Título: Jogo duro na reta final
Autor: Vaz, Viviane
Fonte: Correio Braziliense, 11/01/2010, Mundo, p. 13

Campanha governista radicaliza o discurso para reverter favoritismo da direita no segundo turno da eleição presidencial

¿Terno de seda italiana: US$ 10 mil. Sapatos de couro com design exclusivo: US$ 3,5 mil. Abotoaduras de ouro 24 quilates: US$ 7,2 mil. Gravata de seda: US$ 2 mil. A faixa presidencial: não tem preço. Há coisas que o dinheiro não compra. Para todas as outras, use Tatan Card.¿ Na reta final para o segundo turno da eleição presidencial chilena, marcado para o próximo domingo, os dois candidatos jogam duro na disputa pelos últimos votos indefinidos. Eduardo Frei, candidato da Concertação, coalizão de centro-esquerda da presidenta Michelle Bachelet, parodiou a consagrada propaganda de cartão de crédito ¿ e desagradou tanto ao rival, o bilionário direitista Sebastián Piñera, quanto à financeira ¿plagiada¿. ¿Se Frei quer fazer uma campanha suja e com desqualificações, que o faça sozinho. Não não vamos acompanhá-lo na lama¿, retrucou Piñera, favorito em todas as pesquisas. ¿Nossa campanha terá um espírito construtivo.¿

Como parte da aposta audiovisual, os assessores da campanha de Frei resolveram aproveitar a riqueza de Piñera para dar a entender que o empresário pode comprar qualquer coisa, menos a Presidência do Chile, que está nas mãos da Concertação há 20 anos. Além disso, a propaganda governista ironiza o negócio dos cartões de crédito, que foi levado ao Chile pelo próprio Piñera, na década de 1980. A financeira anunciou que avaliaria ¿as ações potenciais a seguir para resolver essa situação¿, e destacou que ¿não participou, não está envolvida nem apoia os comerciais políticos difundidos recentemente em meios televisivos e na internet, que utilizaram o conceito criativo de sua reconhecida campanha `não tem preço¿¿.

Apoio e crítica No primeiro turno, Piñera saiu vitorioso, com 44% dos votos, e Frei ficou em segundo lugar, com 29,6%. Uma pesquisa de opinião da Universidade do Desenvolvimento (UDD) indica nova vitória do candidato direitista no domingo, agora com 48% das intenções de voto, contra 43 % de Frei. A universidade consultou 1.203 pessoas, em 66 cidades que reúnem 68% do eleitorado nacional.

Carla López, leitora de um jornal da região de Arica, El Morro Cotudo, diz que vai anular o voto. ¿Com esses dois candidatos no segundo turno, no fundo dá no mesmo quem vai ganhar. Um fez besteiras com o meio ambiente, há alguns anos, e o outro quer se tornar mais milionário do que já é¿¿ , opinou na pesquisa online.

Políticos e celebridades também se dividem na hora de apoiar os presidenciáveis. Na última quinta-feira, o escritor peruano Mario Vargas Llosa defendeu a candidatura de Piñera, em entrevista a uma TV chilena. ¿Ele tem o dinamismo de que a democracia necessita¿, justificou Vargas Llosa. Apesar de elogiar o governo da Concertação nos últimos anos, o intelectual acredita que a vitória de Piñera seria ¿boa para o Chile e a América Latina¿, e também para o ¿progresso da democracia¿.

Já o deputado Marco Enríquez-Ominami, que disputou o primeiro turno como independente e foi o terceiro colocado, com 20,15% dos votos, manteve a decisão de não apoiar nenhum candidato no segundo turno. Ele não perdeu a chance de criticar a ambos. ¿Estou convencido de que Sebastián Piñera não representa nenhum progresso, mas sim um retrocesso. Já disse com todas as letras que não tenho nenhuma possibilidade de chegar a um acordo com Piñera, porque não entendo o mundo como ele¿, declarou o deputado. Em relação a Frei, afirmou que ele ¿continua sem fazer referência aos desafios contundentes¿.

