Título: Radicalismo engavetado
Autor: Aranha, Patrícia
Fonte: Correio Braziliense, 01/01/2010, Política, p. 4

30 anos de PT

Ao longo de três décadas, o partido migrou da esquerda para o centro, ganhou flexibilidade e optou por dar continuidade à política econômica moldada em anos anteriores pelos tucanos

Para conseguir, depois de três tentativas ao Palácio do Planalto, Lula teve que ampliar a aliança de esquerda puro-samgue e se juntar a José Alencar

Em sua trajetória de 30 anos, que serão comemorados em 10 de fevereiro, o PT se movimentou da esquerda para o centro. Deixou a bandeira do socialismo a meio pau, restrita aos documentos históricos do partido e, assim que assumiu o governo, escolheu dar continuidade a uma política econômica moldada no capitalismo dos oito anos anteriores e classificada pelos próprios petistas como neoliberal. Curiosamente, está nessa decisão um dos maiores trunfos do governo, alardeado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que ajudou o país a crescer e distribuir pelo menos parte da renda, forjando uma economia robusta a ponto de os efeitos do tsunami da crise financeira mundial terem se transformado numa marolinha ao atingir o país, como havia previsto o próprio Lula.

Para cientistas políticos, a guinada do PT para o centro não deve ser analisada apenas sob o ponto de vista econômico. Ela começou nos anos 90, na medida em que o partido conquistava prefeituras e governos estaduais, e foi crucial para a vitória de Lula em 2002, numa chapa que reuniu capital e trabalho, com o empresariado representado pelo vice-presidente José Alencar, então filiado ao Partido Liberal. Houve tensão no início, com petistas vaiando o mineiro na convenção partidária que homologou a chapa em junho daquele ano, mas ninguém hoje no PT aposta que houvesse outro caminho que levasse ao êxito eleitoral.

¿O partido político tem que ter flexibilidade para não trair seus princípios, mas não ser idiota o suficiente para fechar seus espaços¿, justifica Wagner Benevides, mineiro que dividiu com Lula a mesa de abertura da reunião de fundação do PT, no Colégio Sion, em São Paulo, em 10 de fevereiro de 1980.

Para o cientista político Leonardo Avritzer, da UFMG, um estudioso das inovações trazidas à cena política pelo PT, com destaque para o Orçamento Participativo, o partido só poderia ter mantido o projeto político de esquerda se decidisse não ser governo. ¿Seria como o Partido Comunista Brasileiro no pós-guerra, sob a liderança de Luiz Carlos Prestes, com fortes lideranças regionais, mas que não chegou a ser governo. Para chegar ao Planalto, o PT precisou compor. Se teve que abrir mão de bandeiras importantes da esquerda, continuou empunhando outras que levaram a conquistas de destaque no governo Lula, como a redução das desigualdades sociais, como o programa Bolsa-família e o avanço na área da Educação¿, analisa.

Já para a cientista política da Unicamp Rachel Meneguello, que estuda o PT desde a sua fundação, hoje ele está localizado na centro-esquerda. ¿O PT é um partido de massas de centro-esquerda. Desde os anos 90, o PT veio movendo-se lentamente para se aproximar mais do centro, e foi esse movimento que deu condições de compor forças para a vitória em 2002¿, disse. Lembrando que a legenda foi formada na matriz de uma esquerda social que define o socialismo no horizonte da construção democrática, Meneguello diz que, uma vez no governo, ¿o partido soube mover-se na contradição imposta pelo estado contemporâneo e pela economia globalizada, encontrando espaço necessário para implementação de políticas com claro timbre petista, como a redistribuição ampliada de renda¿.

Para Rachel Meneguello, como a estrutura partidária teve de se adaptar a um funcionamento centralizado no governo, ¿seja porque buscou adequar-se às imposições do sistema em nível nacional ou porque teve de submeter-se à natureza do estado, distanciando-se das bases¿, depois de 30 anos, o PT perdeu parte de sua inovação como partido de esquerda.

Idade explicaria trajetória

Reeleito ao final de 2006, Lula justificou sua trajetória até o centro dizendo que a esquerda é para os jovens. ¿Se você conhece uma pessoa muito idosa esquerdista, é porque está com problema. Se você conhecer uma pessoa muito nova de direita, é porque também está com problema¿, disse, arrancando risos da plateia formada por empresários e intelectuais. A declaração havia começado com Lula analisando que havia se tornado amigo de Delfim Netto (ministro da Fazenda durante o regime militar), depois de ter passado 20 anos o criticando.

Na visão de Lula, faria parte da ¿evolução da espécie humana¿ a confluência para o centro. ¿Quem é mais de direita vai ficando mais de centro, quem é mais de esquerda vai ficando social-democrata, menos à esquerda, e as coisas vão confluindo de acordo com a quantidade de cabelos brancos que você vai tendo e a responsabilidade que você vai tendo, não tem outro jeito¿, disse.

E acrescentou que o ponto de equilíbrio chegava aos 60 anos, sua idade na época. ¿Porque a gente não é nem um nem outro (nem novo nem velho). A gente se transforma no caminho do meio, aquele que precisa ser seguido pela sociedade¿, afirmou. Essa postura acabou afastando alguns antigos companheiros do PT, que saíram em busca de partidos mais à esquerda.

Quatro anos antes, eleito para o primeiro mandato, Lula escreveu, em 28 de outubro de 2002, a carta Compromisso e Mudança, em que admitiu a escolha por um presidente que não representava apenas um partido de esquerda. ¿Para alcançar o resultado de ontem, foi fundamental que o PT, um partido de esquerda, tenha sabido construir uma ampla aliança com outras forças partidárias¿, citando PL, PCdoB, PMN e PCB, aliados desde o primeiro turno, e os do segundo turno: PSB, PPS, PDT, PV, PTB, PHS, PSDC e PGT. Ao agradecer o apoio de setores importantes de outros partidos, destacou os ex-presidentes José Sarney e Itamar Franco, Anthony Garotinho e Ciro Gomes.

Dissidentes Até hoje a esquerda convive dentro do PT, em tendências minoritárias, mas parte dela, descontente com os rumos da legenda, não conseguiu insistir na luta interna e acabou saindo ou sendo expulsa. Dois partidos se formaram com ex-petistas. Antes do PSOL, cuja maior liderança ainda é a ex-senadora Heloísa Helena, houve o PSTU. Logo depois da segunda eleição legislativa de que o PT participaria, em 1987, no 5º Encontro Nacional, motivados pela atuação de grupos trotskistas, os delegados produziram uma resolução regulando a existência das tendências internas. ¿É incompatível com o caráter do PT a existência, velada ou ostensiva, de partidos em seu interior, concorrentes do próprio PT¿, escreveram. Foi a senha para a exclusão dos grupos internos, notadamente a Causa Operária e a Convergência Socialista.