Título: Um candidato e seu passado de mistérios
Autor: Prates, Maria Clara
Fonte: Correio Braziliense, 21/12/2009, Política, p. 4

Delegado José Pinto Luna, que investigou o assassinato de Celso Daniel e o caso dos dólares na cueca do assessor de um deputado do PT, quer se eleger senador pelo partido

Para delegado, a direção do PT não ficará satisfeita com sua candidatura, mas ele aposta no apoio da militância

Personagem importante de um dos episódios mais obscuros na história do PT ¿ o assassinato do prefeito de Santo André (SP), Celso Daniel, em fevereiro de 2002 e até hoje impune ¿, o delegado federal José Pinto Luna se lança agora como pré-candidato dos petistas ao Senado por Alagoas, reduto eleitoral de caciques da política brasileira como os senadores Renan Calheiros (PMDB), seu provável adversário em 2010, e Fernando Collor de Melo (PTB).

Pinto Luna, de 44 anos ¿ que presidiu o inquérito que apurou as causas da morte de Celso Daniel e concluiu que foi um crime comum sem qualquer vinculação com máfias do lixo e de transportes que atuavam em prefeituras paulistas do PT ¿, também foi o responsável por investigar a apreensão de dólares escondidos na cueca de José Adalberto Vieira da Silva, em 2006. José Adalberto era assessor do então deputado estadual cearense José Nobre Guimarães (PT), irmão do deputado federal José Genoino (PT-SP). Ele foi preso quando embarcava de São Paulo para Fortaleza, durante a campanha eleitoral.

Apesar de causas de interesse do PT terem cruzado várias vezes a vida profissional de Pinto Luna, o delegado federal diz que a escolha pelo partido não tem qualquer vinculação com os casos em que atuou. ¿Acho que se a direção nacional do PT souber da minha pré-candidatura não vai ficar satisfeita, mas a militância fechou comigo e não vamos desistir facilmente¿, garante o delegado federal, que se aposenta daqui a três meses. No episódio dos dólares na cueca, apenas José Adalberto responde a inquérito. Na época de sua prisão no Aeroporto de Congonhas, em São Paulo, ele estava com US$ 100 mil e mais R$ 200 mil como parte de propina paga pelo consórcio Sistema de Transmissão Nordeste (STN) para se beneficiar de um financiamento do Banco do Nordeste do Brasil (BNB). Parte do dinheiro seria usada na campanha de José Nobre, hoje deputado federal petista, que disse desconhecer o fato.

Sem provas

Pinto Luna garante que não tinha prova que pudesse confirmar a participação do então deputado estadual com o dinheiro transportado pelo seu assessor. Para o delegado federal, o grande problema é que muitos administradores fecham os olhos para a origem do dinheiro que recebem. Como exemplo, ele cita o caso do prefeito Celso Daniel. ¿Temos certeza que existiam máfias como a do lixo e do transporte, provavelmente operadas pelo empresário Sérgio Gomes da Silva, o Sombra (braço direito do prefeito morto). Mas era cômodo para Celso Daniel não se interessar pela origem do dinheiro. Era só encaminhar para o Sombra¿, diz o delegado.

Apesar de não ter sido indiciado em nenhum dos três inquéritos produzidos pela Polícia Civil de São Paulo e Polícia Federal, o empresário Sombra foi denunciado criminalmente pelo Ministério Público paulista como mandante do crime de sequestro e morte de Celso Daniel. Sombra acompanhava o prefeito quando ele foi levado pelos criminosos.

Sem temer a maldição

Pinto Luna não teme a maldição do caso Celso Daniel, que faz arrepiar os mais incrédulos quando se lembra que sete pessoas, testemunhas ou investigadores do caso, foram mortas ou morreram em circunstâncias misteriosas nos últimos sete anos. ¿Tenho certeza de que se trata de um crime comum: sequestro. Foram feitos três inquéritos e todos tiveram a mesma conclusão. Ninguém conseguiu provar o contrário e, por isso, tenho minha consciência tranquila¿, diz o delegado, que na última semana esteve no interior do estado de Alagoas para debater a segurança pública.

A família de Celso Daniel vive hoje na França como exilados e nunca admitiram essa tese. Defende que o prefeito foi morto por ter um dossiê com documentos comprovando a existência de organizações criminosas atuando em prefeituras petistas e pretendia revelar as fraudes. Para o delegado, que ocupou o cargo de superintendente regional da Polícia Federal em Alagoas, de novembro de 2007 a julho passado, seu o único temor é de que a direção do PT opte por não lançar candidato ao Senado, já que Renan Calheiros concorre a uma das duas vagas e faz parte da base aliada do governo Lula. ¿Isso pode acontecer, mas temos uma militância muito forte que precisa ser ouvida e me presta apoio incondicional. Estamos tornando minha candidatura irreversível¿, afirma, ao retornar de um evento em Arapiraca, onde falou para jovens sobre segurança pública.

