Título: Entre o social e o fiscal
Autor: Cristino, Vânia
Fonte: Correio Braziliense, 28/12/2009, Economia, p. 9

Como o modelo atual da Previdência não é sustentável, próximo presidente terá que escolher entre fazer a reforma e manter o deficit em expansão

Previdência Social consome 40% do Orçamento da União. Neste ano, o saldo negativo deve se aproximar de R$ 45 bilhões

Qualquer que seja o próximo governo, não vai dar para ignorar a Previdência Social. Segundo especialistas, quem assumir o Brasil em 2011 terá que obrigatoriamente fazer uma reforma no sistema previdenciário, sob pena de assistir, imobilizado, a falta de recursos para áreas vitais como saúde, educação e infraestrutura, além de condenar o país a um crescimento medíocre, muito aquém de sua real capacidade e necessidade. O desenho para a concessão de novas aposentadorias e pensões pode divergir bastante, mas num ponto os estudiosos do tema são unânimes: é preciso prolongar o tempo de trabalho, o que significa dizer que os trabalhadores terão que se aposentar com idade mais avançada.

O pesquisador Marcelo Caetano, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), é taxativo: não há como conciliar expansão elevada do Produto Interno Bruto do País (PIB) com o modelo previdenciário atual. Somente este ano, o deficit nessa conta será de aproximadamente R$ 45 bilhões. Marcelo Caetano argumenta que o Orçamento federal hoje não passa de uma grande folha de pagamento. Cerca de 85% do gasto é com aposentadorias, pessoal, assistência e saúde. Esses gastos aumentam sempre acima do PIB, com o pagamento direto a pessoas ¿ seja na forma de salário, assistência ou benefícios previdenciários ¿ atingindo 76%. Só a Previdência Social consome 40,1% de toda a verba do Orçamento.

¿Como o gasto corrente é muito rígido e não se fez economia nos anos recentes de fartura, o caminho é retomar o esforço pelas reformas constitucionais para ajustar, de forma definitiva, o modelo que todos sabem que é inviável e explosivo ao longo do tempo¿, argumenta. No caso da Previdência Social, Caetano avalia que a situação está ficando crítica. O envelhecimento populacional, segundo ele, é um aspecto importante a se considerar. ¿Não somente as pessoas estão ficando mais velhas, como estão tendo cada vez menos filhos¿, observa.

De acordo com o especialista, a taxa de fecundidade hoje (média da quantidade de filhos de cada mulher) é de 1,9 filho. Para que a população seja mantida no atual nível, é necessário que essa taxa passe a 2,1 filhos por mulher. Portanto, a fecundidade está abaixo do nível de reposição. Some-se a isso o fato de que a taxa de dependência (número de pessoas com mais de 65 anos em relação às pessoas entre 15 e 64 anos) apresenta tendência de alta para as próximas décadas. Hoje, essa taxa está em 9%. Isso significa que para cada grupo de 100 pessoas com idade entre 15 e 64 anos, existem nove com mais de 65 anos. Essa taxa é importante porque representa a relação entre ativos (pessoas que contribuem e financiam o Instituto Nacional do Seguro Social), e os inativos (aposentados e pensionistas).

Servidores Diante desse quadro, Marcelo Caetano defende que uma nova reforma deveria instituir um limite de idade. ¿Aposentadorias com 51 anos de idade, como ocorrem hoje, não fazem sentido¿, afirma. O especialista também defende a revisão da fórmula de cálculo das pensões por morte e observa que não é comum no mundo a pensão ser de valor idêntico à aposentadoria, como é no Brasil.

Marcelo Caetano avalia que governo que assumir o país em 2011 deverá se debruçar sobre os mecanismos de indexação. A prática internacional é de que benefícios sejam corrigidos pela inflação passada, para assegurar o poder de compra. No Brasil, como o benefício previdenciário mínimo é igual ao piso salarial, os ganhos reais incorporados fazem com que aposentadorias e pensões aumentem até mais do que os salários médios da população que trabalha.

