Título: R$ 1 trilhão
Autor: Pires, Luciano
Fonte: Correio Braziliense, 10/01/2010, Economia, p. 10

Escalada na despesa com pessoal se intensifica a partir de 2003 e faz salários dos servidores mudarem de patamar

Manifestação de servidores: devido aos reajustes, o gasto com funcionários públicos em 2010 será de R$ 184 bi

Impulsionada por uma política de reajustes sem precedentes na história do país, a folha de pagamentos da União terá consumido ao fim dos dois mandatos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva a fabulosa quantia de R$ 1 trilhão. Marca registrada de uma era, a elevação das despesas com pessoal em termos nominais se repetiu ano após ano. Mais recentemente, também houve alta em relação ao Produto Interno Bruto (PIB), o que preocupa os analistas. Em 2010, quando o governo concluirá a rodada de aumentos que beneficiou quase toda a Esplanada dos Ministérios, o desembolso com os Três Poderes ¿ incluindo ativos, inativos, aposentados e os militares ¿ será recorde para um único período: R$ 184,1 bilhões.

A escalada dos contracheques do funcionalismo vem desde os primórdios do Plano Real, mas se intensificou a partir de 2003. Daquele ano em diante, a rubrica passou a pesar cada vez mais nas contas públicas, saltando R$ 10 bilhões, R$ 15 bilhões e até R$ 20 bilhões entre um Orçamento e outro. Ao contrário do que os números podem sugerir, porém, o incremento da folha não é resultado do excesso de contratações. Dados oficiais demonstram que, na gestão Lula, o saldo líquido de servidores civis no Executivo federal ¿ resultado de ingressos e saídas ¿ é de cerca de 64 mil pessoas. Legislativo e Judiciário ampliaram seus quadros em pouco mais de 15 mil trabalhadores.

Decifrando a fatura trilionária, é possível perceber que o setor público mudou de patamar. A despesa média (gasto total dividido pelo número de servidores) dos Três Poderes subiu entre 2003 e 2009, indicando uma elevação do salário médio. Por esse critério, a remuneração média do servidor do Executivo em atividade saiu de R$ 3,7 mil para R$ 6,8 mil; entre os militares, de R$ 1,9 mil para R$ 3 mil; no Legislativo, de R$ 6,9 mil para R$ 12,4 mil; e no Judiciário, de R$ 6,4 mil para R$ 17,6 mil. O efeito desse fenômeno sobre algumas áreas da administração pública é revelador.

Carreiras do Executivo federal que tinham um perfil remuneratório em 2003 agora, em 2010, têm outro completamente diferente. É o caso dos gestores governamentais, que ganhavam R$ 2,9 mil de salário inicial e hoje recebem R$ 12,4 mil. Ou dos auditores fiscais da Receita Federal, que ingressavam ganhando R$ 5 mil e se aposentavam com R$ 7,3 mil ¿ a categoria tem atualmente salário inicial de R$ 13 mil e final de R$ 18,2 mil. Servidores da Advocacia-Geral da União (AGU), do Banco Central, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), entre outros, também foram alvos de importantes correções salariais.

Fernando Abrucio, professor da Fundação Getulio Vargas (FGV), avalia que o governo Lula talvez tenha ¿exagerado¿ ao aumentar os salários de determinados grupos, mas ressalta que entre erros e acertos a proposta de reorganização da burocracia tem méritos. Para ele, o ataque aos gargalos deve ser reconhecido como algo positivo para o futuro do país. ¿É uma conta muito burra colocar em investimento apenas infraestrutura. O que é mais importante para o crescimento no longo prazo é a educação, logo, isso é investimento. O governo Lula cresceu muito o gasto com escolas técnicas e pessoal para universidades¿, diz.

A criação de instituições federais de ensino, o reforço nos quadros e os reajustes concedidos a docentes e técnicos têm grande responsabilidade sobre o conjunto das despesas correntes acumuladas. Não por acaso, a execução orçamentária do Ministério da Educação mais que dobrou entre 2003 e 2009, passando de R$ 20,7 bilhões para R$ 48,2 bilhões anuais. As estatísticas de recursos humanos disponíveis não permitem o detalhamento das contas, assim como a separação dos aportes com terceirizados (1)nos governos Lula e Fernando Henrique Cardoso. Segundo Abrucio, o avanço dos gastos na gestão petista tem como causa a substituição de terceirizados mantidos de forma irregular desde o governo FHC. O Ministério do Planejamento não se pronunciou a respeito.

