Título: Retidos em Madri
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Fonte: Correio Braziliense, 24/12/2009, Mundo, p. 16

Falência de companhia aérea local atrapalha volta para casa de 1,5 mil brasileiros. Total de atingidos passa de 7 mil

Centenas de passageiros, em sua maioria latino-americanos, aguardam há mais de 24 horas no Aeroporto Internacional de Barajas, em Madri, uma solução para viajar depois que a companhia aérea espanhola Air Comet decretou falência e foi proibida de voar. O governo da Espanha calcula que o número de afetados seja de 7 mil, mas as agências de viagens elevam o número para 70 mil, de acordo com o jornal El País. Entre eles, estariam 1,5 mil brasileiros(1), segundo estimativa da Federação Espanhola de Associações de Agências de Viagens, que contabiliza a emissão de passagens. Na noite de ontem (hora local), saíram os primeiros voos fretados pelo Ministério de Fomento espanhol, com destino a Buenos Aires, Lima e Bogotá. A expectativa é conseguir embarcar cerca de 6,3 mil passageiros até o sábado ¿ a ¿ajuda humanitária¿ custará ao governo cerca de 6,3 milhões de euros.

Segundo o Correio apurou, terão prioridade os passageiros que tinham voos marcados entre 22 e 26 de dezembro. Eles devem entrar em contato com o Ministério do Fomento para serem ¿encaixado¿ nos aviões fretados pelo governo e em voos regulares de companhias como a Iberia. As pessoas com passagens marcadas para depois desta data podem tentar entrar em uma ¿fila de espera¿ para remarcar o dia da partida e, assim, conseguir uma vaga nos voos oferecidos pelo Executivo. O governo orienta esses passageiros a brigarem junto à companhia aérea, já que se trata de uma questão comercial. ¿São contratos privados entre particulares nos quais não podemos entrar, porque não é um caso de emergência e, além do mais, não somos uma agência de viagens¿, afirmou a secretária de Transporte, Concepcion Gutiérrez.

A Air Comet tem voos para 14 países e a demanda, nessa época do ano, é principalmente de imigrantes latinoamericanos que vivem na Espanha. Muitos deles não poderão estar com suas famílias no Natal, já que a normalização dos serviços não está prevista. O governo espanhol corre contra o tempo para embarcar os passageiros em voos fretados e em outras companhias aéreas, mas não garante atendimento a todos. ¿É um desastre. Os imigrantes pagaram suas passagens com a ilusão de estar com seus familiares; as agências assumiram os custos e se responsabilizaram por estes passageiros¿, afirmou Rafael Gallego, presidente da Federação Espanhola de Agência de Viagens (FEEAV), à emissora britânica BBC Brasil.

Tentativa

O plano de emergência criado pelo Ministério do Fomento da Espanha funcionará entre 23 e 26 de dezembro. Serão 3,5 mil vagas em quatro aviões para Buenos Aires, Bogotá, Quito e Guayaquil (Equador), destino da maior parte dos passageiros. Outros 3 mil serão encaixados em voos regulares da Ibéria para destinos ainda não anunciados. O governo afirmou que está investindo 6,3 milhões de euros (cerca de R$ 16 milhões) para resolver a situação e acredita ser possível embarcar 90% dos passageiros da Air Comet até sábado.

Na tentativa de recolocar os passageiros, o governo espanhol havia fretado, até ontem, quatro voos: dois na noite de ontem, com destino a Buenos Aires e Lima; um na madrugada de hoje, rumo a Bogotá; e o último até Quito, previsto para amanhã cedo. A situação no Aeroporto de Barajas é caótica, com informações desencontradas e passageiros revoltados, que chegaram a bloquear o terminal 1 do aeroporto. O jornal espanhol El País reporta que cerca de 70 passageiros começaram uma greve de fome para exigir uma resolução satisfatória.

O Ministério do Fomento informou que a Air Comet contraiu uma dívida que supera o equivalente a R$ 100 milhões, incluindo os salários atrasados de 640 funcionários, que não recebem há seis meses. O governo justificou a suspensão da licença porque a companhia não tinha dinheiro para pagar sequer o combustível das aeronaves. Segundo o El País, Geraldo Díaz Ferrán, um dos donos da Air Comet, culpou a crise econômica, a falta de crédito e o embargo dos aviões pela Justiça britânica. O grupo Marsans, ao qual a companhia pertence, era proprietário da Aerolíneas Argentinas ¿ companhia estatizada pela Argentina. Ferrán acusa o governo da presidente Cristina Kirchner de dever US$ 200 milhões pelo processo de estatização.

