Título: Você viu alguma destas pessoas?
Autor: Mariz, Renata; Seixas, Luiza
Fonte: Correio Braziliense, 08/01/2010, Brasil, p. 6

Cadastro nacional que permitirá o cruzamento de dados em todos os estados anima pais que estão em busca dos filhos. Apesar das delegacias especializadas, a ação policial é um dos pontos mais criticados por especialistas

Jersino, pai de Michele, desaparecida em 2006: ¿O novo cadastro vai facilitar as buscas nos outros estados¿

Um gigantesco drama social, o desaparecimento de aproximadamente 40 mil crianças e adolescentes no Brasil, segundo estimativas traçadas pelo governo federal e entidades ligadas ao assunto, poderá ser combatido mais efetivamente a partir deste ano. Uma lei sancionada no mês passado, que cria um cadastro nacional obrigatório dos casos, tem sido comemorada por especialistas, pais e policiais da área. Espera-se, com o novo banco de dados, que as informações sejam compartilhadas nacionalmente com muita rapidez. Ninguém sabe, ao certo, quantas, das cerca de 110 famílias que passam por essa tragédia diariamente, conseguem ver os filhos de novo. No Distrito Federal, 70% dos desaparecidos são localizados, mas casos de meninas adolescentes que fogem por conta de relações homossexuais têm crescido muito na capital.

¿É uma tendência que estamos observando. Primeiro, o aumento de ocorrências com meninas, cerca de 70% do total, muitas delas fugindo da família para se relacionarem com outras meninas¿, conta Cleigue Medeiros, chefe da Seção de Investigação de Crianças e Adolescentes Desaparecidos (Sicad) da Polícia Civil do DF, que contabiliza uma média de 110 casos por mês somando todas as regiões administrativas. Cerca de 70% referem-se a fugas. ¿Nessa situação, é importante verificar o motivo da criança ou adolescente ter abandonado o lar. Muitas vezes descobrimos que se trata de maus-tratos, abuso sexual, entre outros problemas. Então acionamos o conselho tutelar e o Judiciário para garantir que essa criança não volte para o local de risco, e iniciamos a investigação do suposto crime que estavam cometendo contra ela¿, explica a delegada Alessandra Figueiredo, da Delegacia Especial de Proteção à Criança e ao Adolescente (DPCA).

Apesar da criação de delegacias especializadas em infância e juventude, a ação policial no caso de desaparecimento é um dos pontos mais criticados por quem lida com o assunto. ¿Falta treinamento aos agentes, que, desde o momento do registro da ocorrência, já podem adotar determinados procedimentos para ajudar nas buscas. Mas não é isso o que ocorre. Muitas vezes os casos não recebem a devida prioridade¿, reclama Bel Mesquita (PMDB-PA), presidente da CPI das Crianças Desaparecidas, que teve início no ano passado e continuará os trabalhos em 2010. Ela destaca ter ouvido, de especialistas que foram à comissão, em audiências públicas, que as primeiras horas são as mais importantes. ¿Não dá para esperar dois dias para começar a investigação.¿ A delegada Alessandra, da DPCA, concorda, desmistificando a crença de que é necessário um tempo prévio ¿ 24 ou 48 horas ¿ para alguém ser considerado desaparecido.

Desistir jamais O Serviço de Investigação de Crianças Desaparecidas (Sicride), localizado em Curitiba (PR) e única delegacia do Brasil que trabalha exclusivamente nesses casos, é a prova de que a polícia dedicada dá resultado. Desde 1996, quando a unidade foi criada, das 1.500 ocorrências já recebidas em todo o Paraná, apenas 12 continuam sem elucidação. ¿Atualmente, no estado, temos esses 12 desaparecidos, casos ocorridos depois de o Sicride ser inaugurado, com mais 12 de antes, totalizando 24 crianças não localizadas¿, explica a delegada-chefe Ana Cláudia Machado. Os agentes do Sicride trabalham com desaparecimento de pessoas de até 12 anos. Está na agenda da CPI na Câmara estudar melhor o funcionamento do serviço paranaense para, talvez, estimular outros estados a adotar o modelo. Ana Cláudia diz que o segredo está na dedicação exclusiva dos investigadores e também em convênios firmados com parceiros.

O cadastro obrigatório nacional de crianças e adolescentes desaparecidos, criado pela lei sancionada recentemente, ainda precisa passar por uma regulamentação para ser definido o seu funcionamento. Já existe no Brasil um serviço similar, administrado pela Secretaria Especial de Direitos Humanos, mas o registro da ocorrência nele é facultativo. A obrigatoriedade, na avaliação de especialistas, é a grande vantagem do novo banco de dados. ¿Além disso, poderá ser compartilhado entre polícias de vários estados, e os demais agentes da segurança pública e da assistência social também terão acesso¿, comemora Bel Mesquita, autora do projeto que deu origem à lei.

