Título: A falta que faz a educação
Autor: Nobre, Letícia
Fonte: Correio Braziliense, 29/12/2009, Economia, p. 10

Índices de escolaridade brasileiro são iguais aos dos EUA nos anos 1960. Analfabetismo atinge um de cada 10 adultos

O cenário de estabilidade econômica e crescimento dos últimos 15 anos fez o Brasil se destacar entre os países emergentes e passar a acreditar no sonho de ser o país do futuro. Os bons ventos estão anunciados e dependem de debates e investimentos em áreas básicas como educação, saúde e infraestrutura para que as ideias e os desejos se tornem reais nas próximas duas décadas. Os atuais números da educação brasileira, por exemplo, são comparáveis aos que os Estados Unidos contabilizavam entre as décadas de 1950 e 1960.

A taxa de analfabetismo atinge um em cada 10 brasileiros adultos ¿ pessoas com 25 anos ou mais ¿ e a média de escolaridade desse grupo é de 6,9 anos de estudo, de acordo com dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), do IBGE. Nos Estados Unidos de hoje, 0,3% da população adulta é analfabeta e um terço completou 12 anos de estudos. ¿O Brasil trabalha com escolaridade mínima de oito anos, mas a esfera competitiva mundial não aceita menos que 10 ou 12 anos¿, explica Célio Cunha, especialista em educação da Unesco no Brasil e professor da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília (UnB).

Impasse A fragilidade da formação reflete diretamente nos índices de desemprego e é nesse ponto que o país pode enfrentar um impasse para o crescimento econômico. ¿Encontrar profissionais qualificados será muito mais difícil do que ter tecnologia ou infraestrutura para crescer¿, avalia Sérgio Sgobbi, diretor da Associação Brasileira das Empresas de Software e Serviços para Exportação (Brasscom). ¿A economia não vai chegar a parar. O que vai acontecer é perdermos contratos e negócios e não conseguirmos crescer¿, acrescentou.

O gargalo da escassez de mão de obra dá os primeiros sinais em certos setores da economia. A construção civil precisa de 160 mil trabalhadores e a indústria de tecnologia da informação, de 80 a 100 mil. O presidente da Associação Brasileira da Indústria de Materiais de Construção (Abramat), Melvyn Fox, aponta a falta de formação profissional como um dos pontos de carência na construção civil. ¿Houve um período de estagnação na construção civil que afugentou profissionais. Muitos dos que ficaram ou são informais ou estão defasados.¿

Desemprego Atualmente, o volume de pessoas fora do mercado está mais ligado à qualificação. O desemprego atinge 7,4% da população economicamente ativa e só 19,4% dos jovens com idade entre 15 e 24 anos estão ocupados. Levantamentos confirmam o que milhares de brasileiros já sabem: o baixo nível de escolaridade e de qualificação leva a poucas opções de emprego e remuneração menor. No universo de 92,3 milhões de trabalhadores, 29,1% têm rendimentos inferiores a um salário mínimo e 31%, entre um e dois salários mínimos.

As mudanças são lentas, as grades de aula não refletem os problemas práticos do cotidiano. O ensino tem que deixar de ser tão burocrático¿

Célio Cunha, especialista em educação da Unesco e professor da UnB

Sobrevivência depende de capacitação

¿Quem não está preocupado com a capacitação está com os dias contados.¿ Assim resume a empresária e chef Mara Alcamin o que pensa o setor privado sobre os gargalos da educação no país e a necessidade de investimentos no setor. ¿Estamos mais preocupados com capital humano do que com matéria prima¿, complementa Melvyn Fox, da Abramat. A preocupação é atual, mas os resultados dos investimentos em educação só aparecem em médio e longo prazo. ¿As mudanças são lentas, as grades de aula não refletem os problemas práticos do cotidiano. O ensino tem que deixar de ser tão burocrático¿, afirma o professor Célio Cunha, da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília (UnB).

Como o mercado não vai esperar cinco, 10 ou até 15 anos por profissionais qualificados, os empresários passaram a agir por conta própria ou aliados a programas do governo que pretendem encurtar essa espera. ¿A área de TI (Tecnologia da Informação) tem um histórico de formação de mão de obra. Temos capacidade de formação que não é preenchida¿, comenta Sgobbi, diretor da Associação Brasileira das Empresas de Software e Serviços para Exportação (Brasscom).

Cursos Na construção civil, a qualificação é aliada da formalização. ¿Esperamos que o trabalhador encare a possibilidade de fazer carreira na construção civil e não ver só como um emprego passageiro¿, explica Fox. Cerca de 6 milhões de trabalhadores estão empregados nesse setor, mas só um terço tem carteira assinada. A estratégia para reverter o quadro é promover cursos e certificações. ¿Estamos formatando as habilidades necessárias para cada posto de pintor, pedreiro e levar os cursos aos canteiros de obras.¿ A expectativa é de que os primeiros beneficiados recebam os diplomas no segundo semestre de 2010. Nos restaurantes comandados por Mara Alcamin, o treinamento dos funcionários passou a ser essencial. ¿Cerca de metade dos meus 250 funcionários tem só o nível fundamental. Isso não quer dizer que são desqualificados, mas que precisam de atualizações, aprimoramento¿, conta a chef, que criou um espaço e uma agenda de programas de qualificação.¿Criamos um plano de carreira, incentivamos cursos extras que vão de idiomas a gerência em negócios, tanto no Brasil como no exterior.¿

Troca Responsáveis pelo departamento organizacional, Aline Costa e Hérica Araújo, avaliam os primeiros resultados. ¿Temos pilares que unem os conhecimentos acadêmicos com os práticos motivando a troca de conhecimentos e a reciclagem constante de informações¿, relata Hérica, gerente do Departamento de Pessoal. ¿Nesse pouco tempo, conseguimos reduzir o percentual de demissões e aumentar a produtividade¿, acrescenta Aline, que cuida do Departamento de Recursos Humanos. A iniciativa custará R$ 20 mil em investimentos. ¿Vale a pena, porque incentivo a qualidade de vida e o bom ambiente de trabalho. Lá na frente, isso será revertido em menor número de acidente de trabalho e de demissões¿, diz Mara. (LN)