Título: E a Câmara fez ainda pior...
Autor: Brito, Ricardo
Fonte: Correio Braziliense, 08/01/2010, Política, p. 2

Gastos com horas extras na Casa aumentam 54,75% entre 2008 e 2009, superando despesas no Senado. No total, funcionários do Legislativo receberam R$ 144,3 milhões do adicional

Corredor da Câmara dos Deputados: R$ 56,7 milhões em horas extras apenas no ano passado

A Câmara dos Deputados bateu dois recordes em 2009. Votou mais proposições em plenário desde o começo da década e superou o Senado na farra das horas extras. Entre 2008 e o ano passado, a Casa aumentou em mais R$ 20 milhões os gastos com o pagamento de horas extras a servidores efetivos e funcionários comissionados. Em 2008, foram pagos R$ 36,6 milhões com o adicional. Em 2009, pulou para R$ 56,7 milhões ¿ um aumento de 54,75% no período. Desde 2003 a Câmara já bancou R$ 391 milhões com serviços extraordinários.

Não bastasse o aumento, a Câmara tentou maquiar os astronômicos valores. No final da tarde de ontem, apresentou um balanço das horas extras restritas ao plenário. Pela conta, a Casa gastou R$ 44 milhões ano passado ante R$ 27,4 milhões em 2008. A Secretaria de Comunicação da Câmara afirmou ao Correio que a cifra divulgada não leva em conta os gastos adicionais com funcionários de comissões e outros serviços de apoio à atividade parlamentar, como o atendimento médico.

A Casa tem um sistema diferente de pagamento de horas extras em relação ao do Senado. Mais flexível na Câmara, o funcionário que atende aos deputados ganha o bônus assim que o trabalho ultrapassa as 19h. Nos últimos dias de votação antes de entrar em recesso parlamentar, servidores de apoio ao plenário comemoravam quando os parlamentares se estendiam nas discussões do pré-sal e do Orçamento. Cada trabalhador, porém, só pode receber duas horas diárias do adicional. No Senado, onde o primeiro-secretário, Heráclito Fortes (DEM-PI), classificou o controle da despesa de ¿bagunça¿, o servidor precisa bater ponto ¿ na Casa, o aumento de horas extras, entre 2008 e 2009, foi de R$ 83,9 milhões para R$ 87,6 milhões, cerca de R$ 3,7 milhões a mais.

Para o primeiro-secretário da Câmara, Rafael Guerra (PSDB-MG), o aumento das horas extras deveu-se ao número maior de matérias aprovadas em plenário. ¿Sem dúvida nenhuma, foi por causa da produção legislativa¿, disse Guerra. Em todo o ano, foram aprovadas 230 proposições, maior votação desde 2001. O crescimento acompanhou o menor número de medidas provisórias, de 51 em 2008 para 26, ano passado. Segundo Guerra, a mudança ocorreu graças à interpretação do presidente da Câmara, Michel Temer (PMDB-SP), sobre tramitação de medidas provisórias. Temer liberou a votação de determinadas proposições, apesar do trancamento de pauta das MPs. A medida levou a Casa a aprovar mais projetos dos parlamentares do que do Executivo, feito que não ocorria desde o início da década.

Sinuca A interpretação de Temer, porém, levou as sessões a se estenderem noite adentro. Em 2008, foram 52 sessões extraordinárias, que começam após as 19h. Ano passado, 74. O líder do PMDB na Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), reconhece que o novo entendimento aumentou o trabalho da Casa. ¿Com isso a Câmara produziu muito mais ideias. A princípio o governo não gostou, mas (a mudança na tramitação) provou ser bom para o país¿, sustenta. O peemedebista também acusa a oposição de, ao dificultar com base no regimento as discussões, contribuir indiretamente com a elevação dos gastos com horas extras. ¿Foram muitos pretextos para obstruir a votação do pré-sal. A oposição adotou uma prática, correta, de obstruir os trabalhos¿, criticou.

Para o líder do DEM na Câmara, Ronaldo Caiado (GO), contudo, o grande número de matérias polêmicas em pauta ano passado colaborou para o aumento de despesas com horas extras. ¿O ano anterior (2008) foi de eleição municipal e poucas foram as matérias polemizadas. Foi um ano bem político¿, afirmou o democrata.

Os deputados estão numa sinuca de bico. A possibilidade de antecipar as votações em plenário, pondera Caiado, não é uma boa alternativa para diminuir as despesas. ¿Isso mataria o trabalho nas comissões. O Congresso Nacional gira em torno do trabalho delas¿, disse o líder do DEM. ¿É difícil controlar a pauta¿, avalia Rafael Guerra, ao ressaltar que nem mesmo a implantação do ponto(1) eletrônico na Câmara, previsto para fevereiro, deve mudar essa realidade. Contactado em seu escritório em São Paulo, Temer não retornou as ligações feitas pela reportagem.

1 - Digital Os servidores e funcionários comissionados da Câmara que trabalham em Brasília terão uma surpresa em fevereiro, quando voltarem ao trabalho: o ponto eletrônico com reconhecimento por meio de digital. Ao custo de R$ 2,3 milhões, uma empresa de São Paulo foi contratada para implementar todo o sistema de registro de frequência dos trabalhadores ¿ uma promessa do presidente da Câmara, Michel Temer (PMDB-SP), de abril do ano passado, após uma série de reportagens do Correio que revelou a existência de funcionários-fantasmas na Casa.

O primeiro-secretário, Rafael Guerra (PSDB-MG), aposta numa redução dos gastos com horas extras com o novo controle de entrada. Mas pequena. Só se houver fraudes, afirmou Guerra.

Colaborou Flávia Foreque