Título: Passos muito lentos
Autor: Vaz, Lúcio
Fonte: Correio Braziliense, 10/01/2010, Política, p. 2

Dos R$ 2 bilhões já autorizados para o Programa de Aceleração do Crescimento da Funasa, o governo pagou R$ 354 milhões. Fundação pretende liberar R$ 1 bilhão ainda este ano, durante período eleitoral

Moradores de Itainópolis (PI), na Chapada do Araripe: projeto de abastecimento no papel e população sem água em casa

As obras do PAC-Fundação Nacional da Saúde (Funasa) começaram a andar, mas em ritmo lento. O Programa de Aceleração do Crescimento destinou R$ 2 bilhões para projetos de saneamento e melhorias habitacionais em pequenos municípios nos últimos dois anos, mas foram pagos apenas R$ 354 milhões. Neste ano, justamente no período eleitoral, a fundação espera saltar dos R$ 251 milhões pagos em 2009 para cerca de R$ 1 bilhão. É muito dinheiro, mas ainda está longe dos R$ 4 bilhões que seriam aplicados até o fim do governo Luiz Inácio Lula da Silva. Dinheiro não faltará. Além de R$ 1 bilhão previsto no Orçamento deste ano, haverá mais R$ 1,6 bilhão de ¿restos a pagar¿ não utilizados em anos anteriores.

A Funasa aponta as falhas nos projetos das prefeituras como causa do atraso nas obras. Os prefeitos afirmam que a culpa é da ¿burocracia¿ da fundação. Em julho do ano passado, o presidente da Funasa, Danilo Fortes, afirmou que estava havendo ¿uma pressão grande da Casa Civil¿ para que a execução das obras avançasse. A ministra chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, pré-candidata a presidente da República com o apoio de Lula, respondeu ameaçando retirar da fundação a coordenação de obras de saneamento nos pequenos municípios.

No primeiro ano de execução efetiva do PAC Funasa, foi autorizado R$ 1 bilhão no Orçamento da União, mas apenas R$ 103 milhões acabaram utilizados. Os dados sobre a execução orçamentária do PAC-Funasa foram feitos pela ONG Contas Abertas, a partir de números oficiais do Siafi (sistema que registra os gastos do governo federal). Faltavam projetos, planos de trabalho, licenças ambientais, posse de terrenos, e sobravam planilhas com sobrepreço. Em 687 casos, as prefeituras não tinham documentos que comprovassem a posse do terreno onde seria executada a obra.

A Funasa fez um esforço para corrigir as falhas nos projetos das prefeituras e acelerou a execução das obras a partir de setembro do ano passado, pagando R$ 130 milhões em quatro meses. A fundação informa que a maior parte dos R$ 251 milhões pagos em 2009 correspondem à primeira parcela das obras (20% do total). Assim, estaria garantido um investimento cinco vezes maior neste ano.

Burocracia Porto da Folha, no Sertão de Sergipe, não conta com rede de esgoto sanitário. Há dois anos, a prefeitura apresentou um projeto à Funasa, mas a obra ainda não saiu do papel. O prefeito Manoel Gomes (PT) é admirador incondicional de Lula, mas nem isso ajudou. ¿Até agora, não saiu o projeto. É a burocracia. Passa de um para outro e não anda. O nosso projeto é de R$ 4 milhões, mas eles querem fazer com R$ 2 milhões. Assim, não adianta¿, disse o prefeito na última quinta-feira. Mas ele comenta que já foram aprovadas as licitações para outros dois projetos, de abastecimento de água e melhorias sanitárias, no valor total de R$ 1 milhão. ¿As obras ficam prontas em maio¿, anunciou. Ele reconhece, porém, que as falhas não são apenas da Funasa: ¿As prefeituras realmente não têm equipe. Para fazer um projeto tem que ter engenheiro, arquiteto. Existe prefeitura que não tem nem técnico¿.

