Título: Interesses paroquiais em jogo
Autor: Vaz, Lúcio
Fonte: Correio Braziliense, 25/12/2009, Política, p. 5

Relator negociou emendas para bases eleitorais de aliados e de oposicionistas em troca da votação da lei orçamentária

O grande acordo que permitiu a aprovação do Orçamento da União para 2010 ainda neste ano envolveu muita pressão, alguma chantagem, cooptação e o atendimento de interesses paroquiais, segundo relato de parlamentares do governo e da oposição. Os líderes do DEM e do PSDB se disseram surpresos com os acertos feitos por seus representantes na Comissão Mista de Orçamento. Reservadamente, afirmam que os negociadores aceitaram a apresentação de mais de duas mil emendas do relator-geral, Geraldo Magela (PT-DF), em troca de recursos para o atendimento de suas bases eleitorais. Foram atendidos também na destinação de grandes somas para setores específicos, como saúde e agricultura.

Um dos negociadores da oposição da Comissão Mista de Orçamento confirmou que houve esse tipo de negociação. ¿O relator é um homem inteligente. Ele chamou um a um os representantes dos partidos e negociou. Ele perguntava: `O que você precisa?¿. Eu disse: `Preciso de uma verba para atender à região metropolitana da minha capital, onde eu atuo. Mais uma verba para a bancada do meu estado, mas isso e mais aquilo para o partido¿. Ele fez isso com cada partido. E todo mundo foi atendido.¿

Quando perceberam que o acordão estava fechado, no início da noite de terça-feira, o presidente nacional do PSDB, senador Sérgio Guerra (PE); os líderes do DEM e do PSDB no Senado, José Agripino Maia (RN) e Arthur Virgílio (AM); o líder do DEM na Câmara, Ronaldo Caiado (GO), e o deputado José Carlos Aleluia (DEM-BA) foram ao plenário do Congresso e ameaçaram pedir verificação de quorum. Sem número suficiente de deputados e senadores, a sessão cairia e o Orçamento só poderia ser votado no fim de fevereiro. Os cardeais da oposição queriam o cancelamento das emendas de relator, que seriam inconstitucionais, e uma margem menor de remanejamento nos recursos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), algo em torno de R$ 30 bilhões.

O relator-geral foi à tribuna e, aparentemente, capitulou: ¿Se quiserem, eu anulo todas as emendas. Estou disposto a encontrar qualquer solução que seja consensual¿. Guerra pegou o microfone de apartes e reforçou as críticas do grupo: ¿O grande defeito da comissão foi o excesso de poder do relator, ilegitimamente aprovado. Isso é uma porta para a irregularidade¿. Relator e representantes do governo e da oposição deixaram o plenário para procurar um acordo de última hora, enquanto alguns parlamentares se revezavam na tribuna, alguns um excessivamente agressivos.

Chantagem O deputado Eduardo Valverde (PT-RO) fez acusações graves à oposição: ¿Será que não existem interesses outros? Será que, a esta hora, neste último dia, não estariam aproveitando a brecha para negociar algo mais, beirando a chantagem, para tirar uma vantagem a mais?¿ Virgílio protestou, em tom ameno: ¿Eu poderia ter usado expressões pesadas, falar da falta de transparência, de muita verba na mão do governo. Quero rechaçar essas palavras. Não é o caminho para se chegar ao consenso¿.

Em poucos minutos Magela voltou com a proposta salvadora. Reduziu a capacidade de remanejamento do PAC de 30% para 25%, e apenas dentro de cada obra. E anunciou o fim das suas emendas. Caiado lembrou que deveriam ser poupadas do corte as emendas de relator que previam recursos para o seguro da safra agrícola, para o aparelhamento de hospitais de alta complexidade e para garantir os repasses da Lei Kandir. No total, algo em torno de R$ 7,8 bilhões. Ou seja, as emendas do relator-geral seriam inconstitucionais. Mas, para atender aos acordos com a oposição, serviam. Foram cancelados cerca de R$ 800 milhões para projetos da Copa do Mundo de 2014. Pior para os governadores. Depois dos acertos, o Orçamento foi aprovado 30 minutos antes do prazo fatal.

