Título: Explosão de violência
Autor: Cabral, Gisela
Fonte: Correio Braziliense, 27/12/2009, Mundo, p. 18

Explosão de violência

Brasileiros são agredidos com facões e machados depois do assassinato de quilombola local. Ataque deixa 25 feridos

Armados com facões e pedaços de pau, um grupo estimado em centenas de surinameses quilombolas, os chamados ¿marrons¿, atacou, na noite da véspera de Natal, uma comunidade de imigrantes brasileiros em Albina, cidade a 150km da capital, Paramaribo. A agressão deixou pelo menos 25 brasileiros feridos ¿ sete deles com gravidade. Uma brasileira, grávida, foi atingida e perdeu o bebê. Relatos de testemunhas reproduzidos pelo embaixador do Brasil no Suriname, José Luiz Machado e Costa, sustentam que pelo menos 20 mulheres teriam sido estupradas. Até o fechamento desta edição, não havia mortes confirmadas ¿ embora surgissem informações desencontradas e extraoficiais sobre a existência de corpos.

Para tentar ajudar os atingidos, a Embaixada do Brasil no país montou um comitê de assistência emergencial em Paramaribo. Um grupo de 81 brasileiros teve que ser removido da cidade e levado, às pressas, para a capital, por receio de um massacre. A maior parte dos brasileiros é de imigrantes ilegais, que trabalham no garimpo de ouro na região.

A explosão de violência teria sido motivada pelo assassinato de um ¿marrom¿ por um brasileiro identificado apenas como ¿Pitboi¿ (assim mesmo, com i) no mesmo dia. O acusado está foragido e é alvo de uma intensa caçada da polícia surinamesa. O ataque seria uma retaliação pela morte do homem, ocorrida, aparentemente, em uma discussão fútil. Também foram atingidos chineses que trabalham na região. O Ministério das Relações Exteriores brasileiro recebeu o pedido de envio de um avião da Força Aérea Brasileira (FAB) com 14 toneladas de alimentos para os atingidos. De acordo com o Ministério da Defesa, nenhum pedido para retirar os brasileiros do Suriname havia sido feito até o fechamento desta edição.

As cenas do ataque em Albina foram classificadas como ¿indescritíveis¿ e ¿terríveis¿, segundo um padre brasileiro que teve acesso às imagens e vídeos feitos por pessoas que estiveram no local. ¿Foi um verdadeiro arrastão. Centenas de pessoas partindo para cima dos estrangeiros munidas com facões, pedras e ferramentas. Vários se feriram gravemente. O local em questão é extremamente movimentado, à beira de um rio que faz a fronteira do Suriname com a Guiana Francesa¿, conta o missionário Vergílio da Silva, em entrevista ao Correio por telefone. De acordo com ele, o local onde ocorreram as comemorações natalinas é um dos pontos turísticos mais conhecidos da região, porém, palco de disputas entre garimpeiros.

Destruição Segundo o padre, uma rua inteira teria sido destruída durante a confusão. ¿Tudo foi incendiado. Um posto de combustível, algumas lojas e até mesmo um prédio. No momento, precisamos de doações de roupas e remédios, pois muitas pessoas saíram de Albina apenas com a roupa do corpo¿ disse, lembrando que a área hoje está totalmente tomada por militares. Segundo informações da polícia surinamesa, quatro pessoas ligadas ao episódio foram presas e deverão ser interrogadas ainda neste fim de semana. As vítimas brasileiras em estado grave, conforme a embaixada, teriam sido levadas para dois hospitais, entre eles o Militar de Paramaribo. Porém, informações mais precisas sobre essas pessoas não puderam ser confirmadas. Já os garimpeiros que pediram ajuda da embaixada para deixar Albina estão hospedados em dois hotéis da capital, ambos protegidos por militares.

¿Foi um ataque brutal. (¿) Não acredito que queiram (as vítimas) voltar (a Albina). Eles estão falando em chacina, em assassinato em massa¿

José Luiz Machado e Costa, embaixador do Brasil no Suriname

Colaborou Isabel Fleck

Para saber mais Tensão já dura anos

Os brasileiros começaram a migrar para o Suriname no início dos anos 1990, em busca de ouro, que se concentra em locais como as margens do Rio Lawa, um afluente do Rio Maroni, na fronteira com a Guiana Francesa, e que banha a cidade de Albina. Segundo a pesquisadora Marjo de Theije, que leciona na Vrije Universiteit, de Amsterdã, as primeiras áreas de garimpo eram relativamente próximas da capital, Paramaribo. Depois, os imigrantes começaram a se deslocar para áreas mais remotas, como as regiões de fronteira.

A relação dos brasileiros com os chamados ¿marrons¿, como são conhecidos os surinameses quilombolas, sempre foi tensa por conta das relações de poder no garimpo. Quando chegaram na região, os brasileiros só eram autorizados a trabalhar para os marrons, que se diziam donos das terras. Hoje, a estimativa do governo do Suriname é de que cerca de 20 mil brasileiros vivam no país, a maioria sendo sustentada pelo garimpo.