Título: Sinais de alerta na fronteira amazônica
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Fonte: Correio Braziliense, 26/12/2009, Mundo, p. 17

O Brasil começa o ano com bons motivos para observar com atenção o desenrolar dos acontecimentos no extremo noroeste do país, onde, por meio da densa floresta, passam os limites (muitas vezes invisíveis) com a Colômbia e a Venezuela. Os dois vizinhos andaram às turras nos últimos sete anos ¿ desde que o direitista Álvaro Uribe chegou ao poder em Bogotá com a promessa de aniquilar militarmente ¿os terroristas¿ das Farc, a quem Hugo Chávez critica pela opção das armas, mas considera como ¿revolucionários¿. Nos últimos meses, uma sucessão de incidentes e escaramuças provocou o congelamento das relações, por parte de Caracas. A resposta foi o estabelecimento de uma nova divisão nas Forças Militares colombianas, com 12 mil soldados e jurisdição na fronteira com a Venezuela e o Brasil.

A concentração de tropas, por si um ingrediente para preocupação no âmbito do Conselho de Defesa Sul-Americano, se soma a dois fatores que tendem a convergir em 2010. De um lado, a entrada em vigor do acordo pelo qual militares americanos terão acesso operacional a sete bases na Colômbia, uma delas justamente às portas da selva amazônica. De outro, as notícias insistentes sobre reativação da guerrilha das Farc ¿ por sinal, perseguir o segundo homem da guerrilha, o Mono Jojoy, foi o motivo alegado pelo governo para criar a nova divisão. Desde que assumiu, em 2003, o presidente Lula foi repetidas vezes facilitador do diálogo entre Chávez e Uribe. Novamente, será de interesse capital para a diplomacia brasileira evitar que uma escalada das desavenças entre os dois coloque por terra a difícil arquitetura do sistema sul-americano de defesa comum.

Missão adiada Nesse contexto, complicado pela campanha à eleição presidencial de maio, na Colômbia, soma-se o fato novo (e sintomático) do sequestro e morte de um governador de departamento pela guerrilha. Uribe, de olho no terceiro mandato, ordenou em resposta o resgate militar de todos os cativos das Farc. Agora, portanto, parece remota a chance de que os rebeldes libertem em futuro próximo dois dos 20 e tantos militares e policiais que mantêm em seu poder há mais de 10 anos. O Brasil, que deu infraestrutura para a libertação de outro grupo de reféns, em fevereiro, era candidato natural a repetir a dose e já mantinha contatos avançados com Bogotá e a Cruz Vermelha Internacional. Contatos entre a guerrilha e o grupo Colombianos pela Paz vinham desde abril, mas empacaram nas exigências de parte a parte.

Colômbia profunda É da Colômbia, aliás, que vem uma oportuna opção de leitura para o período de festas e férias: Eu, prisioneira das Farc, relato em primeira pessoa de uma das mais célebres reféns políticas da guerrilha. Clara Rojas, a autora, era assessora de Ingrid Betancourt na campanha presidencial de 2002 quando ambas foram capturadas, no dia seguinte ao fim do processo de paz entre as Farc e o governo de Andrés Pastrana. Passou seis anos cativa, teve um filho na selva e foi solta em um acordo humanitário mediado por Hugo Chávez. Do livro, o mais precioso talvez seja a janela que abre para uma outra perspectiva do país e do próprio conflito ¿ a das profundezas rurais que a sociedade urbana desconhece.

De trás do Muro Outro lançamento que vale pelo olhar exclusivo é Vidas novas, do alemão oriental Ingo Schulze, que tive a oportunidade de conhecer na leitura comentada promovida no início do mês pela Embaixada alemã. O livro tem sido considerado pela crítica a grande obra escrita sobre o vertiginoso processo que se desdobrou da queda do Muro de Berlim, em novembro de 1989, à reunificação da Alemanha, menos de um ano depois. O autor, na época com 27 anos, passeia pelos fatos mais marcantes do período por meio das cartas trocadas por uma espécie de alter ego com a irmã e um amigo de escola. Schulze lamenta hoje o que vê como oportunidade perdida para uma verdadeira reunificação, e confessa uma ponta de nostalgia não apenas pela extinta Alemanha Oriental: de seu ponto de vista, também a antiga Alemanha Ocidental deixou de existir, ambas tragadas por um mundo retratado na trajetória do protagonista, de dramaturgo e jornalista libertário a homem de negócios precocemente falido.