Título: Por bem ou na marra
Autor: Queiroz, Silvio
Fonte: Correio Braziliense, 02/01/2010, Mundo, p. 14

Em ano de eleições para a presidência e o Congresso, governo e oposição discutem se o caminho para libertar os reféns da guerrilha é o resgate militar ou a negociação de uma troca de prisioneiros

Dialogar ou apenas continuar combatendo será possivelmente a questão central sobre a qual candidatos e eleitores se debruçarão nos próximos meses na Colômbia. Em março, o país renova o Congresso, e em maio escolhe um sucessor para o presidente Álvaro Uribe ¿ ou, caso a Constituição seja emendada, pode confirmá-lo para o terceiro mandato. Desde que chegou à Casa de Nariño, em 2002, Uribe escalou os cumes da popularidade com sua política de Segurança Democrática, estratégia de guerra total contra as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc). Mas o sequestro seguido de assassinato do governador de um departamento (estado) do sul do país, às vésperas do Natal, serviu para corroborar os questionamentos de um setor da oposição que insiste na urgência de capitalizar os êxitos militares do Estado recolocando sobre a mesa a opção de uma saída política para meio século de conflito interno.

Em julho de 2008, o presidente chegou perto da unanimidade depois do espetacular resgate de Ingrid Betancourt, ex-candidata à presidência, sequestrada seis anos antes. Nos meses anteriores, as Farc haviam perdido seu fundador e líder histórico, Manuel ¿Tirofijo¿ Marulanda, morto aos 80 anos, e dois outros integrantes do alto comando. Comandantes militares e analistas davam o conflito por vencido. Mas a ressurgência da guerrilha, em especial em um arco que se estende de sudeste a sudoeste (veja mapa) não é a única pedra no sapato do uribismo.

Nos últimos dias de 2009, o prefeito em exercício do segundo maior centro urbano, Medellín, lançou a ideia de instalar uma base do Exército em um setor particularmente vulnerável das comunas ¿ bairros populares ¿ incrustados nas montanhas que circundam a cidade. Na semana anterior, bandos ligados ao narcotráfico haviam ordenado aos moradores que deixassem suas casas, em meio a uma guerra travada com fuzis automáticos e metralhadoras. Medellín, sinônimo de violência impune nos anos 1980 e 1990, não assistia a nada semelhante desde o fim de 2002, quando as tropas combateram por uma semana até expulsar das comunas as milícias das Farc e seus adversários, os paramilitares de extrema direita. O ano passado terminou com uma taxa de 70 homicídios por 100 mil habitantes, ainda distante dos patamares históricos, mas equiparada ao índice registrado em 2003.

Acordo humanitário O desfecho trágico do sequestro do governador de Caquetá, Luis Francisco Cuéllar, recolocou na agenda das campanhas eleitorais o tema dos reféns da guerrilha, que mantém em seu poder cerca de 20 militares e policiais. Assim como Ingrid Betancourt e outros políticos, eles representam para as Farc a moeda de troca por centenas de guerrilheiros presos. Uribe, porém, descarta a opção de negociar um acordo humanitário e insiste em libertar os cativos pela via militar. ¿Foi o maior erro que se podia cometer¿, disse Luis Eladio Pérez, um ex-congressista libertado do cativeiro em 2008, comentando a morte do governador. Em março, Pérez e outros ex-reféns disputarão cadeiras no Congresso ¿ quase todos sob o compromisso de colocar a troca de prisioneiros no topo da agenda política.

O debate invadirá inevitavelmente a campanha presidencial, especialmente se não prosperar a emenda da segunda reeleição.(1) Se o presidente é considerado imbatível, o mesmo não vale para seu favorito a disputar o cargo, o ex-ministro da Defesa Juan Manuel Santos. Numa disputa com Santos, aumentam as chances da oposição, seja com o liberal Rafael Pardo ou com o esquerdista Gustavo Petro. Este último, que integrou a guerrilha do M-19 e foi um dos artífices de sua desmobilização, em 1991, sustenta que os bons resultados da Segurança Democrática colocam o Estado em posição de vantagem. De olho nas chances eleitorais, Petro trata de descartar concessões aos rebeldes e coloca a questão em termos de prioridade humanitária: ¿Até aqui, o que ambos os lados fizeram foi desumanizar os reféns e transformá-los em objeto de troca. Isso tem que mudar¿.

1 - Batalha legal Está nas mãos da Suprema Corte o destino político de Álvaro Uribe. Depois de inúmeras batalhas, a maioria governista aprovou no Congresso o projeto de convocar um referendo sobre a emenda que permitiria ao presidente disputar o terceiro mandato consecutivo. Em 2006, quando deu aval à primeira reeleição, o Judiciário fixou dois períodos como limite.

Bancada saída do cativeiro

Clara Rojas Ex-deputada, disputará o Senado pelo Partido Liberal, ao qual retorna depois de ter criado o Partido Verde nos anos 1990, com a amiga Ingrid Betancourt ¿ hoje desafeta. Capturada com Ingrid, em fevereiro de 2002, teve um filho em cativeiro e foi libertada pelas Farc em janeiro de 2008.

Michel Euler/AP Photo - 18/3/08

Luis Eladio Pérez Ex-senador liberal, tenta voltar pela nova legenda Compromisso Cidadão. Foi libertado no mesmo grupo de Clara, depois de seis anos cativo, e vinculou-se aos Colombianos pela Paz, movimento da sociedade civil que intercede entre as Farc e o governo pela libertação de todos os reféns.

Jorge Eduardo Gechem Era senador quando seu sequestro, em fevereiro de 2002, pôs fim ao processo de paz entre as Farc e o governo do presidente Andrés Pastrana. Tenta recuperar a cadeira, agora pelo Partido da U (de ¿unidade¿), alinhado com o presidente Álvaro Uribe.

Fernando Vergara/AP Photo - 18/6/08

Consuelo González Tenta retornar à Câmara, onde ocupava uma cadeira pelo liberalismo quando foi capturada pela guerrilha, em 2001. Foi libertada no grupo de Clara Rojas e Luis Eladio Pérez.

Gregorio Marrero/AP Photo - 28/4/08

Orlando Beltrán Outro político liberal que tenta voltar ao Congresso, depois de ter passado seis anos em poder das Farc.

Sigifredo López Único a sobreviver entre os 12 deputados regionais raptados por um comando rebelde em plena Assembleia do Vale do Cauca, em Cali, em abril de 2002. Os demais foram mortos no início de 2008 ¿ segundo o governo, executados pelos captores. Tenta se eleger deputado nacional pelo liberalismo.

Dolores Ochoa/AP Photo - 5/2/09

Gustavo Moncayo Pai do soldado Pablo Moncayo, refém das Farc há 12 anos, cruzou a Colômbia em caminhada para sensibilizar governo e rebeldes a fecharem um acordo humanitário. Decidiu se candidatar ao Senado pelo Polo Democrático, que agrupa a esquerda civil.

Ivan Cepeda Filho de Manuel Cepeda, congressista da União Patriótica, legenda lançada pelas Farc durante o processo de paz de 1984-1986. O pai foi assassinado por paramilitares e dá nome à frente urbana da guerrilha que atua em Cali. O filho disputa uma cadeira na Câmara pelo Polo Democrático.