Título: Governo descarta onda de greve
Autor: Pires, Luciano
Fonte: Correio Braziliense, 30/12/2009, Economia, p. 11

Aposta é que resultados das negociações dos grupos de trabalho esfriarão os ânimos dos servidores insatisfeitos

Funcionários do FNDE chegaram a acampar no órgão contra falhas no relatório sobre promoções

Apesar de reconhecer que ainda há arestas a serem aparadas com o funcionalismo, o governo não crê que a insatisfação de algumas carreiras desemboque em uma onda de greves em 2010. Na avaliação da área técnica do Ministério do Planejamento, os discursos inflamados e a disposição dos sindicatos em esticar a corda estão no limite. A aposta oficial é simples: à medida que os grupos de trabalho (GTs) ¿ instalados para adequar pontos em aberto dos acordos firmados em 2008 e 2009 ¿ começarem a dar resultados, a tendência é que os ânimos esfriem.

Desde novembro, a Secretaria de Recursos Humanos (SRH) vem sendo pressionada. Tabelas salariais necessitando de ajustes, progressões na carreira(1) à espera de definição, quase tudo virou motivo de reclamação para pelo menos 10 setores do Executivo federal. Servidores do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (Inpi), do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE ), do Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (Inmetro), da Ciência e Tecnologia, funcionários dos ministérios da Fazenda, do Meio Ambiente, do Trabalho, do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e do Instituto Chico Mendes preparam ou já fizeram atos públicos e paralisações-relâmpago.

Diálogo O movimento, embora desarticulado, chama a atenção da SRH. ¿Eventualmente, questões residuais que ficaram sem serem tratadas naquele momento da negociação voltam à tona agora com a centralidade que anteriormente não existia¿, diz Maria do Socorro Mendes Gomes, secretária substituta de recursos humanos. Com os termos de acordo em mãos, a representante do Ministério do Planejamento argumenta que o diálogo com as entidades nunca foi interrompido e acordos, respeitados à risca. Segundo Maria do Socorro, ¿causa estranheza¿ a opção pela greve. ¿É um direito consagrado pela Constituição, mas que nesse momento é infrutífero. Tudo que foi negociado tem sido cumprido¿, completa.

Nas últimas semanas, os GTs enfrentaram altos e baixos. Falta de quorum ou adiamentos acabaram represando decisões aguardadas há meses por parte do funcionalismo. É o caso, por exemplo, dos funcionários do FNDE, que chegaram a montar acampamento na porta do órgão. Motivo: supostas falhas no relatório final do grupo de trabalho criado para debater a redução dos níveis de promoção na carreira de 24 para 13 padrões e a equiparação das tabelas da carreira atualmente em vigor. De acordo com Maria do Socorro, a SRH está trabalhando para resolver o problema. ¿A gente ainda está fazendo os estudos técnicos para avaliar até que ponto o FNDE ficou fora da média das outras categorias. Estamos nessa fase. Se precisar corrigir, vamos corrigir¿, diz a secretária.

Jogo Às entidades, o governo tem dito ser impossível resolver tudo ao mesmo tempo. Falta consenso, e alguns pontos que estão sobre a mesa são delicados demais. Maria do Socorro justifica também que há uma expectativa equivocada por parte dos sindicatos em relação aos grupos de trabalho. ¿Não necessariamente os GTs vieram para desembocar em outro acordo coletivo. Eles vêm para desenhar novos cenários, definir novos campos de atuação futura. A expectativa dos servidores é que os GTs fossem espaço de negociação e não o são¿, reforça. Os servidores contestam.

A Confederação dos Trabalhadores no Serviço Público Federal (Condsef) e outras organizações que representam os servidores acusam o governo de adotar uma postura lenta e quase desinteressada. Isso ampliou ainda mais o nível de ruído. ¿O problema é que o governo acha que fez tudo o que tinha de fazer. Só que não é isso. Há uma série de passivos que não envolvem só salário¿, justifica Oton Neves, secretário-geral do Sindicato dos Servidores Públicos no Distrito Federal (Sindsep-DF).

1 - Regras mais claras Além de conceder reajustes, o governo modificou ou criou modelos de ascensão funcional para determinadas carreiras do Executivo federal. Foram alterados e introduzidos prazos, avaliações de desempenho e assiduidade passaram a contar para efeito de promoção. Nem todas as regras, no entanto, estão claras. Há setores do funcionalismo que reclamam mudanças urgentes, e servidores acusando o governo até mesmo de reduzir salário.

Análise da notícia Teste de resistência

Por enquanto, tudo não passa de ameaça, mas ao falar em onda de greves para 2010 os sindicatos testam a resistência do governo. A aposta dos servidores é que o Palácio do Planalto será flexível em ano eleitoral. Só para não fugir à tradição. Todo mundo sabe que evitar surpresas desagradáveis é sempre a melhor estratégia para quem quer continuar por cima. É ver para crer!

O funcionalismo vai jogar pesado nos próximos meses para ver solucionados os embaraços que mais incomodam no momento ¿ o que inclui questões salariais e estruturais. O ¿patrão¿ quer usar e abusar do diálogo, gastar o tempo e, no final, mexer aqui e ali se for necessário. O ¿empregado¿ tem pressa, joga para plateia e abusa da verborragia. Quem tiver mais cartas na manga vai vencer essa queda de braço.

A pressão nas ruas não será menosprezada, mas o governo também não quer passar a ideia de que cederá por qualquer motivo. O custo financeiro da maior parte das reivindicações já foi calculado pela área técnica e, no campo político, a avaliação é de que as demandas dos servidores estão mais ou menos controladas. Isso posto, o saco de bondades deverá ser aberto no ano que se inicia. Ao contrário de outros tempos, porém, com moderação. (LP)