No setor público, o especialista diz que falta um pilar importante à reforma já realizada: a criação de uma previdência complementar para os servidores. ¿Não faz sentido que o Estado continue a arcar com aposentadorias de servidores superiores a R$ 10 mil por mês, enquanto o teto de aposentadoria no setor privado é de R$ 3.218,90. Previdência não deve existir para pagar benefícios de alto valor. Sua finalidade é garantir reposição de renda e tirar pessoas da pobreza¿, esclarece.

O caminho é retomar as reformas para ajustar, de forma definitiva, o modelo que todos sabem que é inviável e explosivo ao longo do tempo

Marcelo Caetano, pesquisador do Ipea

Reforma sem comoção social

Escaldado nos debates que envolveram as últimas reformas sobre o tema, o especialista Fábio Giambiagi, hoje no Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), diz que antes de pensar em mudar as regras de acesso à aposentadoria, o novo governo deve tratar de angariar a simpatia da população. ¿O INSS é um exemplo de divórcio entre a percepção da realidade e a realidade em si. A percepção da população é que o INSS é cruel com as pessoas e que os aposentados são cada vez mais arrochados. A realidade é que nenhum grupo social melhorou tanto seus rendimentos desde o Plano Real como os aposentados¿, assegura.

Segundo o pesquisador, para ter sucesso na nova empreitada, o governo terá que evitar, a todo custo, a comoção social. ¿A mensagem deve ser de tranquilidade, com a reforma sendo vista como uma adaptação suave a um mundo em mutação e não como um ataque aos idosos¿, observa. Para transformar os aposentados em aliados, Giambiagi defende a exposição da máxima de que ninguém mexe com os atuais aposentados e de que a reforma será feita, justamente, para garantir que o pagamento dos benefícios serão honrados.

De acordo com o especialista, a lição aprendida com as experiências passadas é de que, se a mudança da sociedade é gradual, a alteração da legislação não tem porque ser súbita. A aprovação das novas regras deve, portanto, prever um período de carência de quatro a cinco anos, além de um período de transição de 10 a 20 anos. Só dessa forma, segundo Giambiagi, a população terá certeza de que a influência da reforma na sua vida se dará a médio e longo prazos.

Já para a reforma propriamente dita, Giambiagi defende a fixação de uma idade mínima para a aposentadoria por tempo de contribuição, de 60 anos para os homens e de 55 para as mulheres, com previsão de aumento progressivo. O valor das futuras pensões por morte deveria ser limitado a 70% do valor da aposentadoria. O especialista também é favorável à redução da diferença entre homens e mulheres para dois anos, em vez dos cinco anos atuais.

Fator O ex-ministro da Previdência Social, José Cechin, avalia que uma alternativa à idade mínima é justamente o fator previdenciário, que deveria ser aperfeiçoado e sua fórmula de cálculo também aplicada às aposentadorias do setor público. ¿Ao manter o fator deixamos as pessoas livres para escolherem a data da sua aposentadoria¿, observa.

Segundo Cechin, o fator previdenciário foi muito mal ¿vendido¿ para a sociedade. A população tem a impressão de que o fator rouba um pedaço da aposentadoria quando, na verdade, segundo o especialista, o que o fator faz é devolver durante os anos de inatividade o que a pessoa pagou para obter a sua aposentadoria. ¿Não tem outro critério mais justo¿, garante. De acordo com Cechin, injusto seria uma pessoa mais nova, que vai viver muitos anos com a aposentadoria, receber o mesmo que uma pessoa mais velha que, teoricamente, vai morrer mais cedo. Essa pessoa recebe um valor maior de aposentadoria com a incidência do fator. (VC)

Propostas de mudança 1- Limite de idade para aposentadoria (60 anos para homem e 55 anos para mulher) 2- Aumento progressivo dessa idade mínima 3- Redução das futuras pensões por morte 4- Diminuição da diferença de cinco anos entre homens e mulheres 5- Elevação da idade para concessão de aposentadoria por idade (67 anos) 6- Não indexação dos benefícios ao salário mínimo 7- Previdência complementar para os servidores públicos