Título: Brasil se resigna e aceita eleição na Ompi
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 23/09/2008, Brasil, p. A4

O Brasil acabou aceitando a eleição por aclamação, ontem, do australiano Francis Gurry para a direção-geral da Organização Mundial de Propriedade Intelectual (Ompi), depois de meses ameaçando vetar seu nome. Gurry tinha derrotado o brasileiro José Graça Aranha por apenas um voto de diferença (42 a 41), em maio, para obter a indicação ao cargo. Isso levou o Brasil e outros países a apontarem falta de consenso em torno de seu nome, numa situação politicamente explosiva na entidade que regulamenta a produção, distribuição e uso de tecnologia e do conhecimento no planeta.

Segundo diplomatas, contudo, quando o Brasil indagou aos parceiros se eles queriam ir para a briga - ou seja, vetar o nome de Gurry na assembléia geral -, as reações foram bem menos entusiasmadas por um afrontamento diplomático com os industrializados que apoiavam o australiano.

Em junho, o Valor revelou que o grupo latino-americano tinha isolado o Brasil e aprovaria o nome de Gurry. Além disso, o próprio Gurry procurou se aproximar do Brasil, deixando claro que daria prioridade também à Agenda do Desenvolvimento, projeto aprovado após dura batalha diplomática, com 45 recomendações para dar novo rumo à Ompi e ao seu arcabouço jurídico sobre patentes, para torná-lo um instrumento efetivo para o desenvolvimento.

O australiano também sinalizou que não fará perseguição a Graça Aranha e os outros brasileiros na entidade. Logo após ser confirmado ontem por unanimidade, Gurry afirmou que o fato de o Brasil ter se juntado ao consenso "foi o primeiro sinal de retomada da confiança". E anunciou a criação de uma diretoria para cuidar da Agenda do Desenvolvimento, o que pode dar uma certa garantia de recursos humanos e financeiros para o projeto. Indagado se ofereceria uma direção para o Brasil, disse que não tinha ainda tomado decisões.

Em plenário, o Brasil sinalizou um dos desafios que a Ompi enfrentará nos próximos seis anos. Denunciou que "a proliferação" de cláusulas de propriedade intelectual em acordos de livre comércio e a "dispersão" do tema para outros foros, ameaçam a Ompi e o tratamento multilateral sobre patentes, marcas etc.

O país cobrou também do novo diretor que acelere um acordo internacional para proteção de recursos genéticos, folclore e conhecimento tradicionais, que está em pauta há sete anos na Ompi sem avançar. Na outra direção, os Estados Unidos conclamaram Gurry a usar a Ompi para "estabelecer efetivos sistemas para garantir e administrar os direitos de propriedade intelectual".

Nesse cenário, o novo diretor acenou com os interesses de todo mundo. Insistiu, como outros no passado, na necessidade de uma solução urgente para pôr fim à crise que representa 3,5 milhões de pedidos de patentes não examinados em órgãos nacionais. Também acenou com combate à pirataria e contrabando no comércio internacional, que segundo ele supera US$ 200 bilhões por ano. Sobretudo, Francis Gurry quis indicar que a Ompi entra numa nova era, depois das acusações de corrupção e brigas internas sob o comando do sudanês Kamal Idris, que foi forçado a encurtar seu mandato. (AM)