão de multa não teria sido compensada. Além disso, sumiram equipamentos da lancha, como o radar, o sonar, o aparelho GPS e rádios VHF.

Um laptop Toshiba foi roubado de dentro de um carro da reserva, em frente à casa de um funcionário. O roubo foi registrado, mas a polícia não encontrou nenhum indício de arrombamento no veículo. O computador não foi reposto e ninguém foi responsabilizado. A moto Yamaha DT 180 teve o seu motor e tanque de combustível arrancados. Um carro Gol 1.6 batido foi levado para a Prefeitura de Arraial do Cabo, onde acabou depenado. Também sumiu um bote inflável com remos.

Questionado pelo Correio, o Ibama reconheceu que recebeu as doações, mas salientou que todos os bens foram repassados para a Fundação Chico Mendes no momento da sua criação, em 2007. Em nota ao jornal, o instituto informou que abriu processo administrativo para apurar as irregularidades informadas à autarquia ¿referentes a supostos desvio e perda de patrimônio da Reserva de Arraial do Cabo¿. ¿Os resultados das apurações serão imediatamente levados a público após a conclusão dos trabalhos investigativos. Os possíveis envolvidos serão penalizados conforme a lei¿, diz a nota assinada pela Diretoria de Uso Sustentável e pela Procuradoria Federal Especializada do Instituto Chico Mendes.

Rebocadores Em 23 de julho deste ano, o Ministério Público Federal recomendou ao Ibama e ao Instituto Chico Mendes que recuperem a posse de dois rebocadores e localize outras 10 embarcações doadas pela Lloydbrás. Os procuradores afirmam que os dois órgãos não têm conhecimento do paradeiro dessas embarcações. Os rebocadores estariam de posse de uma pessoa no Rio de Janeiro.

Ninguém sabe, ninguém viu

Um rádio VHF protátil

Três roupas de mergulho

Duas garrafas de mergulho

Três válvulas com profundímetros

Três máscaras de mergulho

Filmadora digital*

Radar, sonar e GPS Plóter

Oito chatas**

Dois rebocadores

Quatro lanchas

* Com caixa estanque especial para mergulhos

** Pequenas embarcações rudimentares com ou sem motor de propulsão