Título: Reação isolada no Senado
Autor: Foreque, Flávia; Pariz, Tiago
Fonte: Correio Braziliense, 08/01/2010, Política, p. 3

Com um gesto individual, Demostenes Torres pretende chamar integrantes da CCJ para fazer uma devassa nas contas da Casa

Demostenes (D), da CCJ: ¿Do jeito que está, a cada dia somos surpreendidos por algo novo no Senado¿

O presidente da Comissão de Constituição e Justiça, Demostenes Torres (DEM-GO), disse que pretende formar um grupo de parlamentares para fazer uma devassa nas contas do Senado. O objetivo é evitar que eles sejam surpreendidos pelos seguidos escândalos de farra com o dinheiro público, como a que permitiu o uso da cota aérea acumulada(1) em 2009 em viagens durante o período de campanha eleitoral este ano.

Demostenes quer convidar os senadores Francisco Dornelles (PP-RJ), Tasso Jereissati (PSDB-CE), Pedro Simon (PMDB-RS), Eduardo Suplicy (PT-SP) e o líder do PT, Aloizio Mercadante (PT-SP), todos titulares da comissão. ¿Do jeito que está, a cada dia nós somos surpreendidos por algo novo¿, afirmou Demostenes. Ele já tinha previsto criar uma comissão similar no final do ano passado para analisar a reforma administrativa.

O problema é que medidas anunciadas para combater as irregularidades na Casa são sempre reativas e demoram a sair do papel. A reforma administrativa do Senado, por exemplo, sequer está em vigor. Contratada por R$250 mil para cumprir a tarefa, a Fundação Getulio Vargas apresentou três propostas da reforma. Mesmo numa ideia para moralizar, o Senado tentou encontrar uma brecha para aumentar despesas. A última versão das mudanças apareceu com 1.200 funções comissionadas, o triplo do original.

Essa tentativa de moralização ainda depende de transparência, na avaliação de senadores. Esse é um fator, por exemplo, que levou o senador Renato Casagrande (PSB-ES), presidente da Comissão de Fiscalização e Controle, a demonstrar ceticismo com uma profunda mudança no Senado. Segundo ele, só a pressão da opinião pública pode alterar o rumo da Casa. A burocracia do Legislativo, a falta de compromisso dos parlamentares e a pressão dos servidores são fatores que dificultam maior controle dos gastos, ponderou o senador.

Os próprios senadores demonstram pouca vontade até com a proposta da CCJ. O segundo secretário do Senado, João Vicente Claudino (PTB-PI), disse que a Comissão terá seu foco desviado. ¿É um erro colocar uma função administrativa e tirar a função primordial dela, que é a análise constitucional¿, disse.

Não bastasse a má vontade com a iniciativa, há senadores que enxergam no mais recente escândalo um ¿suspiro da crise¿, como disse o senador capixaba. Esse novo desgaste com a opinião pública, avaliou, terá pouco efeito prático no ano eleitoral. ¿Isso mostra o quanto o Senado ainda tem que mudar, porque a renovação da validade dos créditos não tem quase efeito nenhum.¿

Nessa tentativa de minimizar o escândalo, os senadores chegam a apelar. Admitem até que Brasília ficará às moscas durante a campanha eleitoral. O senador Álvaro Dias (PSDB-PR) disse que haverá uma queda dos gastos com passagens em 2010. Isso porque os candidatos à reeleição no Senado estarão empenhados em garantir votos na base eleitoral e farão menos viagens à capital federal para o trabalho legislativo. ¿A utilização acaba sendo menor porque vamos ter parlamentares em campanha que vão fazer menos viagens a Brasília¿, disse o tucano. Ele esqueceu, no entanto, que a cota aérea pode ser usada em qualquer trecho, desde que se apresente como ¿desculpa¿ a tarefa parlamentar.

1 - Trechos Os senadores têm direito a uma verba aérea que corresponde a cinco trechos para ir da capital do estado de origem a Brasília e voltar. Por ano, são 60 bilhetes. O Senado divulgou que o total gasto pelos senadores com passagem em 2009 foi R$ 9,4 milhões. Levantamento do Correio no sistema de acompanhamento de gastos do Senado mostra que com todas as passagens nacionais, não só a despesa com os parlamentares, o gasto foi de R$ 12,5 milhões, em 2009.

E EU COM ISSO O novo escândalo no Senado mostra como é mal tratado o dinheiro público pelos parlamentares. A partir de impostos, você paga para que o Congresso funcione e deveria receber em troca um serviço de qualidade do Congresso. Mas ocorre o contrário. Em ano eleitoral, a principal preocupação dos parlamentares é a campanha ¿ a votação de matérias relevantes fica em segundo plano.

Surpresa política

A decisão que deu aos senadores cota extra de passagem aérea durante o ano eleitoral foi tomada sem o conhecimento de parte da Casa. A medida surpreendeu até integrantes da Mesa Diretora que se preparavam para devolver aos cofres públicos a sobra de 2009. O senador João Vicente Claudino (PTB-PI), segundo-secretário do Senado, disse que tomou conhecimento da medida depois que tentou devolver os créditos. ¿Quando tentei devolver o meu saldo, fui informado da prorrogação¿, disse o petebista. Segundo ele, outros senadores também encaminharam à sua secretaria solicitação de cancelamento do crédito.

Os senadores que não sabiam da decisão a classificaram de desnecessária sob argumento de que as restrições ao uso dos bilhetes tornaram parte da cota supérflua. Antes de abril do ano passado os parlamentares poderiam oferecer passagens sem qualquer controle. Prefeitos, vereadores, sogras, mulheres, namoradas, atores e amigos recebiam passagens .

Para acabar com a farra, a Câmara e o Senado uniram esforços e criaram restrições. Permissão apenas ao parlamentar e a assessores dentro do território nacional e fim do acúmulo de crédito. Mas a decisão, no apagar das luzes do Senado, anulou parte desse ato e permitiu o uso da cota dos anos anteriores em 2010.