Último repasse para exportação Laycer Tomaz/Agência Câmara Vírgílio e Agripino (centro) desfizeram o acerto dos seus negociadores, mas garantiram demandas da oposição

O relator-geral do Orçamento da União para 2010, deputado Geraldo Magela (PT-DF), avisou que os repasses da Lei Kandir serão eliminados a partir de 2011. ¿Este é ultimo ano de Lei Kandir¿, avisou o relator. Para o próximo ano, ele reservou R$ 3,9 bilhões a estados e municípios como compensação pela desoneração tributária das exportações. Com o fim do benefício, os estados mais prejudicados serão São Paulo e Minas, que perderão, respectivamente, R$ 1,2 bilhão e R$ 500 milhões. Paraná e Rio Grande do Sul deixarão de receber cerca de R$ 390 milhões.

Magela lembrou que essa compensação, prevista originalmente em 1996, já estaria extinta. Ano após ano, os recursos são incluídos no Orçamento da União mediante acordo firmado entre governo e oposição na Comissão Mista de Orçamento. Os governadores pressionam as suas bancadas, que ameaçam não votar a proposta orçamentária no ano fiscal se os recursos não forem liberados. Essa foi uma das barganhas utilizadas pela oposição neste ano. O projeto enviado pelo Executivo ao Congresso não previa esses recursos. O relator-geral teve de usar quase a metade das suas reservas para reconstituir o repasse.

A liberação de recursos já foi maior. Em 1998, foram distribuídos R$ 2,2 bilhões, o que equivale a R$ 6 bilhões hoje (corrigidos pelo índice IGP-DI). Em 2005, os repasses chegaram a R$ 5,2 bilhões (ou R$ 6,2 bilhões em valores corrigidos). Depois disso, os governadores perderam força e tiveram perdas sucessivas. O valor entregue pela União em 2007 chegou a R$ 3 bilhões em valores atualizados.

Magela reconheceu que seria muito difícil suspender o benefício ¿sem avisar¿, porque os governadores precisam de tempo para recompor o Orçamento. São Paulo, apesar de receber mais recursos, é o que tem maior arrecadação própria. Assim, tem mais facilidade para compensar o corte. Para o Rio Grande do Sul, os R$ 390 milhões pesam bem mais. O governo considera que os estados tiveram tempo de compensar a perda do repasse com a geração de empregos e o incremento da economia.

Nada impede, porém, que uma nova negociação seja reaberta em 2010, durante as articulações para a aprovação do Orçamento de 2011. Mas essa pressão só acontece porque a Comissão Mista sempre atrasa os trabalhos e deixa a votação para a última hora. Neste ano, o projeto de lei orçamentária foi aprovado meia hora antes do prazo final. (LV)

A partilha da verba

A oposição garantiu recursos para a agricultura, saúde e governos estaduais, enquanto o governo ampliou os recursos destinados ao Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e aumentou os valores do salário mínimo e dos benefícios da Previdência.

Os números gerais Valor total: R$ 1,856 trilhão Rolagem da dívida: R$ 596 bilhões Orçamento efetivo: R$ 1,260 trilhão

Principais despesas Pessoal: R$ 183 bilhões Juros e encargos da dívida: R$ 110 bilhões Amortização da dívida: R$ 757 bilhões Investimentos: R$ 57,5 bilhões Investimentos das estatais: R$ 94,4 bilhões

Concessões à oposição Repasses da Lei Kandir: R$ 3,9 bilhões Agricultura (preços mínimos): R$ 1,7 bilhão Saúde (hospitais): R$ 2,2 bilhões

Caixa de bondades Salário mínimo*: R$ 874 milhões Aumento real de aposentadorias: R$ 3,5 bilhões Aumento dos recursos do PAC: R$ 6,5 bilhões

(*) Valor necessário para elevar o valor do mínimo de R$ 505,9 para R$ 510