Título: Bancos estrangeiros encolhem no Brasil
Autor: Nunes, Vicente
Fonte: Correio Braziliense, 06/12/2009, Economia, p. 18

Instituições reduziram de 21,4% para 18,5% a participação no total de crédito concedido no país depois do estouro da crise mundial

Infelizmente, o que se percebe é que os bancos estrangeiros estão sem capacidade de reação no Brasil. E, se continuarem assim, perderão cada vez mais mercado¿ Ruy Coutinho, presidente da Consultoria Latin Link

As instituições estrangeiras que operam no Brasil continuam com o pé no freio do crédito, apesar dos fortes sinais de retomada da economia ¿ que pode crescer até 6,5% em 2010. Dados do Banco Central (BC) mostram que, nos primeiros 10 meses deste ano, o estoque de empréstimos e financiamentos concedidos por esses bancos acumula queda de 1,7% contra expansão de 6,2% das instituições privadas nacionais e de 25,1% dos bancos públicos. Com isso, a participação das instituições estrangeiras no total de crédito do país caiu para 18,5% ante os 21,4% computados em setembro de 2008, quando estourou a crise mundial.

¿Infelizmente, o que se percebe é que os bancos estrangeiros estão sem capacidade de reação no Brasil. E, se continuarem assim, perderão cada vez mais mercado¿, diz o presidente da Consultoria LatinLink, Ruy Coutinho. Para ele, parte do encolhimento dessas instituições no Brasil decorre das dificuldades que suas matrizes ainda enfrentam fora do país, pois foram obrigadas a absorverem prejuízos monstruosos advindos do estouro da bolha imobiliária americana.

Mas há também a dificuldade de se adequarem a um mercado mais competitivo, no qual dois bancos públicos ¿ Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal ¿ e dois privados nacionais ¿ Itaú Unibanco e Bradesco ¿ estão dando as cartas.

Fim do ganho fácil

Para os analistas, das grandes instituições com presença mundial, apenas duas têm condições de se manter de pé e encarar, de verdade, a concorrência no varejo brasileiro: o espanhol Santander e o inglês HSBC. ¿Mas, para isso, esses dois bancos terão de ser mais agressivos na oferta de crédito e, principalmente, reduzir os juros cobrados de consumidores e empresas. Não há outra saída¿, afirma Carlos Eduardo de Freitas, ex-diretor do Banco Central, responsável por todo o processo de privatização do Banespa, cujo controle foi arrematado, em novembro de 2000, pelo Santander.

Freitas está coberto de razão. Em meados dos anos 1990, quando o governo decidiu abrir, por completo, o sistema financeiro nacional ao capital estrangeiro, esperava-se que as grandes instituições, com enorme experiência no fornecimento de crédito barato, provocassem uma revolução no país. O que se viu, porém, foi um movimento de rápida adaptação dos bancos estrangeiros ao modelo brasileiro, de garantir elevados lucros investindo em títulos públicos a risco zero e a juros elevadíssimos. ¿Agora, a realidade é outra. Para manter a rentabilidade, os bancos, estrangeiros ou não, precisam emprestar mais e a um custo menor¿, assinala o economista. ¿É a nova lei do mercado.¿

Medo da concorrência

Diante da limitada capacidade de reação, uma das saídas encontradas pelos bancos estrangeiros para marcar posição no Brasil foi criticar a postura mais agressiva dos bancos públicos na concessão de crédito. A contrariedade foi expressada recentemente pelo diretor Global de Negócios do HSBC, Shaun Wallis, ao afirmar que o crédito no país poderá ficar mais escasso se as instituições públicas continuarem forçando a mão para aumentar a concorrência bancária e para reduzir as taxas de juros aos consumidores e às empresas. Na visão de Wallis, tal postura traria mais clientes para o sistema financeiro, de diferentes perfis de crédito, ampliando o risco de inadimplência. ¿Os bancos terão receio em emprestar. Foi o que ocorreu em outubro e novembro (de 2008) em todo o mundo¿, assinalou. Talvez esteja aí, nesta postura defensiva, a principal explicação para os ativos totais do HSBC no Brasil terem encolhido R$ 6 bilhões entre dezembro de 2008 e junho deste ano.

