Título: Para ser esquecido
Autor: Brito, Ricardo
Fonte: Correio Braziliense, 25/12/2009, Política, p. 2

Em 2009, Senado tomou da Câmara o protagonismo em casos de irregularidade. Crise deixou servidores e parlamentares em pé de guerra e ainda não foi solucionada

No auge da crise, Suplicy deu um cartão vermelho a Sarney a fim de pressioná-lo a renunciar à presidência

No encerramento dos trabalhos legislativos de 2009, o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), comemorou os ¿números extremamente positivos¿ da Casa. Afinal, foram votados 70% a mais de matérias do que ano passado. ¿Terminamos com a sensação do dever cumprido. Superamos uma extensa pauta que se destacou pelo volume e a qualidade dos assuntos tratados¿, afirmou Sarney na última quinta-feira. O discurso otimista do peemedebista, contudo, passa ao largo da sucessão de denúncias que envolveu servidores, senadores e o próprio Sarney ao longo do ano. Um turbilhão que acabou com o clima de cordialidade reinante nas relações pessoais do Senado. E que no próximo ano, com eleições à vista e fraturas não curadas, promete manter a temperatura política elevada.

Em matéria de escândalo, o Senado ganhou fácil em 2009 da Câmara, a irmã do Congresso protagonista nos últimos anos de casos de irregularidades dos mais variados tipos, do mensalão e dos sanguessugas à farra das passagens aéreas. De crise em crise, o Senado montou um cardápio variado: a queda de poderosos diretores, a descoberta de atos secretos, a cobrança pela saída do presidente da Casa e, por fim, o adiamento para o próximo ano da implementação da reforma administrativa (veja quadro), apresentada como solução moralizadora para os males descobertos.

O auge da beligerância ocorreu em 6 de agosto, na esteira das denúncias que emparedavam José Sarney, alvo de 11 pedidos de investigação apoiados pela oposição e parte dos senadores da base aliada, como o senador Eduardo Suplicy (PT-SP). Na tentativa de dissuadir os tucanos a cobrarem a cassação do presidente do Senado, o líder do PMDB na Casa, Renan Calheiros (AL), anunciou em plenário que o partido dele ia pedir a cassação do mandato do líder do PSDB Arthur Virgílio (AM). Um servidor do gabinete do tucano passou 13 meses na Espanha com salários pagos pela Casa.

Assim que Renan deixou a tribuna, o senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) irritou-se com a atitude do líder do PMDB. Os dois começaram a bater boca. A certa altura, fora dos microfones, Renan chamou Tasso de ¿coronel de merda¿. Houve troca de agressões. Insinuação de corrupção de lado a lado. Após intervenção de senadores, os ânimos se arrefeceram. Ao final, Sarney e Virgílio não foram punidos, mas a relação entre os parlamentares ¿ historicamente marcada pela amizade inclusive entre adversários políticos ¿ nunca mais foi a mesma.

Para o senador Inácio Arruda (PCdoB-CE), em 2010, ano eleitoral, os ânimos continuarão exaltados na Casa. ¿Será um ano bastante litigioso porque há mágoas que não foram curadas e a disputa pelo poder do país estará em jogo¿, considera.

Filmes e dossiês Senadores da base aliada afirmam que, apesar dos números positivos das votações, as sucessivas crises repercutiram negativamente na agenda de votações. Discussões como as reformas tributária e política não tiveram espaço na pauta, recheada de denúncias. ¿Nada disso conseguiria avançar porque não havia ambiente¿, diz Arruda. A convivência deteriorada também contaminou as relações entre funcionários. A desconfiança foi tamanha que houve servidores filmando colegas atrás de denúncias ou de olho em chantagens.

Funcionários e senadores foram alvos de dossiês. No caso dos servidores, estava em jogo a briga para ocupar cargos de chefia no espólio da queda dos ex-diretores Agaciel Maia (Diretor-Geral) e João Carlos Zoghbi (Recursos Humanos), apontados como responsáveis por manter uma rede de poder no Senado distribuindo funções comissionadas para os servidores. Chamou a atenção, por exemplo, a pesada ofensiva dos ¿agaciboys¿ contra o dito exército moralizador dos consultores técnicos.

O problema é que, como não foi aprovado um novo plano salarial para os efetivos este ano, as fissuras entre funcionários ficam expostas. Ao adiar a reforma administrativa, que enxugaria a máquina, Sarney também adiou a solução dessa questão. O principal remédio para compensar a defasagem salarial dos servidores ¿ o pagamento de horas extras ¿ continua sendo usado indiscriminadamente. ¿A crise ética atrapalhou, sim, todas as atividades do Senado¿, avalia o senador Álvaro Dias (PSDB-PR).

