Título: Rota para o avanço
Autor: Bancillon, Deco
Fonte: Correio Braziliense, 06/01/2010, Economia, p. 8

Após crise, a retomada do crescimento ressuscita o velho problema da falta de infraestrutura viária e nos portos no país

País fora dos trilhos: dos 29 mil km de ferrovias, apenas 10 mil são efetivamente utilizados. Maior parte da malha tem mais de 50 anos

Os desafios para o Brasil se tornar uma potência econômica nos próximos anos vão além de uma inigualável habilidade nos gramados de futebol. É preciso planejamento e agilidade para tocar as obras necessárias. E colocar o país nos trilhos. A insegurança e a instabilidade econômica, que historicamente ditaram o debate político e eleitoral, não existem mais. E é chegada a hora de corrigir distorções e de desatar nós que, por diversas vezes, postergaram o progresso brasileiro.

O sonho de integrar o interior e o litoral do país por ferrovias nunca se concretizou. Os 29 mil km de estradas de ferro em operação hoje foram construídos, em sua maioria, entre 1850 e 1930. E correspondem a 76,3% da malha existente 50 anos atrás, na década de 1960. Pior que isso: ¿A malha que é utilizada, de fato, se restringe a 10 mil km de ferrovias. O restante são trechos antigos, do século 19, que não estão mais em operação¿, constata o diretor-geral da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), Bernardo Figueiredo. Ele lembra que, quando o Brasil teve dinheiro para fortalecer sua malha ferroviária, o moderno era investir em rodovias.

Mas não foi exatamente o que aconteceu, conforme mostra estudo recente da Confederação Nacional do Transporte (CNT). ¿Apesar da importância das rodovias para o país, observou-se ao longo do tempo uma queda dos investimentos públicos, mesmo tendo ocorrido uma leve recuperação nos últimos anos.¿ Criou-se um hiato entre a oferta de rodovias e a crescente demanda nas últimas décadas. ¿Não houve expansão significativa da malha rodoviária e nem melhora na qualidade das vias, enquanto a frota de veículos e a movimentação rodoviária de carga e passageiros cresceram fortemente nos últimos anos¿, conclui a CNT.

Entre 2004 e 2008, a frota brasileira de veículos cresceu, em média, 8,1% ao ano. Em um período semelhante, entre 2005 e 2009, observou-se expansão da malha viária em torno de 1,3% ao ano, ritmo 6,2 vezes menor que o da frota. Isso se deveu, sobretudo, ao processo de desinvestimento do Estado. Em meados da década de 1970, o gasto do setor público no sistema rodoviário correspondia a 1,82% do total de bens e serviços produzidos no país, o Produto Interno Bruto (PIB). Em 1981, essa taxa caiu a 1,03% do PIB, chegando a bater em 0,09% em 2002, e em 0,22% em 2008.

A conta é simples: mais carros e menos estradas resultam no aumento dos gargalos operacionais. Em bom português, engarrafamentos homéricos. ¿Há oito anos, em 2002, cerca de 80% do espaço viário era utilizado pelos automóveis, que transportavam 20% da população. Enquanto isso, 20% do espaço eram utilizados pelos ônibus, que transportavam 80% das pessoas. Hoje, esse número deve ter até piorado, porque a situação só tende a se agravar¿, observa o diretor-superintendente da Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU), Marcos Bicalho.

Investimento

Para os especialistas, chegou a hora de rever esse quadro. ¿Um ponto decisivo da agenda de competitividade é a questão da infraestrutura, que é cara e ineficiente em nosso país. Nossas estradas são esburacadas, os portos são ineficientes e a energia elétrica é muito cara. O PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) representou uma mudança para que o Brasil evolua. Mas precisamos apressar esse processo¿, advertiu o economista e ex-secretário de política Econômica do Ministério da Fazenda e professor da Universidade de Campinas (Unicamp), Júlio Gomes de Almeida.

O economista-chefe do banco Bradesco, Octávio de Barros, diz que a simples discussão do assunto já mostra que este é um novo momento para o país. Mas destaca que é necessário avançar em reformas estruturais. ¿À medida que o Brasil foi conquistando maior previsibilidade macroeconômica, várias ineficiências e distorções foram ficando visíveis. Assim, vários outros temas ficaram pendentes, como a infraestrutura deficitária, a complexidade do sistema tributário, a baixa qualidade da educação e a ausência de um Estado mais ágil e eficiente.¿