¿Não tem jeito. Se um banco não dá crédito, outro, mais agressivo, dará¿, ressalta José Luiz Rodrigues, sócio-presidente da Consultoria JL Rodrigues, especializada em sistema financeiro. No seu entender, há hoje no país um único instrumento para crescimento dos bancos de varejo, com ampla rede de atendimento: o crédito. ¿Basta olhar os últimos balanços dos bancos para vermos que as receitas com títulos públicos estão despencando. Não há outro jeito de ganhar dinheiro no sistema financeiro que não seja com crédito, mesmo que os riscos aumentem. Faz parte do jogo¿, acrescenta.

Defensiva

Para o economista João Augusto Salles, da Consultoria Lopes Filho, mesmo que a economia brasileira dê saltos expressivos no próximo ano, puxada pela renda e pelo crédito, os bancos estrangeiros tenderão a ficar na defensiva, com uma ou outra exceção, como o Santander, que reforçou o capital em mais de R$ 14 bilhões por meio da emissão de ações. ¿As matrizes desses bancos ainda terão que devolver dinheiro para os governos que as socorreram no auge da crise mundial. E esse processo de ajuste terá impacto no Brasil¿, diz.

Ele cita como um dos casos mais complicados o do Citibank, que já foi a maior instituição estrangeira a operar no país. O banco teve que se desfazer de vários ativos no Brasil, como a Redecard e a Brasil Telecom, para socorrer a sede nos Estados Unidos. Raspou todo o lucro que tinha aqui para injetar no caixa da matriz. E, desnorteado, fechou a rede de financeiras Citi Financial, com a qual pretendia se expandir, conquistando as classes C e D, as que mais crescem no país. ¿Todos os grandes bancos estrangeiros levaram um baque da crise, o Citibank, o HSBC, o Santander, o BNP Paribas¿, lista Salles.

Prejuízos

Muitas instituições estrangeiras também pagaram o preço da especulação no Brasil. ¿Os bancos que atuam mais no mercado financeiro perderam bastante com a alta do dólar provocada pela crise. Estavam apostando na valorização do real em contratos de derivativos (câmbio futuro)¿, destaca o economista da Lopes Filho. O Credit Suisse, por exemplo, registrou prejuízos de R$ 108,3 milhões no primeiro semestre do ano. No mesmo período, o alemão Deutsche arcou com perdas de R$ 130,7 milhões e o Société Générale, com R$ 36,5 milhões. ¿É difícil imaginar banco tendo prejuízo no Brasil, mas se o negócio for mal feito, não tem salvação¿, emenda José Luiz Rodrigues.

Na opinião de Ruy Coutinho, presidente da Consultoria LatinLink, dada a estrutura atual do mercado bancário de varejo no Brasil, é difícil imaginar a chegada de novas grandes instituições dispostas a brigar no mercado de crédito, mesmo as chinesas. O Banco da China opera com uma única agência em São Paulo. O China Construction Bank vasculhou durante meses a fio oportunidades no país, mas até agora não desembarcou por aqui. ¿Se outros estrangeiros vierem para o Brasil, será para atuar em nichos específicos. Dificilmente terão condições de enfrentar gigantes como o Banco do Brasil, a Caixa, o Itaú Unibanco e o Bradesco, que têm pesadas estruturas espalhadas por todo o país¿, afirma.

Uma alternativa a esses bancos seria a compra de pequenas e médias instituições que ainda estão disponíveis e são excelentes nos segmentos em que atuam ¿ crédito consignado, veículos e financiamento a empresas de menor porte. Há ainda a possibilidade de atuarem regionalmente, o que é muito bem visto pelo Banco Central. ¿Mas que fique claro: o desenho do mercado bancário de varejo do Brasil já está dado, com dois bancos públicos, dois bancos privados e dois estrangeiros (Santander e HSBC) dominando as operações¿, sentencia Coutinho. ¿Não há mudanças à vista neste quadro.¿ (VN)