Título: Argentina admite reabrir negociação com credores
Autor: Rocha, Janes
Fonte: Valor Econômico, 23/09/2008, Internacional, p. A8

Uma semana depois de anunciar a quitação da dívida com o Clube de Paris, a presidente da Argentina Cristina Fernández de Kirchner disse que está analisando uma proposta de reabertura das negociações para refinanciamento dos débitos com os detentores de bônus que não quiseram entrar na renegociação da dívida externa de 2005. A proposta, que segundo o chefe de Gabinete, Sergio Massa, foi levada ao governo pelos bancos Deutsche Bank, Barclays e Citigroup em nome dos credores, prevê a troca dos títulos vencidos com deságio de 65% (ou seja, receberiam US$ 35 para cada US$ 100 de valor de face).

Os títulos antigos seriam substituídos por novos "Discount" em dólares, com juros de 8,28% ao ano. O governo argentino receberia dos bancos um valor adiantado pela operação, que ajudaria a reforçar as reservas do Banco Central e eliminaria a ameaça de arresto de ativos pela justiça.

Também conhecido como "holdouts", ou "bonistas", este grupo de credores não aceitou as condições impostas pelo ex-presidente Néstor Kirchner (marido da atual presidente), e entrou na Justiça contra o país. Naquele ano o ex-presidente propôs pagar apenas um quarto do que os credores cobravam, em um total de quase US$ 150 bilhões em dívida considerada impagável. No entanto, a maioria (75%) dos credores aceitou a proposta já que Kirchner garantiu que fecharia as portas a uma nova negociação. Era pegar ou largar. A promessa foi cumprida: depois do acerto com os credores, Kirchner enviou ao Congresso um projeto que, aprovado, proibiu a reabertura de ofertas.

Desde então o governo nunca aceitou tocar no assunto "bonistas". Era um tabu que, no entanto, impedia o acesso do governo argentino ao financiamento externo porque qualquer dinheiro que captasse poderia ser embargado pela Justiça americana.

Cristina deu a notícia no primeiro dia de sua visita oficial à Nova York, cuja principal agenda é a participação na Assembléia Geral da Organização das Nações Unidas. Ontem, durante uma reunião com empresários na sede do Conselho de Relações Internacionais, a presidente contou que o governo argentino havia recebido propostas de bancos para financiar a renegociação da dívida com os "bonistas". Depois repetiu a novidade na tribuna do pregão da bolsa de tecnologia Nasdaq: "Recebemos com muito otimismo a apresentação de três bancos de primeira linha que nos fizeram uma proposta em nome dos detentores de bônus que ficaram fora da renegociação de 2005". Ela disse ainda que o governo está analisando as propostas e enviará ao Congresso, de quem depende o andamento do processo.

O acerto com os credores se soma ao pretendido pagamento da dívida com o Clube de Paris, de US$ 6 bilhões, e marca uma mudança na postura do governo argentino com relação à sua dívida externa nos últimos dois meses. "Depois de tantos anos de default, é um sinal importante", disse a economista Marina Dal Poggetto, diretora do Estúdio Bein de consultoria econômica. Ela acha que a "mudança de agenda" do governo com seus credores externos é motivada pela necessidade de fechar a programação financeira para 2009, quando o país deve afrontar o maior volume de pagamento de juros de dívidas desde a renegociação.

São US$ 20,8 bilhões em compromissos de dívidas externas e internas vincendas, dos quais a maior conta, num total de US$ 6 bilhões, se refere a uma emissão de títulos chamados Empréstimos Garantidos, realizada na última renegociação feita pelo ex-ministro Domingo Cavallo, em 2001, antes de o país entrar na pior crise financeira de sua história. Esta dívida também será refinanciada, disse a presidente ontem em Nova York.

Para pagar estes US$ 20 bilhões o governo já conta com US$ 12,7 bilhões em recursos orçamentários (arrecadação de impostos e parte do superávit fiscal). Os outros US$ 8,1 bilhões terão que ser financiados com novas fontes orçamentárias e com captações no mercado, diz Dal Poggetto. Parte dessa conta já está sendo estruturada com o Orçamento de 2009, já enviado ao Congresso.