Título: Desconforto na caserna
Autor: Santos, Danielle
Fonte: Correio Braziliense, 31/12/2009, Política, p. 3

Especialistas criticam eventual reavaliação de Lula em pontos de programa de direitos humanos que desagradam a militares

Jobim, ministro da Defesa: ameaça de entregar cargo por conta de programa de direitos humanos

O desconforto criado pelo ministro da Defesa, Nelson Jobim, dentro do governo após questionar o Programa Nacional de Direitos Humanos intrigou especialistas, que classificaram o episódio como um retrocesso para a democracia. No último dia 22, Jobim se encontrou com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e colocou o cargo à disposição. O mesmo fizeram os comandantes das três força nacionais, Marinha, Exército e Aeronáutica.

Os trechos que contrariaram o bloco militar referem-se à apuração de crimes e violações de direitos humanos no período da ditadura, entre 1964 e 1985. O principal deles trata da criação de uma comissão que terá amplos poderes para apurar casos de violação dos direitos humanos durante a ditadura e, se preciso, punir. Outro pede a revogação de leis remanescentes do período do regime. Na visão dos militares, a medida abre uma brecha para mudanças na Lei da Anistia. Por último, o documento sugere uma lei que proíba o nome de pessoas que tenham praticado crimes de lesa-humanidade em prédios públicos e ruas, além da alteração de nomes já atribuídos.

A indisposição do ministro da Defesa com o tema e a tentativa de reformular o texto já haviam conseguido atrasar o anúncio do programa, que deveria ter ocorrido na véspera da 61ª Declaração Universal dos Direitos do Homem, em 9 de dezembro. Contrariando a lei do silêncio instaurada na Secretaria dos Direitos Humanos para evitar mais desgastes ao governo, o subsecretário de Direitos Humanos, Perly Cipriano, falou ao Correio sobre o assunto. Cipriano observou que a decisão de Lula em reavaliar parte do texto que desagrada a Jobim vai enfraquecer a luta pelos direitos humanos. ¿Sem os pontos questionados pela Defesa ficamos sem o direito à verdade e à memória, que são direitos fundamentais numa democracia¿, afirma.

No Ministério da Defesa ninguém comenta sobre o assunto. Procurado pelo Correio, o ministro não atendeu às ligações. ¿Os comandantes de hoje parece que têm medo de uma coisa singela que é a verdade. Não é com ameaças de renúncia que se constrói um cenário de democracia¿, rechaça o fundador do Movimento de Justiça e Direitos Humanos, Jair Krischke. ¿Conforme a saída que for dada, a presidência da República passará a ser tutelada pelo ministro da Defesa e pelos militares. Quando ele (o presidente) anuncia um plano, um decreto, e com um ditado da área militar ele retira, é um arranhão fortíssimo na autoridade dele. Ele pode ter muita popularidade, mas a autoridade está sendo retirada¿, analisa o professor de Ética na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Roberto Romano.