A criação do cadastro animou os pais que enfrentam o drama de ter perdido seus filhos. Jersino Bernardo da Conceição, por exemplo, pai de Michele de Jesus da Conceição, desaparecida em 7 de setembro de 2006, com 10 anos à época, acredita que com o novo sistema, as chances de reencontro vão aumentar. ¿Eu já distribui cartazes em todos os lugares movimentados, como mercados e paradas de ônibus, e se a Michele estivesse pelo Distrito Federal, a gente já teria encontrado. Então, o novo cadastro vai facilitar as buscas também nos outros estados¿, afirma Jersino.

Luzinete Oliveira da Silva, mãe de Gilvan Tomaz da Silva, 17 anos, que saiu para trabalhar no dia 13 de setembro de 2009 e não voltou mais para casa, costuma dizer que nunca vai desistir de encontrar o filho. Por isso, para ela, uma forma a mais de procurá-lo faz com que as esperanças aumentem. ¿Eu prefiro acreditar que ele não foi para fora do Distrito Federal, mas, se estiver em outro lugar, o cadastro vai facilitar a nossa busca. Até hoje, nós não tivemos nenhuma pista dele, não sabemos se está morto ou vivo, mas também não perdemos a esperança¿, conta.

No Distrito Federal, para ajudar na busca pelos desaparecidos, a Secretaria de Desenvolvimento Social e Transferência de Renda (Sedest), por meio de sua Coordenadoria de Ações Especiais, oferece serviço de prevenção e atenção aos casos de desaparecimento de crianças e adolescentes. O trabalho desenvolve ações como informações aos familiares ou responsáveis pelos desaparecidos, acompanhamento psicossocial dos familiares e divulgação dos casos e articulação com diversas entidades e órgãos para viabilização de buscas locais, nacionais e internacionais. O serviço funciona no Núcleo de Ações Integradas, localizado no antigo Touring Club. Informações: 32240257.

Leia dicas da Polícia Civil do DF sobre como evitar desaparecimentos

Sem pistas

Há casos intrigantes no Distrito Federal que, pelo tempo e pela complexidade, chamam a atenção de investigadores. Conheça alguns deles: Fotos: Viola Junior/Esp. CB/D.A Press - 30/12/09

Domingos de Araújo Gomes, Desaparecido desde 15/6/1996 Aos 10 anos, o menino simplesmente desapareceu. Uma tia fez a denúncia e a mãe do garoto afirmou à polícia que vendeu a criança para uma mulher em Luziânia. Há pouco tempo, um garoto que tem problemas mentais abrigado por religiosos em Luziânia chamou a atenção dos investigadores devido aos traços parecidos. Exames verificaram que o menino em questão tinha 17 anos, enquanto Domingos, hoje, caso não tenha morrido, está com 24.

Dandara Gonçalves Xavier, Desaparecida desde 26/8/2003 Quando tinha 15 anos, a menina saiu da casa onde morava com a família, na Estrutural, para procurar emprego de doméstica no Cruzeiro. Nunca mais voltou. Agentes da polícia esmiuçaram, por muito tempo, os anúncios de emprego nos jornais, onde Dandara teria visto a tal oferta de trabalho. Mas nunca conseguiram nenhuma informação sequer sobre a menina. Se estiver viva, está com 22 anos.

Elson Batista de Aniceto, Desaparecido desde 18/12/1972 Irmão gêmeo de Emerson, Elson desapareceu do berçário do Hospital São Vicente de Paula, em Taguatinga, menos de um mês depois do nascimento. Os pais pediram explicações aos diretores, na época, mas se sentiram ameaçados e não denunciaram. Só foram procurar a polícia há poucos anos, depois que um parente disse ter visto um garoto, dentro de um ônibus, parecidíssimo com Emerson, o irmão que se salvou, hoje com 37 anos.

Ranara Lorrane Alves de Melo, Desaparecida desde 25/11/2001 Tinha 11 anos quando desapareceu ao sair da casa da mãe, no Recanto das Emas, para Taguatinga Sul, de ônibus. O último a ver a garota foi um vendedor de balas. Segundo ele, Ranara passou pela banca dele, comprou umas balinhas e seguiu para o ponto do ônibus. A polícia interceptou telefones, fez diligências até em Fortaleza por conta de uma linha de investigação traçada, mas nada conseguiu descobrir. Se estiver viva, Ranara está com 19 anos.