Título: Reformas necessárias
Autor: Nunes, Vicente
Fonte: Correio Braziliense, 30/12/2009, Economia, p. 10

Apesar de exibir força ao atravessar a crise econômica mundial entre 2008 e 2009, Brasil não fez o dever de casa que daria a segurança desejada para o crescimento

Ao longo dos últimos dez anos, o que mais se ouviu no Brasil foram promessas de reformas constitucionais, sempre embaladas com o discurso de que a modernização da economia levaria o país mais rapidamente rumo ao Primeiro Mundo. Mas, por falta de apelo popular ¿, ou seja, de votos ¿, descaso dos governos e, em alguns momentos, atropelados por sérias crises econômicas, os projetos foram sendo relegados ao ostracismo. ¿Agora, porém, chegou a hora da verdade. Não há mais como falarmos em crescimento sustentado, acima de 5% ao ano, sem encarar os entraves que nos mantêm com um forte pé no atraso¿, diz Patrícia Bentes, sócia-diretora da consultoria Hampton Solfise.

Para ela, não importa a ordem de prioridade que se dará às reformas. O importante é que o presidente eleito em 2010 tenha a coragem de encapar propostas que reduzam o peso dos impostos, flexibilizem a contratação de mão de obra, garantam a sustentabilidade do sistema previdenciário, ponham fim ao excesso de burocracia e, principalmente, melhorem a qualidade dos gastos públicos. ¿É verdade que o país crescerá muito nos próximos dois anos. Mas, para que o salto seja maior e mais consistente nos anos seguintes, não se pode abrir mão das reformas. Se o país quer ser alçado à condição de potência, tem que seguir o exemplo da maior delas, os Estados Unidos, onde o tamanho do Estado é mínimo, a carga tributária é aceitável e o mercado de trabalho, sem amarras¿, acrescenta.

¿É questão de sobrevivência em um mundo cada vez mais competitivo¿, frisa o economista-chefe da Sul América Investimentos, Newton Rosa. O Brasil, lembra ele, é um grande exportador de impostos. ¿Então, se o país quiser ampliar a venda de produtos de maior valor agregado, se quiser conquistar mais mercados, tem que mudar a estrutura de tributos em vigor, desonerar o setor produtivo¿, ressalta. É preciso, também, aliviar a carga de impostos que recai sobre as micro e pequenas empresas. Grandes empregadoras, foram elas que sustentaram, em boa parte, a expansão econômica do EUA. ¿As empresas de menor porte precisam conviver em um ambiente simplificado de negócios, com baixo volume de tributos e amplo acesso ao crédito, inclusive por meio do mercado de capitais¿, complementa. ¿Na verdade, esse é o ambiente ideal para qualquer empresa, a despeito de seu tamanho.¿

Ranking É verdade que, independentemente do atraso das reformas e da falta de disposição do governo de estimular a produtividade, de reduzir o custo Brasil, o país deu, em 2009, passos importantes. Levantamento do World Economic Forum mostra que, em relação ao ano anterior, a economia brasileira subiu oito posições no ranking de competitividade mundial: do 64º para o 56º lugar. Com esse salto, o Brasil ultrapassou, pela primeira vez, a Rússia. Mas se manteve distante da China, em 29º lugar, e da Índia, na 49ª posição. Os quatro países formam o Bric, grupo que deverá liderar a expansão global nas próximas duas décadas.

Entre os 12 indicadores analisados, os que mais ajudaram o Brasil a subir no ranking de competitividade foram a estabilidade econômica (ganho de 13 posições, para o 109º lugar), a sofisticação do mercado financeiro (também uma subida de 13 degraus, para 51º) e a eficiência do mercado de trabalho (mais 11 posições, para o 80º). Em compensação, o país paga um preço altíssimo por ter um ambiente institucional frágil, já que não há segurança jurídica para os investimentos e o Poder Judiciário é lento e corrupto (93º lugar); ter uma classe política desacreditada pela população (127ª posição, à frente de apenas seis países); e baixa eficiência na produção (99º), devido ao excesso de tributos e mão de obra sem qualificação. ¿Trata-se de um quadro preocupante¿, afirma o presidente da Partner Conhecimento, Álvaro Musa.

Herança O que mais assusta, no entender de Sílvio Campos Neto, economista-chefe do Banco Schahin, é que o governo Lula, com toda a sua aprovação popular, não se empenhou para fazer o dever de casa. ¿É verdade que o atual governo deixará uma boa herança para a próxima gestão. Mas também haverá a herança maldita, provocada pela falta de reformas e pela piora dos gastos públicos¿, assinala Rodrigo Ventura, da consultoria Macroplan. Com a herança maldita já sentenciada, Elson Teles, economista-chefe da Concórdia Corretora, ressalta que o próximo presidente terá que usar o capital político para convencer a sociedade a pressionar governadores, prefeitos, deputados e senadores a se engajarem nas reformas, das mais custosas, como a tributária e a da Previdência, às microeconômicas, como a de reduzir os custos e o tempo para a abertura e o fechamento de empresas.

Para reforçar as palavras de Teles, basta ouvir o que diz o economista e filósofo Eduardo Giannetti da Fonseca, referindo-se ao excesso de burocracia do ambiente de negócios no Brasil: ¿Se Bill Gates tivesse nascido no Rio de Janeiro e começado numa garagem, certamente estaria vendendo CDs piratas na Avenida Rio Branco¿.

Se Bill Gates tivesse nascido no Rio de Janeiro e começado numa garagem, certamente estaria vendendo CDs piratas na Avenida Rio Branco¿

Eduardo Giannetti da Fonseca, economista e filósofo

Lentidão incômoda

Em 2003, quando tomou posse, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva conseguiu fazer algumas mudanças importantes na área previdenciária do setor público. Mas o ponto crucial, a criação de um fundo de previdência para o funcionalismo, com o intuito de tirar um peso enorme sobre o Tesouro Nacional, nunca saiu do papel, mesmo com toda a sua importância mais do que comprovada.

¿A revolução que todos esperam no Brasil terá de acontecer, ainda que a passos lentos¿, avisa o economista Cristiano Souza, do Banco Santander. Até porque os temas que sempre dominaram os debates já estão superados: câmbio, inflação e juros. Ou seja, o foco será no sentido de mudar o sistema político para pôr fim ao clientelismo e à corrupção, dar maior garantia aos investimentos, mudar o sistema de aposentadoria do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) de tempo de contribuição para idade mínima e reduzir o tamanho do Estado.

O economista-chefe do Banco Credit Suisse, Nilson Teixeira, não esconde seu ceticismo. Para ele, a probabilidade de aprovação de reformas significativas no próximo governo é baixa. Mas, caso o presidente eleito em 2010 seja da oposição, as chances de algumas mudanças saírem do papel aumentam ligeiramente, por conta da formação de uma nova base de apoio no Congresso, com a substituição das lideranças políticas. E, nesse cenário, a reforma mais provável será a tributária. (VN)