Pinto Luna disse que já foi preterido uma vez, ainda na fase de filiações, quando procurou pelo PSol. ¿A senadora Heloísa Helena me disse que já tinha candidatos ao Senado e, por isso, não tinha interesse em mim. Assim procurei pelo PT¿, revela. (MCP)

Caso Celso Daniel

Mortes sob suspeita Dionísio Aquino Severo, um dos sequestradores: morto dentro prisão, em 2002. Para os promotores, ele teria informações sobre o suposto autor intelectual do crime. Sérgio ¿Orelha¿: forneceu abrigo para Dionísio Aquino Severo em sua casa. Foi morto a tiros em 2002. Otávio Mercier: investigador da Polícia Civil. Morreu depois que sua casa foi invadida, supostamente em razão de um assalto. Ele conversou com Dionísio Severo dias antes de este morrer na cadeia. Antonio Palácio de Oliveira: garçom que serviu o prefeito na noite do crime e teria ouvido o ex-prefeito conversando com o amigo Sérgio Gomes. Ao fugir de uma perseguição, sua motocicleta bateu em um poste e teve morte imediata. Paulo Henrique Brito: Funcionário da Febem, a única testemunha da morte do garçom. Foi assassinado 20 dias depois de testemunhar o suposto acidente. Iran Moraes Redua: agente funerário que reconheceu o corpo do prefeito no local do crime. Assassinado com dois tiros. Ele informou, em depoimento, sobre as marcas de tortura Carlos Delmonte Printes: médico-legista que examinou Celso Daniel, encontrado morto na sua casa, na Vila Clementino, Zona Sul, em 11 de outubro de 2005. Ele havia apontado as marcas de tortura e contestado a versão de que o menor LSN havia assassinado Celso Daniel por contradições na reconstituição.

Desaparecido O menor LSN, que assumiu o crime e declarou posteriormente em informe interno ter sido obrigado a fazê-lo, foi dado como fugitivo da Febem do Tatuapé em 2004, apenas seis meses antes de cumprir sua internação. Sua ¿fuga¿ só foi divulgada após seis meses. LSN encontra-se desaparecido.

Estreia de salto alto

Para justificar um salto tão alto na carreira política, mesmo sem nunca ter tido uma militância anterior, Pinto Luna afirma que o Senado é o único lugar onde ele de fato pode ter voz ativa. ¿Se tivesse começado pelo cargo de deputado estadual ou federal, para os quais já estaria praticamente eleito, não poderia desenvolver o trabalho necessário em defesa do funcionalismo público. Ia acabar fazendo parte do baixo clero e esse não é meu objetivo.¿

Mas dar grandes saltos sempre foi a marca do delegado em sua vida profissional. Antes de assumir a Superintendência da PF em Alagoas, alçado pelo diretor-geral Luiz Fernando Correia, Pinto Luna não tinha ocupado outro cargo de confiança. Trabalhou na Delegacia de Repressão a Crimes Fazendários da Superintendência de São Paulo; na Interpol e nas Delegacias da PF de Sorocaba e São Sebastião (litoral norte de São Paulo). Antes de trabalhar na PF, onde entrou em 1997, Pinto Luna era delegado da Polícia Civil de São Paulo. Sua designação para a apuração do assassinato do prefeito Celso Daniel também levou em consideração a experiência que trouxe da corporação paulista onde trabalhou no Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa e também na Divisão de Prevenção e Repressão aos Crimes contra o Patrimônio (Deic).

O delegado sempre foi considerado um dos poucos especialistas da Polícia Federal em homicídios, crime pouco apurado pelos federais em razão da restrita competência. Além dos casos de Celso Daniel e do folclórico episódio dos dólares na cueca, Pinto Luna atuou na busca pelo ex-juiz do Trabalho, Nicolau dos Santos Neto, o Lalau, suspeito de desviar recursos do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) de São Paulo, e ainda participou da missão especial no Espírito Santo para combater o crime organizado local e os praticados pelo presidente da Assembleia Legislativa do estado, José Carlos Gratz. (MCP)

Se tivesse começado pelo cargo de deputado estadual ou federal, para os quais estaria praticamente eleito, (...) ia acabar fazendo parte do baixo clero e esse não é o meu objetivo¿

José Pinto Luna, delegado federal e pré-candidato ao Senado pelo PT