A prefeitura de Santa Cruz (PE), na Chapada do Araripe, tem R$ 4 milhões do PAC-Funasa para obras no município. Três delas, no valor total de R$ 2,7 milhões, ainda não começaram. ¿É a burocracia da Funasa. Nós já apresentamos os projetos¿, comenta a prefeita da cidade, Eliane Soares (PR). Questionada sobre a data em que apresentou os documentos, ela faz uma ressalva: ¿Foi agora em 2009. Na verdade, este projeto de R$ 2 milhões (para esgotamento sanitário) a gente teve um atraso na entrega¿.

Os 3 mil moradores da cidade receberão água da Adutora do Oeste, mas os 10 mil habitantes da zona rural continuam recebendo água em caminhões-pipa. Dois projetos de abastecimento, no valor de R$ 900 mil, que atenderiam o interior, também não saíram da prancheta. ¿Temos um grande problema de água no interior. Por isso, estamos dando uma prioridade maior a essa região com esses projetos¿, comentou a prefeita. Mas ela acrescentou que foram iniciadas em agosto duas obras importantes na zona rural. Serão investidos R$ 800 mil em melhorias habitacionais, para substituir casas de taipa e R$ 500 mil em melhorias sanitárias.

No papel A prefeitura de Canapi, no Sertão de Alagoas, contratou um engenheiro de Maceió para preparar os projetos para duas obras de abastecimento de água e melhorias habitacionais, no valor de R$ 670 mil. Mas até agora o engenheiro George Peixoto não conseguiu destravar os processos. ¿Antes, as exigências eram menores. Eles exigem um detalhamento do projeto que a prefeitura não está estruturada para fazer. As prefeituras são pobres. Pedem detalhes com geólogos, relatório de impacto ambiental. E a gente não está conseguindo atender.¿ Há uma obra de saneamento do município, mas executada diretamente pela Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco (Codevasf). É parte do programa de revitalização do Rio São Francisco.

Em Itainópolis (PI), também na Chapada do Araripe, a população sofre com a falta de água durante a estiagem. O PAC Funasa destinou R$ 385 mil para obras de abastecimento de água no município, mas o projeto ainda está na fase de ¿ação preparatória¿. Enquanto isso, os moradores do povoado Paulista buscam água a dois quilômetros de distância, em galões transportados por burricos.

Alternativa para melhorar execução

O presidente em exercício da Funasa, Faustino Lins, afirma que o momento mais difícil já passou e que espera uma execução bem maior das obras do PAC neste ano, algo próximo de R$ 1 bilhão. ¿Andamos bem. Vínhamos caminhando com dificuldade, mas hoje estamos a caminho da velocidade de cruzeiro¿, comentou. Ele defende a execução direta de obras pela fundação como uma alternativa para acelerar o programa, já que as pequenas prefeituras não têm condições de elaborar os projetos exigidos pelo governo federal.

¿Tivemos problemas de acesso, de capacitação de funcionários e de empresas, falhas nos projetos, falta de documentação. Somos exigentes, sim, e não fazemos nada incorreto. A Funasa não paga nada se não fiscalizar a execução¿, comenta Lins, em resposta às acusações dos prefeitos ouvidos pelo Correio. Mas ele informa que o governo federal aceitou algumas flexibilizações para acelerar as obras. No caso de não comprovar a posse de terrenos, o prefeito pode assumir o compromisso de entregar o documento até a conclusão da obra. Se não fizer isso, será responsabilizado pela irregularidade. A Casa Civil também autorizou, há três meses, a terceirização da fiscalização dos empreendimentos. A Funasa apoiou os municípios na capacitação de pessoal para elaborar projetos.

Lins acrescenta que a fundação também enfrenta deficiência de pessoal. São apenas 135 engenheiros para atender 5 mil municípios. E os salários não passam de R$ 3,5 mil, quando chegam a R$ 13 mil na iniciativa privada. ¿Há 18 anos a Funasa não fazia concurso. Agora, abrimos 70 vagas. Foram aprovados 45. Abrimos mais 54 vagas¿, relata o presidente em exercício. Ele reconhece que a execução direta das obras seria uma solução: ¿Eu defendo essa posição. A Funasa tem a expertise, tem capilaridade. Poderíamos, pelo menos, fazer parcerias com os municípios¿.

Quanto foi pago em dois anos