Senado passado a limpo

Queda de servidores, denúncias contra senadores, reforma administrativa. Veja um balanço das atividades do Senado este ano, quando a crise política fez parte da agenda dos trabalhos durante praticamente o ano inteiro.

Reforma administrativa Em 18 de março, o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), assinou convênio com a Fundação Getúlio Vargas (FGV) para fazer a reestruturação administrativa, na esteira das revelações de que havia 181 diretorias na Casa. A previsão inicial era de que a reforma ficaria pronta em setembro.

¿Vamos reduzir muito o número de diretores e comissões dentro do Senado. O que for sério e essencial fica¿ Sarney, quando da assinatura do convênio com a FGV

Após sucessivos atrasos, a Mesa Diretora do Senado aprovou na quinta-feira passada o texto-base da reforma administrativa. Sarney pretendia aprová-lo até o fim de 2009, mas a discussão ficou para o próximo ano ¿ a matéria foi distribuída à Comissão de Constituição e Justiça. Entre outras medidas, a proposta reduz em 40% a estrutura da Casa, cortando cargos e funções comissionadas.

¿Cumprimos com nosso dever. Terminamos o ano e entregamos a reforma pronta do Senado¿ Sarney, em 17 de dezembro, dia da aprovação do texto-base.

Aumento salarial Os servidores do Senado, capitaneados pelo sindicato da categoria (Sindilegis), tentaram aprovar um plano de cargos e salários ao mesmo tempo em que se discutia a reforma administrativa da Casa. Como o Correio revelou em setembro, os funcionários do quadro pretendiam garantir a manutenção das atuais funções comissionadas pagas a mais de 3 mil efetivos, além de distribuir 700 novas gratificações para estimulá-los a assumir cargos de chefia.

O projeto de aumento ou recomposição salarial não prosperou. O presidente José Sarney (PMDB-AP), contudo, sempre foi contrário ao debate conjunto da reforma administrativa com o plano de cargos e salários. Sob protestos dos servidores, o reajuste ficou para 2010.

Horas extras Numa reação à descoberta de que o Senado pagou R$ 6,2 milhões em horas extras em janeiro, durante o recesso parlamentar, o presidente da Casa, José Sarney (PMDB-AP), anunciou, em 12 de março, a ¿imediata¿ instalação do ponto eletrônico. O primeiro-secretário, Heráclito Fortes (DEM-PI), anunciou sua criação em três meses. A medida é apontada como uma das promessas para conter os milionários gastos com o pagamento de horas extras, que não tinham um controle mais rígido do Senado. Desde 2003, a Casa já gastou mais de meio bilhão de reais com o bônus salarial.

¿Essa é uma decisão da Primeira-Secretaria com a qual estou inteiramente de acordo. Acho que vamos instalar imediatamente o ponto eletrônico¿ Sarney, quando anunciou a mudança no sistema.

Depois de o Correio revelar em outubro que o projeto de instalação do ponto eletrônico estava parado na burocracia, o Senado anunciou que o instituirá ¿ com a eventual adoção do registro biométrico ¿ em março de 2010. A única mudança concreta tomada nessa questão foi criar em maio passado o registro eletrônico das horas extras na rede interna do Senado. Agora, para receber o bônus, o servidor tem de marcar sua saída a tempo de perceber a hora extra de um determinado dia. Mas a medida não surtiu o efeito esperado. Segundo a Secretaria de Comunicação informou em outubro, a Casa esperava economizar R$ 13 milhões em relação ao gasto com o adicional pago em 2008, de R$ 83,9 milhões. Sem contar o bônus do recesso de janeiro e o de dezembro (ainda não pago), o Senado já gastou em 2009 R$ 80 milhões com o bônus.

Atos secretos

Denúncias da imprensa revelaram, em junho, a existência de mais de 600 atos secretos que nomearam parentes, amigos de senadores, além de criar benesses salariais para servidores. Familiares do presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), estavam entre os beneficiários das decisões não publicadas nos boletins administrativos ou Diários Oficiais da Casa ¿ a maioria deles foi inserida na rede interna do Senado em maio, mas com data retroativa. Sarney foi à tribuna em 16 de junho para dizer que desconhecia a existência dos atos sigilosos e ressaltar que eram decisões de administrações passadas a dele.