O pai do candidato independente, o senador Carlos Ominami, foi à residência de Frei na sexta-feira para lhe dar seu apoio. ¿Hoje, é preciso optar entre duas candidaturas. Apoiarei Eduardo Frei, porque começa a escutar o que foi expressado por um milhão e meio de chilenas e chilenos que votaram no deputado Marco Enríquez-Ominami¿, afirmou o senador. Frei prometeu que, se eleito, empreenderá as mudanças necessárias na desgastada Concertação.

Sebastián Piñera Coalizão pela Mudança

O jornal britânico Financial Times batizou-o de ¿Berlusconi chileno¿. Assim como o premiê da Itália, o candidato presidencial da direita chilena, de 60 anos, tem uma queda pelas cirurgias plásticas e é um dos empresários mais ricos do mundo. Seus negócios se estendem pela mídia (proprietário do canal Chilevisión), aviação (acionista da companhia LAN) e futebol (dono do clube Colo-Colo), além de farmácias e do setor imobiliário. Economista de formação, passou pela Universidade de Havard e fez fortuna lançando os cartões bancários no país. É filho de um embaixador conhecido, ligado à democracia cristã, e tem um irmão que foi ministro na ditadura de Augusto Pinochet. Para mostrar-se como um direitista moderno, diz-se favorável à presença de homossexuais no governo ou no Exército. Em 2005, perdeu a Presidência para Michelle Bachelet.

Eduardo Frei Concertação

Esse político democrata-cristão de 67 anos construiu uma reputação de administrador seguro, dono de um estilo formal, como segundo presidente (no período 1994-2000) da era pós-Pinochet. ¿Alguns dizem que sou chato, rígido e austero. Mas não acho que é preciso ser divertido para ser presidente¿, defende-se Frei. O ex-presidente tentou compensar a falta de carisma e chegou a fazer piadas com o tamanho do próprio nariz. Esforça-se para recauchutar a imagem com o slogan ¿novo Frei 2.0¿. Formado em engenharia, ele pertence a uma família que faz parte da história política do Chile. É filho do presidente Eduardo Frei Montalva (1964-1970), também democrata-cristão. Opositor frontal da ditadura militar, o velho Frei morreu em 1982, pouco tempo após uma internação hospitalar, vítima de envenenamento pela polícia secreta do regime.

Bachelet se despede com aprovação recorde

A última pesquisa de opinião registrou um recorde de aprovação à presidenta Michele Bachelet: 81% dos chilenos estão satisfeitos. Mesmo assim, Bachelet dificilmente conseguirá eleger mais um presidente da Concertação, coalizão de centro-esquerda no poder desde o fim da ditadura de Augusto Pinochet.

Com a popularidade em alta, a presidenta inaugura na noite de hoje o Museu da Memória, em Santiago. Ele é considerado a mais importante iniciativa cultural de seu mandato, pois vai expor os abusos contra os direitos humanos ocorridos entre 1973 e 1990, quando o Chile foi governado com mão de ferro pelo general que depôs o presidente Salvador Allende.

Com o intuito de provocar uma reflexão sobre os direitos humanos no Chile e no mundo, o museu será inaugurado com uma exposição temporária sobre o regime do apartheid, na África do Sul. Na coleção permanente, o visitante encontrará arquivos, documentos e recortes de jornal referentes ao regime militar chileno, além de testemunhos e obras de artistas contemporâneos do país, como Alfredo Jaar e Jorge Tacla, vítimas da repressão política.

A experiência é similar à do Museu do Holocausto, em Washington, e do Museu Distrito Seis, na África do Sul. Os arquitetos do projeto foram escolhidos por um concurso público internacional, realizado em 2007 pelo Ministério de Obras Públicas, e que teve como vencedores os brasileiros Carlos Dias, Lucas Fehr, Mario Figueroa e Roberto Ibieta. O edifício tem em seu interior paredes de vidro com uma vedação externa de chapas de cobre expandidas, em uma área de 5.500m².

Apesar de o Chile ser sujeito a terremotos, o museu conta com um dos maiores vãos livres do país, com 51m. ¿Procuramos desenvolver um projeto aberto, flexível, capaz de acolher todo tipo de mostra, de armazenar e transmitir esse conhecimento de maneira ampla e imparcial. O objetivo foi criar uma espécie de arca, onde se pudessem depositar todas as reminiscências da história chilena¿, explica Figueroa.