Título: Alimentos ficarão mais caros a médio prazo
Autor: Martins, Victor; Bancillon, Deco
Fonte: Correio Braziliense, 25/12/2009, Economia, p. 9

Economia mundial começa a dar sinais de recuperação e analistas da área agrícola acreditam que preços subirão de forma mais consistente a partir de 2013, com alta de 20% em cinco anos

O agricultor Derci Cenci sentiu no bolso a queda no preço do milho. O valor caiu pela metade e o lucro foi embora

A retomada da expansão da economia global e o aumento do consumo farão com que, a partir de 2013 a população mundial volte a pagar mais caro para se alimentar. Segundo analistas do agronegócio, na comparação com preços atuais, as cotações dos principais itens da agropecuária devem subir até 20% até 2018, influenciadas, principalmente, pelo retorno do poder de compra das pessoas em vários países.

É por isso que, enquanto os agricultores pedem socorro ao governo para conter a queda na rentabilidade provocada pela desvalorização das cotações, analistas avaliam que o próprio mercado resolverá esse problema no longo prazo. A saca de 60kg do milho, por exemplo, cotada a R$ 21,52 (preço médio em 12 meses) era vendida por R$ 25,55 em 2008. A arroba do boi, que era arrematada no ano passado por R$ 84,34, este ano vem sendo negociada a R$ 80,34 (preço médio em 12 meses). Levantamento feito pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento a pedido do Correio mostra que o consumo mundial de grãos aumentará em 21,8 milhões de toneladas para o arroz, em 6,7 milhões de toneladas para a soja e em 27,3 milhões de toneladas para trigo, a contar do fim da safra 2009/2010.

Os primeiros sinais de retomada de preços altos começam a aparecer, principalmente na comparação entre estoques e aumento da demanda. De acordo com o levantamento do Ministério da Agricultura, o consumo global está entre 70% e 80% maior que os estoques atuais de grãos, desequilíbrio que abre espaço para a alta de preços. ¿No caso do trigo, o estoque representa 29% do consumo. No milho, a relação entre estoque e consumo está abaixo dos 20%. É uma situação de pouca segurança alimentar¿, avalia o coordenador de Planejamento Estratégico do Ministério da Agricultura, José Garcia Gasques. ¿Quando o mundo se recuperar de maneira mais firme, os estoques podem não ser suficientes para garantir bons preços aos consumidores¿, ressaltou.

Os homens do campo torcem para que essas previsões se concretizem, pois perdem dinheiro quando há excesso de oferta. É o caso do agricultor Derci Cenci, que sentiu no bolso a queda na procura por alimentos e o tombo do dólar frente ao real. E, dia a dia, viu seus lucros descerem pelo ralo. ¿Há pouco mais de um ano eu vendia a saca de milho a R$ 30. Hoje, não vale mais que R$ 15¿ (preço médio de meio de ano), contabiliza. Na cooperativa da qual Derci faz parte, na área rural do Distrito Federal, a queixa é a mesma para os produtores de feijão, trigo e soja.

O ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes, faz coro com os produtores tanto nas preocupações quanto na torcida pela recuperação de preços. Em audiência no Congresso Nacional, pediu mais atenção às políticas para o setor. ¿A agricultura enfrenta problemas sérios, como preços abaixo do mercado para vários produtos. Por isso, deveríamos discutir mais políticas para socorrer os produtores¿, alertou.

Preço não volta ao teto Kleber Lima/CB/D.A Press - 18/4/06 Malinsk, agrônomo: recuperação dos preços agrícolas não significará mais lucros para o homem do campo

A despeito de uma perspectiva de valorização dos produtos agrícolas (movimento iniciado pelo excesso de dinheiro no mercado mundial por causa dos juros baixíssimos nos países em crise), analistas afirmam que os preços não chegarão aos níveis verificados entre 2006 e 2008 ¿ período em que a Organização das Nações Unidas (ONU) classificou como de Crise Alimentar. Os valores dos produtos agrícolas ficaram muito acima da média histórica. O agricultor Derci Cenci concorda com as avaliações de melhora nos preços e aposta que a fase de baixa é passageira. Em até três anos, ele e a cooperativa da qual faz parte esperam ver a recuperação. ¿Por enquanto, não vamos diminuir a área plantada, mas pode ser que o pessoal não use sementes e insumos tão bons como os do ano passado. Isso reduzirá um pouco a produção por hectare¿, adverte. Segundo ele, se os produtores conseguissem se unir para reduzir o volume da safra e restringir a oferta, seria possível ver aumento de preços mais rápidos.

