Título: Vendas equilibradas
Autor: Bancillon, Deco
Fonte: Correio Braziliense, 05/01/2010, Economia, p. 8

Desafio de longo prazo para futuros governantes do Brasil é ampliar a participação das exportações de produtos mais caros

A crise que tomou de assalto economias em todo o mundo pintou um novo quadro para o comércio exterior, incluindo o do Brasil. Mercados que antes tinham o país como importante parceiro comercial passaram a buscar opções mais baratas, como a Índia e a China. Os primeiros a rumarem nessa direção vieram de fronteiras sul-americanas, que tentavam emergir diante de um cenário de iminente falta de recursos. Na sequência, foram seguidos por nações como o México e, inevitavelmente, os Estados Unidos. O resultado foi uma queda de 22,2% das exportações totais brasileiras em 2009 e um tombo de 0,2% do superavit comercial, o mais baixo resultado em sete anos e o pior saldo para o governo Lula.

A recessão que foi a tônica em 2009, contudo, não deve se repetir em 2010, ano em que as economias deverão crescer acima de 3%. Mas há um movimento que se caracterizou ano passado que deverá prosseguir pelo futuro próximo: o da perda de participação da indústria brasileira na pauta de exportações. Desde meados da década de 1990, percebe-se uma diminuição da parcela de produtos industrializados nas vendas externas. Essa relação, que já chegou a bater em 60,8% em 1993, despencou para 52,4% em 2007. Em 2009, chegou a 43,7%. E ainda pode piorar.

Levando-se em conta a participação de bens que sofrem algum processamento industrial, mas que têm relação muito próxima com as commodities (produtos com cotação internacional), como é o caso dos produtos metalúrgicos e derivados de petróleo, essa relação fica ainda pior. As commodities saltam para 65% das exportações totais, conforme lembra o economista Octávio de Barros, chefe do Departamento Econômico do Bradesco. Ele atribui o ganho de participação dos básicos nas exportações à forte expansão da demanda mundial por commodities nos últimos anos, sobretudo ao consumo da China, país que, em virtude da crise global, tornou-se o principal mercado consumidor de produtos brasileiros neste ano, superando os EUA. E diz que, no momento, a concentração da pauta desses produtos pode ser vista como algo positivo, já que o aumento de vendas para o mercado chinês impediu uma queda ainda maior das exportações brasileiras.

Ainda que a China tivesse sustentado parte das exportações brasileiras, o comércio externo acabou se mostrando uma variável de preocupação para a equipe econômica do governo. O saldo comercial, resultado das vendas menos as compras internacionais, tem caído mês a mês, devido a um rearranjo do cenário externo e o fortalecimento da moeda brasileira. Com isso, o superavit na balança caiu pela metade, de US$ 3,638 bilhões em dezembro de 2008 para US$ 1,435 bilhão um ano depois, no último mês de 2009. Esse resultado foi cunhado, em grande parte, devido à perda de valor das exportações, em razão de uma maior concentração de produtos como soja, café e minério na pauta.

Câmbio O economista Bernardo Wjuniski, da Tendências consultoria, diz que esse cenário deve se repetir nos próximos anos, configurando-se em um novo desafio ao próximo presidente a assumir o país. ¿Isso é estrutural, e deve prosseguir, já que há uma disposição natural para a produção de matérias-primas, uma vez que a taxa de câmbio tende a inviabilizar vendas de maior valor agregado, como carros, máquinas e equipamentos (bens de capital)¿, observa. A seu ver, à medida em que o país evolua no campo econômico, existe uma tendência natural de que a taxa de câmbio continue apreciada. E isso se constitui em fator determinante para que a balança continue forte em produtos básicos.

Mas não deveria ser, uma vez que a trajetória do câmbio não é o que determina o sucesso ou não da indústria exportadora, diz o economista-chefe do banco português BES Investimento, Jankiel Santos. ¿Em meados de outubro, o governo taxou em 2% o capital estrangeiro, justificando que a medida era para proteger o setor exportador. Isso é bastante emblemático. Afinal, com o câmbio, o empresário sabe se virar bem, uma vez que dispõe de inúmeros mecanismos para se precaver de oscilações. Agora, ele não sabe conviver é com fatores que tornam nosso produto mais caro, como uma infraestrutura ineficiente e um sistema tributário pesado¿, avalia.

Barros, do Bradesco, completa: ¿No caso específico da taxa de câmbio, temos os dois lados da moeda. Se por um lado, a apreciação reduz a rentabilidade do setor exportador e aumenta as importações em geral, por outro, traz benefícios em termos de barateamento das compras de máquinas e equipamentos importados e atenua as pressões inflacionárias. Se câmbio resolvesse todos os problemas, a indústria argentina seria mais completa e competitiva do que a nossa, o que reconhecidamente não é o caso¿.

Ex-secretário de política Econômica do Ministério da Fazenda, o economista Julio Gomes de Almeida reflete que o câmbio é, sim, um problema, e que o principal prejudicado dessa valorização da moeda é o setor produtivo. Também diz que um país que busca se consolidar no mercado externo tem que ser forte tanto em exportações de commodities quanto de produtos industrializados, o que pede um cenário de maior previsibilidade interna e melhora em questões de competitividade. ¿Temos capacitação para sermos exportadores de industrializados e de básicos. E é bom que sejamos os dois. Porque tem momentos que é melhor ser exportador de manufaturados, como agora, em que as exportações foram sacrificadas. Em todo caso, tínhamos os básicos para sustentar nossas exportações. Amanhã, pode ser o contrário¿, pondera.