Alerta

Bráulio Borges, economista-chefe da LCA Consultores, afirma que o governo acertou ao corrigir salários que por muito tempo permaneceram praticamente congelados, mas adverte que o atual governo ficará marcado por ampliar despesas com servidores em relação ao PIB. ¿Comparar os gastos nominais com o funcionalismo ao ritmo de expansão econômica do país não é tarefa fácil. Há divergências até mesmo na contabilidade feita pelo governo, que ora leva em consideração a Contribuição Patronal para a Seguridade do Servidor (CPSS) ora não.

Contando com esse recolhimento, entre 2003 e 2005, a despesa de pessoal ficou em 4,6% do PIB, passando para 4,9% em 2006 e 4,8% em 2007. Nos dois anos seguintes, a conta superou os 5% do PIB, com tendência de alta, fato só ocorrido em 1995, 2001 e 2002. Sem a CPSS, a evolução acontece em ritmo menor. Borges alerta que é essencial estabilizar a despesa com funcionários, qualquer que seja o critério.

1 - Substituição em massa No governo federal há 35.161 terceirizados ¿ 12.633 na administração direta e 22.528 na administração indireta. Contratadas por meio de organismos internacionais, desviadas de função ou admitidas em desacordo com a lei, essas pessoas estão sendo substituídas. A troca é uma imposição do Tribunal de Contas da União (TCU). Segundo o Planejamento, como os gastos são descentralizados, não há como saber quanto cada órgão gastou ao longo do tempo com os salários desses funcionários.

Ouça entrevista com Fernando Abrucio, cientista político da FGV, sobre os gastos do funcionalismo na era Lula

Leia mais no Blog do Servidor: avaliação dos sindicatos sobre a política de reajuste dos salários dos servidores públicos

Lula x FHC

A conta em cada administração

Govergo FHC (em R$ bilhões ¿ corrigido pela inflação)

1995 - 91,3 1996 - 90,2 1997 - 93 1998 - 98,7 1999 - 97,5 2000 - 103,9 2001 - 108,5 2002 - 110,5 TOTAL - 793,6

Governo Lula (em R$ bilhões ¿ corrigido pela inflação)

2003 - 106,4 2004 - 112 2005 - 118,8 2006 - 132,2 2007 - 139,6 2008 - 150 2009 - 171,9 2010 - 184,1* TOTAL - 1.115

*Previsão no Orçamento

Gasto com pessoal x PIB (em %)

2003 - 4,65 2004 - 4,61 2005 - 4,67 2006 - 4,95 2007 - 4,88 2008 - 5 2009 - 5,1**

**sujeito a revisão

Fonte: Ministério do Planejamento

FHC gastou R$ 793 bi

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso não gastou tão pouco com o funcionalismo como tendem a acreditar os servidores públicos. Corrigindo as folhas de pessoal daquela época (1995 a 2002) pela inflação do período, o volume acumulado pelo tucano chega a R$ 793,6 bilhões em valores atuais. Em meio a um forte e prolongado ajuste fiscal baseado na redução das contratações, na terceirização de atividades não essenciais ao Estado e na autorização de reajustes salariais mínimos, o tucano ¿ bem ou mal ¿ manteve a máquina de pé.

Elogios

Marco Antônio Villa, historiador da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), diz que é impossível traçar um paralelo entre Lula e FHC no que se refere ao tratamento dispensado ao funcionalismo. ¿O aumento dos gastos no período Lula se explica por demandas da própria sociedade¿, justifica o especialista, que elogia os feitos na área de educação. Para ele, saber quem gastou mais ou quem gastou menos é irrelevante perto do que as duas políticas significaram ou ainda podem significar para o país.

Em se tratando de gestão pública, as ¿escolas¿ tucana e petista produziram efeitos distintos, avalia Villa. A mudança na área de recursos humanos, segundo o historiador, tem grande fundo ideológico. Se, por um lado, recompôs a força da administração, por outro, criou uma burocracia identificada com os valores do partido que está no governo, segundo a avaliação do especialista. ¿Nesse sentido, a administração pública acaba se tornando uma correia de transmissão da legenda. Isso pode engessar um governo que não seja do PT¿, ressalta. (LP)