Título: Arrancada social
Autor: Bancillon, Deco
Fonte: Correio Braziliense, 02/01/2010, Economia, p. 10

Sua Agenda,Sr Presidente

A ascensão de 19,3 milhões de brasileiros que viviam abaixo da linha da pobreza impõe mudanças no debate econômico Eliene Xavier de Oliveira está reformando a casa com ajuda do Bolsa Família

Independentemente da plataforma de governo a ser adotada pelo presidente eleito em 2010, o compromisso com a redução das distorções sociais ainda estará no cerne das discussões dos próximos quatro anos. O fim de proposições liberais de um Estado menos intervencionista será a condicionante para o rompimento da barreira do assistencialismo pela política social, que assegurará um debate centrado em estratégias para que o país garanta um crescimento sustentado. ¿O Brasil precisa consolidar sua estrutura social e criar um aparato que permita avanços. E isso vai além da escolha de um candidato. É um projeto de país para o longo prazo¿, reflete o economista Jorge Abraão de Castro, diretor de Estudos Sociais do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA).

Desde o início da década, ocorre de forma peremptória uma diminuição das desigualdades, resultado de políticas de distribuição de renda que tiveram consonância com o fortalecimento do mercado doméstico. A consequência foi um país mais resistente a choques externos. E uma nova vertente para o debate sobre desigualdades e inclusão social. ¿A grande conquista deste governo foi enxergar que a dívida social que temos no Brasil é, na verdade, uma oportunidade de desenvolvimento para o país; de enxergar como investimento o gasto social, e conciliá-lo com a inclusão¿, diz o presidente nacional do Partido dos Trabalhadores (PT), deputado federal Ricardo Berzoini (PT-SP).

Entre 2003 e 2008, o contingente de brasileiros que venceu a linha da miséria foi de 19,3 milhões de pessoas. No mesmo período, outros 32 milhões, ou o equivalente a 80% da população do estado de São Paulo, ascenderam socialmente no país. Foram, em sua maioria, pessoas que deixaram a condição de pobreza e que passaram a integrar o mercado de consumo. ¿Foi um fator que veio à tona com a crise. Mas que, muito antes disso, já vinha surtindo efeito na economia¿, ressalta o economista Rogério César de Souza, do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (IEDI).

Diarista É o caso da cozinheira Eliene Xavier de Oliveira, que há 21 anos migrou do interior da Bahia para tentar melhorar de vida no Distrito Federal. Ela recorda do começo difícil, em que morou de favor na casa de irmãos em Ceilândia, e do dia em que fincou pé em lugar chamado Vila Estrutural, aglutinação de casas e barracos distante cerca de 15 km do centro de Brasília. Eliene diz que, se contasse apenas com o salário de diarista, não teria sido possível sustentar quatro filhos e construir seu barraco com laje e garagem. Nem cultivar sonhos, como o de ampliar a casa e o de voltar a estudar ¿ o que se tornou possível graças ao salário fixo de R$ 728, que recebe pelo trabalho de merendeira em uma escola pública do Plano Piloto.

¿Já gastei R$ 6,5 mil na obra, mas ainda faltam R$ 13,5 mil para terminar tudo. Mas não tenho pressa. Estou comprando os materiais aos pouquinhos. E pagando à vista¿, avisa. Eliene é beneficiária de programas sociais há pelo menos 10 anos. Recebia, até maio, R$ 240 por dois programas. Hoje, ganha a metade disso apenas com o Bolsa Família. ¿Quando eu não tinha ajuda do governo, faltavam até roupas para os meus filhos. Esse dinheiro era o que segurava a minha renda quando me faltava serviço.¿

Novo paradigma

Apesar de constituir um estímulo importante de renda, nem todos os brasileiros que se beneficiam de programas sociais conseguem ascender socialmente. ¿Somente o Bolsa Família não é suficiente para dar mobilidade social ao país. E a prova disso é que, das 11 milhões de famílias assistidas pelo programa, apenas um milhão delas venceu a linha da pobreza¿, contrapõe o deputado federal Luiz Paulo Vellozo Lucas (PSDB-ES), presidente do Instituto Teotônio Vilela. Em oito anos , os repasses do governo federal para a área social mais do que quadruplicaram no país, saltando de R$ 7,2 bilhões, em 2002, para R$ 32,9 bilhões em 2009. Em período semelhante, de 2003 a 2009, o número de famílias atendidas pelo Bolsa Família mais do que triplicou, para 12 milhões de pessoas.

Todos esses números se mostraram importantes para garantir a solidez do país em meio à mais grave crise financeira desde 1929. E fizeram com que o paradigma do gasto social ganhasse nova conotação no Brasil. Cada vez mais, críticas acerca do descontrole fiscal darão lugar a discussões sobre qual será o melhor modelo de ascensão social para o país, se por meio de programas de inclusão do Estado ou por incentivos à geração de empregos, que tendem a surtir efeito direto na massa salarial. O desafio ao próximo presidente é dar sequência a esses avanços. Entre 2001 e 2008, a renda por integrante de família dos 10% mais pobres no Brasil avançou 72%. Em igual período, a expansão de renda dos 10% mais ricos foi 6,5 vezes menor, de 11,1%.

Miseráveis Desde 2003, a renda média com trabalho avançou 5,2% ao ano no país. Mantendo a média de crescimento social e econômico que o país teve entre 2003 e 2008, em cinco anos, o Brasil conseguirá reduzir a pobreza pela metade. avalia o pesquisador Marcelo Neri, chefe do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getulio Vargas (FGV). ¿A proporção de miseráveis, hoje, é de 16,2% da população total. Mas, atacando os problemas sociais e corrigindo distorções, poderíamos chegar em 2015 com uma pobreza em torno de 8,1% da população total¿, diz. (DB)

Atacando os problemas sociais e corrigindo distorções, poderíamos chegar em 2015 com uma pobreza em torno de 8,1% da população total¿

Marcelo Neri, chefe do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getulio Vargas