Título: Ninguém quer pagar a conta
Autor: Maakaroun, Bertha
Fonte: Correio Braziliense, 30/12/2009, Política, p. 6
Divergências entre estados e falta de empenho do governo são apontadas como principais entraves à Reforma Tributária, que se arrasta no Congresso e tem poucas perspectivas para 2010
O deputado Sandro Mabel, relator da proposta, se mostra desapontado: ¿Ninguém vai para o front¿
Impostos, taxas, contribuições. A coleção governamental para o cidadão inclui 74 tributos. Juntos, eles responderam, em 2008, segundo dados da Receita Federal, por 35,8% do Produto Interno Bruto (PIB) ¿ um crescimento de 26% em relação à carga tributária de 1995, que representava 28,4% do PIB (veja quadro). O peso maior da conta, paradoxalmente, recai sobre as rendas mais baixas. Estudo realizado pela Fecomércio indica que trabalhadores com renda familiar de até dois salários mínimos empenham 38,8% do que ganham para saldar tributos. Já famílias com renda acima de 30 salários mínimos pagam 26,3%.
Em meio a um acirrado debate entre estados e municípios ¿ que exigem da União a rediscussão de competências e participação nas receitas ¿ e a União, que se recusa a abrir mão do poder, a reforma tributária se arrasta no Congresso Nacional. Sem ela, a promessa de encerrar a guerra fiscal entre os entes federados fica no papel. E não será em 2010 que o jumbo da reforma, sob o nome de Proposta de Emenda Constitucional 233/2008, decolará. A razão é simples: não interessa à União, nem a estados, municípios e setor produtivo.
Exceção a 2009, em que o país sofreu o impacto da crise financeira internacional, até 2008, o atual sistema tributário rendeu à União recordes de arrecadação que prometem se repetir em 2010, face a uma expectativa de crescimento do PIB de 5,5%. ¿Em time que está ganhando não se mexe¿, assinala Paulo Coimbra, professor de Direito Tributário e Financeiro da UFMG.
Nem o relator da proposta, o deputado federal Sandro Mabel (PR-GO), acredita na aprovação. ¿Estou quase desistindo. Já dei mais de 180 palestras, as pessoas ficam animadas, mas ninguém vai para o front. Para ser aprovada, a reforma depende de pressão popular¿, disse, em setembro, durante palestra no Sindicato das Empresas de Serviços Contábeis do Estado de São Paulo (Sescon-SP).
A população, segundo especialistas, tem poucas razões para se mobilizar. ¿O texto abre janelas para aumentar a carga tributária¿, vaticina o economista Fabrício Augusto de Oliveira, professor da pós-graduação da Fundação João Pinheiro, que acaba de lançar o livro Economia e Política das Finanças Públicas no Brasil.
O deputado federal Virgílio Guimarães (PT-MG), autor da PEC 31/2007, à qual foi apensada a PEC 233/2008 encaminhada pelo governo federal, analisa: ¿A reforma tributária não entrou na pauta e, se tivesse sido incluída, seria uma luta para ser aprovada. É o tipo de assunto que não terá consenso nunca¿, diz o parlamentar.
Insegurança Um dos itens do projeto prevê retirar a autonomia dos estados para legislar sobre o principal tributo, o ICMS, que ganharia o nome de IVA-E e passaria a ser tributado no destino. Em tese, a União conseguiria reduzir a guerra fiscal entre estados, em voga sobretudo para a atração de investimentos. Entre governadores, existe a insegurança em mexer na principal fonte de renda e a reticente disposição em mobilizar as bancadas na Câmara em defesa de um salto no escuro.
Nas operações interestaduais, estados exportadores, como Minas Gerais e São Paulo, tendem a perder. O economista Fabrício Augusto de Oliveira explica: hoje, o sistema é misto. A arrecadação do ICMS(1) vai para os dois estados, porque a alíquota é desmembrada. ¿Quando o princípio é o do destino, toda a arrecadação é para quem importa e o estado que produz perde¿, sustenta.
1 - Compensação A mudança no perfil da cobrança do ICMS é um dos principais pontos de divergência para a aprovação da Reforma Tributária. Há um conflito político entre as bancadas estaduais. Uma insegurança sobre quem sairia perdendo com a cobrança somente no destino. A alíquota mínima prevista na origem é de 2%. Os estados exportadores insistem que seja de 4%. ¿Embora o texto se refira a um fundo de compensação para as perdas dos exportadores, ninguém sabe como será¿, argumenta o economista Fabrício Augusto de Oliveira.
Hoje, existe centralização financeira na mão da União que não existia na ditadura. Não o poder imposto a porrete, mas o poder financeiro¿
Paulo Coimbra, professor de Direito Tributário e Financeiro da UFMG
Evolução
Carga tributária em relação ao Produto Interno Bruto
1995 - 28,4% 2000 - 30,3% 2001 - 31,9% 2002 - 32,4% 2003 - 31,9% 2004 - 32,8% 2005 - 33,8% 2006 - 34,2% 2007 - 34,7% 2008 - 35,8%
Fontes: IBGE (até 2006) e Receita Federal (2007 e 2008)