Título: Fogo amigo dos petistas
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Fonte: Correio Braziliense, 31/12/2009, Política, p. 5

Com o fenômeno batizado de lulismo, os filiados ao partido ficaram reféns do presidente, foram obrigados a deixar as antigas bandeiras no passado e a conviver com o estilo imposto no governo de coalizão

Monique Renne/CB/D.A Press - 16/7/09 Os movimentos sociais perderam a característica de oposição e se aliaram às bandeiras defendidas por Lula

O fato de o PT ter ficado refém do Planalto é analisado pelos próprios petistas como a consagração do lulismo em detrimento do petismo. Com um presidente cada vez mais popular e disposto a negociar para fortalecer o governo, não teria restado outro destino à legenda que submeter-se.

O lulismo teria sido o responsável também pela cooptação dos movimentos sociais durante os últimos sete anos de governo. A cientista política Sandra Starling, primeira candidata do PT ao governo mineiro, em 1982, e ex-secretária-executiva do Ministério do Trabalho, exonerada(1) depois de seis meses de governo, elogia os avanços sociais promovidos pela ala petista do governo, mas coloca o dedo na ferida. ¿Foi um governo que avançou em questões sociais ao preço da cooptação dos movimentos sociais, não só os sindicais. Todos, sejam os de defesa dos camponeses, das mulheres, a União Nacional dos Estudantes (UNE), todos viraram chapa-branca. Todos são patrocinados pelo governo, perdendo a capacidade crítica e de mobilização. Todos se curvam diante do grande líder Lula¿, ironizou.

Já o sociólogo Rudá Ricci ¿ um dos fundadores do PT paulista que deixou a legenda em 1993 devido a divergências ideológicas com líderes como o ex-ministro da Casa Civil, José Dirceu ¿ acredita que a cooptação foi feita apenas com o movimento sindical que ocupa vários cargos no governo. ¿Com os movimentos sociais e o lulismo, o que se deu foi uma espécie de encontro das águas.

Os próprios movimentos já haviam mudado desde a Constituição de 1988, quando começaram a se estruturar como organizações e encontraram no governo de um partido com trajetória de esquerda o desejo de tutelá-los, por meio de recursos. Juntou a fome com a vontade de comer¿, analisa. Para ele, não houve por que o governo não agir como uma força poderosa para diminuir a resistência das forças minoritárias. ¿Os movimentos também buscaram a tutela¿, diz.

O sociólogo explica que há uma diferença teórica e política quando se fala em movimento social, o que pressupõe falta de hierarquia e estrutura administrativa fixa. ¿As pessoas se unem a partir da luta por direitos, por se sentirem excluídas, não ter dinheiro ou administração fixa. Seu principal instrumento para garantir os direitos é a pressão política. Hoje, os movimentos sociais se transformaram em organizações, com carro, sede, hierarquia, e começaram a disputar poder dentro do lulismo, que não gosta de participação popular, apesar de ter se originado dela. O fim da era dos movimentos sociais é o fim da energia moral da ousadia¿, aponta.

1 - CRISE A demissão de Sandra Starling da secretaria-executiva do Ministério do Trabalho gerou uma crise no governo. O então ministro Jaques Wagner afirmou que ``estava havendo uma falta de sintonia entre Sandra e os demais integrantes da equipe¿¿. O motivo da exoneração foi a tentativa de Sandra de desfazer um contrato entre o ministério e uma empresa de terceirização de mão de obra considerado irregular pelo Tribunal de Contas da União (TCU).