A estratégia do agricultor de restringir a oferta para forçar a valorização das cotações é válida, apesar de ir contra a proposta do presidente Lula de aumentar os índices de produtividade da terra. A recuperação de preços está ligada diretamente a uma leve redução das safras e ao aumento do consumo. A safra 2008/2009, por exemplo, ficou 8,6% menor que a de 2007/2008. Ainda assim, a diminuição de área plantada não seja uma tendência para o setor, como avalia o analista de mercado da Scot Consultoria, Alcides Torres. ¿Para forçar uma subida de preços baseada em produção menor seria necessário combinar com o restante do mundo¿, afirma. ¿Não chegaremos aos picos de dois anos atrás, mas os preços vão melhorar gradualmente¿, destaca Torres.

A teoria corrente no setor agropecuário é de que o próprio mercado vai recuperar os preços sem necessidade de intervenções governamentais. ¿A inflação em baixa e os preços em queda são fatores determinantes para a retomada do consumo. Com a comida a um custo menor, as pessoas vão comprar mais e a economia vai se aquecer¿, avalia o superintendente técnico da Confederação Nacional da Agricultura (CNA), Moisés Pinto Gomes. ¿Se há um aumento de demanda, é natural que haja aumento de preços¿, completou.

Um movimento consistente de preços ¿vai depender da recuperação da economia mundial, que é bem mais lenta que a brasileira. O país deve chegar ao fim do ano no mesmo nível de atividade que vinha em setembro do ano passado. E o resto do mundo deve demorar mais uns 12 meses para chegar aos níveis que tinha antes¿, afirma Pedro Barros, pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

Alerta Para o Ministério da Agricultura, a tendência é de aumento dos preços a longo prazo. ¿Se olharmos o consumo interno, veremos que está em alta. O consumo de commodities também segue essa trajetória. Em contraponto, os estoques ainda estão baixos¿, relata o coordenador de Planejamento Estratégico, José Garcia Gasques, que faz um alerta: ¿Apesar de os preços terem caído em comparação aos últimos três anos, ainda estão acima dos registros históricos¿. Caso a tendência de alta se confirme, o aumento no custo dos alimentos virá de um patamar bastante elevado.

Na relação entre estoques e consumo, o armazenamento mundial avançou em menor ritmo do que a procura por alimentos, à exceção do trigo. ¿Não acredito que tenhamos uma situação de restrição alimentar, mas estamos em recuperação de estoques¿, acrescenta Gomes,da CNA. ¿Se o mundo tivesse uma recuperação repentina, os estoques poderiam não ser suficientes para uma alta demanda e os preços poderiam subir rápido¿, avalia Gasques. Segundo o agrônomo Cláudio Malinsk, a recuperação dos preços agrícolas não significará mais lucros para o homem do campo. ¿Se vendermos o produto a um valor mais caro, os insumos também acompanharão essa alta e a margem de lucro permanecerá baixa. Ficará em um nível suficiente para o produtor não quebrar.¿ (DB)

E EU COM ISSO As projeções de alta nos preços de produtos agrícolas afetam diretamente os consumidores. Se o valor do arroz, do feijão e de outros alimentos sobe no campo, também ocorrem aumentos nas prateleiras dos supermercados. Os alimentos que devem ficar caros são justamente os que mais perderam preço nos últimos anos, como arroz e milho. Há poucos dias foram divulgados índices de inflação, como o IPCA-15 e o IPC-10, ambos com bons números porque os preços dos alimentos subiram pouco. Nada garante que isso contuará a médio prazo.