Título: Presente de ano-novo
Autor: Brito, Ricardo
Fonte: Correio Braziliense, 27/12/2009, Política, p. 2

Última versão da reforma administrativa da Casa prevê gratificações para um terço dos servidores efetivos, três vezes mais do que na proposta anterior. Impacto anual com o pagamento seria de R$ 22,6 milhões

Demostenes: ¿Não vamos deixar ninguém enfiar a mão para aumentar ou diminuir funções sem necessidade¿

Às vésperas do recesso parlamentar, a pressão dos servidores do Senado para manter benesses em 2010 deu certo. A última versão da reforma administrativa da Casa, apresentada na terça-feira passada, prevê a distribuição de funções comissionadas para um em cada três trabalhadores efetivos. O projeto de resolução, cuja votação foi adiada para o próximo ano por falta de acordo de líderes, cria 1.229 gratificações para os 3.450 funcionários do quadro. No texto anterior, divulgado no fim de outubro, eram apenas 436 funções.

Caso todas as gratificações da nova versão sejam concedidas, o impacto mensal na folha de pagamento seria de R$ 1,8 milhão. Por ano, chegaria a R$ 22,6 milhões. É um gasto R$ 14 milhões maior do que a previsão antiga, projetada para custar anualmente R$ 8 milhões. O valor das funções comissionadas variam de R$ 1,3 mil a R$ 2,4 mil. Pelo texto, estão previstos bônus para 10 ocupantes de cargos de direção, 610 de chefia e 609 de assessoramento.

Há anos sem plano salarial, o Senado se valeu da distribuição das funções comissionadas e do pagamento de horas extras ¿ outra benesse paga sem controle efetivo ¿ para garantir reajustes nos vencimentos dos trabalhadores do quadro. A prática de pagar as chamadas FCs ganhou notoriedade durante os 14 anos de reinado do ex-diretor-geral Agaciel Maia, que deixou o cargo em março passado sob a suspeita de ter ocultado ser dono de uma casa avaliada em R$ 5 milhões.

No mesmo mês da queda de Agaciel, o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), anunciou a contratação por R$ 250 mil da Fundação Getulio Vargas (FGV) para tocar a reforma administrativa da Casa. A iniciativa ocorreu na esteira das revelações de que o Senado tinha 181 diretorias, entre as quais a de ¿check-in¿ de aeroporto e a de ¿garagem¿, para os carros oficiais. A previsão inicial era de que a reforma ficaria pronta em setembro. Atrasou. Desde então, foram apresentadas três versões. A primeira, de maio, pretendia cortar 187 funções, de 622 para 435. Na segunda, ficaram 436 gratificações. A última, 1.229. O texto mais recente incorporou sugestões dos servidores e dos senadores.

Corpo a corpo A Secretaria de Comunicação Social do Senado foi a mais agraciada com as funções. Na versão de outubro, tinham apenas 46 gratificações para serem distribuídas. Os jornalistas, então, procuraram os senadores para conseguir mais. Chegaram a elaborar uma minuta a senadores que previa 119 funções. Garantiram, ao final, 101 gratificações. Segundo jornalistas que participaram das negociações, as funções são imprescindíveis para estimular os profissionais a ocupar cargos de maior responsabilidade, como os de editores e apresentadores. A proposta também manteve a reserva, que a FGV pretendia tirar, de que os chefes de gabinete dos senadores fossem obrigatoriamente servidores do quadro. A fundação queria permitir a funcionários comissionados ocuparem os postos. Ganharam assim outras 105 funções.

A Diretoria de Recursos Humanos informou que, na versão anterior, não foram contabilizadas as funções comissionadas dos gabinetes parlamentares. Segundo o projeto, são 520 funções de chefes de gabinete, assessor administrativo e assessor técnico. Ainda assim, 273 não foram computadas. Na justificativa, o projeto de resolução informa que a proposta, se aprovada pelos senadores, reduzirá em 40% as despesas com funções da administração e gabinetes parlamentares ¿ mas não informa quantas gratificações existem na Casa. Em entrevista coletiva, a diretora de RH, Doris Marize, afirmou que haverá cortes de funções de chefia, em vez de aumento. Ela espera que o gasto anual, com a reforma, chegue a R$ 526 mil.

Chute O projeto da reforma foi remetido para análise da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). O presidente da CCJ, senador Demostenes Torres (DEM-GO), não quis opinar sobre se o aumento do número de funções estaria dentro do razoável. ¿Eu estaria chutando.¿ Demostenes disse que, na volta do recesso, pretende convocar uma audiência pública com representantes dos servidores e da FGV para saber o motivo das ¿divergências de funções entre uma proposta e outra¿. ¿Não vamos deixar ninguém enfiar a mão para aumentar ou diminuir funções sem necessidade¿, garante.

O presidente da CCJ estuda nomear uma comissão de três senadores para relatar o projeto. O senador Eduardo Suplicy (PT-SP) já se dispôs a analisar a proposta. ¿Vou estudar a matéria a fundo¿, compromete-se Suplicy. Demostenes, contudo, ainda não decidiu se nomeará Suplicy um dos relatores.

José Sarney e a reforma

O que o presidente do Senado disse na apresentação das três versões da reestruturação administrativa

Não iremos fazer disso um espetáculo, mas é uma reforma de profundidade. Em poucos meses, reduziremos a 40% a estrutura atual¿ Maio

O processo está razoável. Uma reforma dessa complexidade não se pode fazer em 24 horas numa estrutura como a do Senado¿ Outubro

Cumprimos com nosso dever. Terminamos o ano e entregamos a reforma pronta do Senado¿ Dezembro