1 - Sem informações O Ministério das Relações Exteriores (MRE) informou ter enviado um comunicado à Embaixada do Brasil em Madri solicitando detalhes sobre a situação, sobretudo se há brasileiros necessitando de auxílio. Até o fechamento da edição, o Itamaraty não havia recebido retorno. Não havia confirmação sobre o número de brasileiros prejudicados pelo cancelamento dos voos da Air Comet. O Correio entrou em contato com a embaixada brasileira no início da noite, porém, em virtude do fuso horário (quatro horas a mais na Espanha), não havia quem pudesse dar quaisquer informações sobre o episódio.

É um desastre. Os imigrantes pagaram suas passagens com a ilusão de estar com seus familiares

Rafael Gallego, presidente da Federação Espanhola das Agências de Viagens

São contratos privados entre particulares nos quais não podemos entrar, porque não é um caso de emergência

Concepcion Gutiérrez, secretária de Estado de Transportes da Espanha

Dívidas de US$ 85 mi

Ricardo Allan

A Air Comet já enfrentava sérios problemas financeiros desde o ano passado. As dificuldades começaram com a alta dos preços do petróleo e se agravaram com a redução do fluxo de passageiros provocada pela crise internacional. Os sindicatos de funcionários também acusam o grupo Marsans, proprietário da companhia aérea, de má gestão. A pá de cal nas operações veio com uma decisão de um tribunal de Londres, que mandou arrestar aviões no Reino Unido para o pagamento de uma dívida com o banco alemão Nord Bank, no valor de US$ 25 milhões. A instituição financeira havia financiado o leasing de aeronaves.

A companhia admitiu ao governo espanhol que não tinha mais dinheiro para comprar combustível ou arcar com os outros custos para pôr seus 13 aviões no ar. Por isso, o Ministério do Desenvolvimento espanhol não teve outra opção a não ser cassar a licença de operações, como havia feito três anos atrás com a Air Madrid. Contra a Air Comet, existem vários pedidos de falência na justiça espanhola. As dívidas com o leasing de aeronaves, taxas aeroportuárias, querosene, Previdência Social e os empregados chegam a US$ 60 milhões. Os 640 funcionários não recebem salários há seis meses. Diversas mensagens corriam pelas páginas mantidas por turistas na internet alertando as pessoas para que evitassem comprar passagens da empresa, pois o risco de não embarcar era alto.

Em novembro, um avião da companhia com destino a Buenos Aires foi impedido de sobrevoar o território brasileiro por causa da falta de pagamento de taxas da Infraero, mas recuperou a licença posteriormente. O governo espanhol tentou negociar com o banco alemão uma moratória da dívida pelo menos até 12 de janeiro, o que possibilitaria o fim das operações de forma ordenada, depois do período de Natal e ano-novo. Segundo a imprensa espanhola, o acordo foi fechado sob a condição de a empresa parar de vender bilhetes, o que não ocorreu. Ontem mesmo, passagens continuavam sendo vendidas nos guichês e na internet.

Numa entrevista coletiva ontem, o presidente da Air Comet, Gerardo Díaz Ferrán, garantiu que a companhia era bem gerida e repartiu a responsabilidade por seu fechamento entre as autoridades espanholas, argentinas e os bancos. Dizendo-se ¿surpreendido¿ pela decisão judicial ¿desproporcional¿, admitiu que o caso era grave. ¿Se tivesse visto essa situação de fora, não escolheria a Air Comet para voar para lugar nenhum¿, confessou. Segundo Ferrán, a empresa estava tentando negociar, de todas as formas, um novo prazo para o pagamento da dívida com o Nord Bank.

¿Passamos o último ano batendo em diversas portas para obter crédito nos bancos, mas não conseguimos em nenhum¿, lamentou. Ferrán deu como prova da viabilidade da companhia o interresse do grupo holandês Air Transport em comprá-la por US$ 130 milhões. A Air Comet era de porte médio e teve sua maior exposição pública quando comprou 92% do capital da Aerolineas Argentinas e chegou a encomendar quatro aeronaves A380, o maior avião de passageiros do mundo - posteriormente, o governo argentino estatizou a empresa aérea do país. Seu principal público eram os imigrantes de países latino-americanos, mas também voava para alguns destinos europeus, como Londres, Paris e Bucareste.