¿Eu só conheço um ato secreto durante o tempo do presidente Médici, que declarou haver decreto secreto. Eu não sei o que é ato secreto¿ Sarney, da tribuna do Senado

Depois da descoberta, ao menos três comissões foram criadas pelo Senado para apurar o caso. A primeira delas encontrou 663 atos secretos editados entre 1995 e junho deste ano, distribuídos em 312 boletins suplementares. O relatório sustenta que, além da omissão por ¿falha humana¿, pode ter havido intenção de manter os documentos sob sigilo. Mas todos os trabalhos isentaram os senadores integrantes de Mesas Diretoras de responsabilidade no episódio. A última das comissões indiciou este mês o ex-diretor-geral Agaciel Maia, o ex-diretor de Recursos Humanos João Carlos Zoghbi e mais cinco servidores pelos atos secretos. Eles terão até o início de 2010 para se defenderem das acusações, passíveis de demissão do serviço público ¿ Zoghbi, aliás, já foi demitido por causa do envolvimento no suposto esquema de operações de crédito consignado dentro do Senado.

Sarney no centro da crise

O presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), foi alvo de 11 pedidos de investigação no Conselho de Ética por quebra de decoro parlamentar. Num deles, Sarney foi acusado de participação na edição dos atos secretos e de ter desviado recursos públicos de uma fundação que leva o seu nome. Senadores da oposição e da base aliada pediram o afastamento e até a renúncia de Sarney do cargo.

Em agosto, o presidente do Conselho de Ética e aliado de Sarney, Paulo Duque (PMDB-RJ), arquivou todos os pedidos de apuração contra Sarney. Duque justificou a decisão alegando que as denúncias são todas ¿notícias de jornal¿. ¿Todas as informações contidas na representação são notícias de jornal¿, dizia o despacho de cada um dos pedidos de investigação. ¿A representação, em nenhum momento, traça relação lógica entre os fatos que narra e a eventual responsabilidade do representado por eles¿.

Queda de servidores da cúpula

A crise por que passou o Senado abateu em cheio a cúpula administrativa da Casa em 2009. Em março, o então diretor-geral, Agaciel Maia, deixou o cargo que ocupava havia 14 anos após a revelação de que ocultou a propriedade de uma mansão avaliada em R$ 5 milhões. Ainda no mesmo mês, foi a vez de o chefe de Recursos Humanos, João Carlos Zoghbi, sair do posto depois que o Correio revelou que o diretor cedia um apartamento funcional para parentes. Ele estava no cargo há 15 anos.

Desde então, já houve danças das cadeiras para os dois cargos. Primeiro, o ex-diretor-geral Agaciel Maia foi substituído por Alexandre Gazineo, que saiu do posto em junho depois que a assinatura dele apareceu vinculada a atos secretos. O atual diretor-geral é Haroldo Tajra. Na Secretaria de Recursos Humanos, João Carlos Zoghbi cedeu o posto para Ralph Siqueira, que saiu na esteira de novas revelações de atos secretos. O cargo agora é ocupado por Doris Marize Romariz Peixoto.

Economia de gastos

Com um orçamento de R$ 2,7 bilhões, o Senado gasta cerca de R$ 2,3 bilhões com sua folha de pagamento ¿ um gasto corrente que é impossível cortar. A solução encontrada pela Primeira-Secretaria da Casa foi tentar reduzir os custos em 34 contratos de terceirização de mão de obra, suspeitos de estarem superfaturados.

Em outubro, o atual diretor-geral do Senado, Haroldo Tajra, afirmou que a instituição economizará no fim do ano R$ 110 milhões com a revisão desses contratos mais os cortes de custos com gráfica e telefonia.

Votações

Em 2009, o Senado votou, apesar da crise política, 2.168 matérias ¿ 72% a mais do que as 1.258 propostas aprovadas ano passado. Ao todo, 404 projetos de lei foram aprovados, sendo que 130 pelo Plenário. Um dos temas que mais consumiram as energias dos senadores foi a discussão sobre a entrada da Venezuela no Mercosul.

A Casa aprovou em dezembro a adesão da Venezuela ao bloco econômico. Entre outras matérias de destaque, estão a nova Lei do Inquilinato, o Vale-Cultura, a PEC dos Vereadores (que aumenta em 7 mil as vagas nas câmaras municipais), a tipificação do crime de sequestro relâmpago e a votação do limite de 2,5% de aumento real para gastos com a folha de pagamento dos servidores da União.