Título: Mãos à obra
Autor: Nunes, Vicente
Fonte: Correio Braziliense, 29/12/2009, Economia, p. 9

Eventos como a Copa do Mundo e as Olimpíadas estimulam o investimento em infraestrutura. Efeito multiplicador anima quase todos os setores.

O diretor-executivo da Apex Engenharia, Eduardo Aroeira, foi obrigado a botar o pé no acelerador de seus projetos, pois o risco de perder negócios para a concorrência é enorme. ¿Nunca o mercado da construção civil esteve tão aquecido, nem mesmo antes da crise mundial. E o mais interessante é que as vendas de imóveis estão sendo puxadas pelas classes C e D ¿ uma massa de 137 milhões de brasileiros ¿, que, historicamente, sempre foram alijadas do processo¿, diz. Com a demanda fervilhando, o empresário teve que antecipar para 2009 todos os lançamentos previstos para 2010. ¿E vendemos tudo¿, afirma. Agora, a ordem é adiantar o planejamento em dois anos. Ou seja, todos os empreendimentos programados para 2011 e 2012 serão ofertados no ano que se inicia. ¿Prevemos movimentar pelo menos R$ 144 milhões, quase o dobro de 2009¿, ressalta.

A prosperidade dos negócios obrigou Aroeira a construir uma nova sede quatro vezes maior do que a antiga e a duplicar o número de funcionários. ¿Melhoramos a nossa capacidade de atendimento e aprimoramos a logística da empresa para agilizar as operações¿, destaca. O caso da Apex é exemplar, pois reflete fielmente a lógica do crescimento. Se os negócios vão bem, o setor produtivo amplia os investimentos, aumenta a oferta de empregos e os salários sobem. ¿Com o crescimento econômico que se projeta para as próximas duas décadas, tudo indica que veremos um ciclo contínuo de investimentos, tanto por parte do setor privado quanto do governo, o que trará muitos ganhos para o país, desde, é claro, que o meio ambiente seja preservado¿, afirma Cristiano Souza, economista do Banco Santander.

A perspectiva é de que apenas os desembolsos anuais para obras de infraestrutura cheguem a 7% do Produto Interno Bruto (PIB) a partir de 2011, com o próximo presidente da República empossado. Hoje, esses investimentos têm girado em torno de 3,8% do PIB, mas já tiveram um piso de 1,8%, em 1994, e um pico de 5,6% nos anos 1970. Três fatores sustentam projeção tão otimista: a Copa do Mundo de 2014, a Olimpíada de 2016 e o pré-sal, que vão se somar ao Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e ao Minha Casa, Minha Vida. ¿Com esses eventos, que terão repercussão econômica por vários anos, a taxa de investimento em relação ao PIB chegará a 25% (contra os atuais 17,7%)¿, assegura o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles. Se confirmada, essa taxa será um fator a mais para sustentar a condição do Brasil de quinta maior economia do mundo, a ser alcançada nos próximos cinco anos.

Mapa A Copa do Mundo demandará investimento de até R$ 155 bilhões. ¿Nós já temos mapeados R$ 99 bilhões¿, conta o diretor comercial do Banco do Brasil (BB), Sandro Marcondes. ¿Serão R$ 86 bilhões em infraestrutura e mobilidade urbana¿, detalha. Desse total, pelo que está prometido, o governo bancará R$ 24,7 bilhões, dos quais R$ 8 bilhões serão para melhorar o sistema de transportes nas 12 cidades-sede dos jogos. Outros R$ 6 bilhões devem ir para a reforma e a ampliação de aeroportos, R$ 5,4 bilhões para o segmento de turismo, R$ 4,8 bilhões para reformas e construção de estádios e R$ 500 milhões para a melhoria dos portos. Esses cálculos, avisa o diretor do BB, não incluem o trem-bala, que demandará investimentos de pelo menos R$ 35 bilhões e só deverá ficar pronto em 2015.

¿O suporte do governo investindo em infraestrutura é vital. Mas os desembolsos deverão ser comandados pelo setor privado¿, destaca o economista Aurélio Bicalho, do Banco Itaú Unibanco. Mas, a seu ver, mais do que a Copa do Mundo, serão as Olimpíadas de 2016 no Rio de Janeiro, com investimentos iniciais estimados entre R$ 80 bilhões e R$ 100 bilhões, que impactarão de forma positiva o crescimento econômico. Para comprovar essa tese, ele esmiuçou o PIB de todos os países que sediaram Copas do Mundo e Olimpíadas desde 1980. ¿O que se observou foi que, nos quatro anos seguintes às Olimpíadas, a economia dos países analisados cresceu, em média, 0,7 ponto percentual a mais do que nos quatro anos anteriores ao evento¿, destaca.

Outro ganho relevante é observado por Andrew Rose, professor da Universidade da Califórnia em Berkeley, nos Estados Unidos: os países que sediam megaeventos internacionais aumentam em até 30% o comércio exterior, pois beneficiam exportadores e importadores. ¿As transmissões dos jogos para o mundo todo ampliam o conhecimento sobre os produtos dos países-sede. É o tipo de publicidade que, isoladamente, os empresários não podem fazer¿, diz o presidente do BC, que foi um dos garotos-propaganda do Brasil na disputa pela Olimpíada de 2016. ¿Também empresas de outros países vão se interessar em vender seus produtos aqui ou mesmo instalarem fábricas no país¿, acrescenta.

O diretor de Política Econômica do BC, Mário Mesquita, acredita que os investimentos voltados para a Copa e as Olimpíadas deverão ficar mais evidentes a partir de 2010, sobretudo os estrangeiros, direcionados à construção civil. Mas é importante, na opinião de Zeina Latif, economista-chefe do Banco ING, que o Brasil não se torne dependente demais do capital externo que virá para cá para tirar proveito do ciclo de crescimento. Quanto mais precisar de poupança estrangeira para se financiar, maiores serão as chances de o país criar desequilíbrios à frente, abrindo espaço para crises. No entender de Zeina, para o histórico do Brasil, de constantes crises cambiais, o ideal é que o deficit nas contas externas fique em, no máximo 3% do PIB. Acima desse patamar, a luz amarela se acenderá.

Petróleo Para o vice-presidente de Negócios Internacionais e de Atacado do Banco do Brasil, Allan Toledo, o Brasil do futuro está longe de se meter em crises. ¿O que vemos é uma potência em construção¿, afirma. E tal visão, segundo ele, pode ser explicada pela enorme quantidade de projetos que a instituição estatal está financiando, especialmente na área de energia. ¿Junto com cinco bancos, estamos destinando R$ 2 bilhões às hidrelétricas de Santo Antônio e de Jirau, ambas no Rio Madeira, em Rondônia. Estamos, ainda, analisando operações nos setores naval, rodoviário e de petróleo¿, enfatiza.

O BB, acrescenta Toledo, entrará com tudo no financiamento da exploração do pré-sal, diante do potencial ganho. A previsão da Petrobras é dobrar a produção diária de petróleo nos próximos 10 anos, elevando a participação do setor no PIB de 10% para 20%. Até 2013, a empresa investirá US$ 174 bilhões. Para não ver seus planos frustrados, a estatal capacitará mais de 200 mil pessoas em 185 categorias profissionais. A cadeia de fornecedores deverá abrir, em cinco anos, 500 mil vagas, duas vezes e meia o total de postos existentes hoje.