Título: Governo e Congresso mais perto de acordo
Autor: Hitt, Gregg; Solomon, Deborah
Fonte: Valor Econômico, 23/09/2008, Finanças, p. C4

O governo de George W. Bush e o Congresso americano, dominado pelo Partido Democrata, de oposição, ficaram mais perto de um acordo em relação ao pacote de US$ 700 bilhões para resgatar empresas financeiras em dificuldade, com o Departamento do Tesouro fazendo a maioria das concessões, diante de uma reação cada vez mais forte de muitos economistas, especialistas e parlamentares. Whitney Curtis / Bloomberg News O ex-presidente do Federal Reserve Bank de Saint Louis, William Poole, disse que o plano do Tesouro parece elaborado para gerar um resultado ruim

A Casa Branca concordou em permitir uma supervisão mais rígida e fornecer mais ajuda aos mutuários que enfrentam o risco de perder a casa própria, duas prioridades dos democratas. Além disso, os negociadores chegaram perto de um acordo para permitir que o governo assuma participações acionárias em empresas que se beneficiem do resgate, uma medida que o Tesouro queria evitar.

Mas ainda persistem as diferenças em dois itens importantes: limites à remuneração dos executivos de firmas financeiras que se aproveitam do pacote; e mudanças na lei de falências e concordatas que permitiriam aos juízes ajustar as condições das hipotecas.

Para ambos os lados, há muita coisa em jogo nesse debate. O secretário do Tesouro, Henry Paulson, fez advertências sombrias ao Congresso sobre as conseqüências da falta de medidas, e ele não tem nenhum Plano B. O Congresso, de sua parte, quer reconquistar controle sobre um socorro cada vez mais dispendioso do sistema financeiro americano no qual, até agora, teve um papel secundário.

Os investidores, assustados pela falta de detalhes na proposta e pelas disputas no Congresso, fizeram a Média Industrial Dow Jones cair 3,27%, ou 372,75 pontos, eliminando metade dos ganhos do fim da semana passada, quando o plano foi anunciado.

A recepção ao plano, de acadêmicos, políticos e comentaristas de várias tendências, foi em grande parte hostil, o que enfraquece o poder de barganha do governo nessas questões pendentes. O limite à remuneração de executivos foi defendido pelo senador John McCain, candidato à presidência pelo partido da situação, o Republicano.

Outro republicano, o senador Richard C. Shelby, do Alabama, membro do Comitê Bancário do Senado, reiterou seu desapreço pelo plano, que ele disse não ser "nem prático, nem abrangente, apesar de seu custo enorme". Shelby, cuja influente posição faz dele um potencial obstáculo, convocou o Congresso a buscar uma solução alternativa.

Mesmo alguns grupos empresariais admitem que uma medida dessas pode ser inevitável. "Se estamos falando de enormes injeções de dinheiro meu e seu, tem de haver algumas limitações" à remuneração dos executivos, diz Bruce Josten, vice-presidente executivo de assuntos governamentais da Câmara de Comércio dos EUA, um grupo que representa interesses das empresas.

Henry Paulson argumentou que os limites à remuneração executiva não deveriam ser parte desta proposta porque poderiam desencorajar as firmas financeiras de participar. Alguns parlamentares desafiam o argumento de Paulson, presumindo que, entre os limites à remuneração de executivos e a insolvência, a escolha é fácil.

O Tesouro está em busca de um meio-termo - uma estrutura que satisfaça o Congresso mas não puna as firmas que queiram participar, disse uma pessoa a par da questão.

Pelo plano, cujos detalhes ainda estão sendo negociados, o Tesouro compraria de instituições financeiras até US$ 700 bilhões em créditos imobiliários de recebimento duvidoso e títulos hipotecários, instrumentos que estão no coração da crise financeira.

O presidente do Comitê de Serviços Financeiros da Câmara dos Deputados, o democrata Barney Frank, de Massachusetts, disse que os líderes de seu partido não pretendem impedir o pacote. "Nós concordamos que é preciso agir rápido", disse. "Entendemos que as escolhas erradas do mercado nos deixaram numa situação em que algo precisa acontecer." Líderes democratas tinham a intenção de fazer as votações na Câmara e no Senado até o fim desta semana.

Economistas e comentaristas de pendores tanto republicano quanto democrata, entre eles o ex-presidente da Câmara Newt Gingrich, um republicano, fizeram críticas ao plano. "Há alguém que não esteja criticando?", perguntou Jared Bernstein, economista sênior do Instituto de Política Econômica, um centro de estudos de centro-esquerda. "Não vi ninguém dizendo "Bom plano, gostei"."

Bernstein diz que o governo está numa encruzilhada: se pagar preços de bacia das almas por títulos lastreados por créditos hipotecários podres, pode prejudicar as firmas que o pacote deveria resgatar. Mas se pagar caro, os contribuintes podem acabar com papéis que só é possível vender com grande prejuízo.

"Acho que é horrível", disse Allen Meltzer, um ex-assessor econômico de Ronald Reagan que agora leciona na Universidade Carnegie Mellon. "Ele põe os interesses privados à frente do interesse público." Meltzer observou que, em ocasiões passadas, em que as cassandras advertiram para o pânico financeiro, o governo resistiu ao clamor do resgate dos mercados e nada terrível aconteceu. Ele citou entre outras a decisão do ex-presidente Richard Nixon de não resgatar o mercado de notas promissórias depois do colapso da ferrovia Penn Central.

O ex-presidente do Federal Reserve Bank de Saint Louis, William Poole, um membro do Instituto Cato, defensor do livre mercado, disse que o plano do Tesouro parece elaborado para gerar um resultado ruim. "O Tesouro vai micar com o papel menos atraente, e isso significa que as perdas para o contribuinte serão grandes", disse.

C. Fred Bergsten, diretor do Instituto Peterson para Economia Internacional, chamou o pacote de essencial, dadas as circunstâncias inusitadas. Com a volatilidade do mercado, não há tempo suficiente para se criar uma nova agência federal para cuidar das transações, disse. Ele previu que os contribuintes acabariam com uma conta de cerca de US$ 100 bilhões, assim que o governo revenda os títulos que planeja comprar das instituições financeiras.

A insatisfação continuava a se espalhar entre republicanos e democratas. Entre os republicanos, especialmente os conservadores, há preocupações quanto ao custo e o escopo de poderes que seriam concentrados em Paulson.

"O Congresso precisa desacelerar, tomar fôlego", disse Mike Pence, um deputado republicano de Indiana. Ele reconhece que o país enfrenta uma crise, mas ainda assim pretende votar contra o plano do Tesouro. O líder da minoria na Câmara, John Boehner, não se comprometeu ainda em votar pelo projeto, apesar de ter pressionado por alguma medida.

Em alguns aspectos, Paulson não é a pessoa ideal para vender o projeto. Um titã de Wall Street, ele passou 32 anos na Goldman Sachs Group Inc. e tem uma fortuna pessoal estimada em US$ 500 milhões. Ex-realizador de fusões e aquisições, ele se sente confortável com os jargões de Wall Street, falando com desenvoltura sobre commercial papers, spreads de dívida e rendimento dos Treasurys.

Mas o Congresso quer que o plano beneficie as pessoas comuns, não Wall Street, e Paulson tentou modificar sua linguagem para enfatizar como o plano vai ajudar os cidadãos comuns. Numa entrevista coletiva para anunciar o plano, ele falou extensamente sobre as ameaças aos mercados financeiros, terminando com uma parte sobre como afetaria as pessoas comuns.

Henry Paulson deve depor hoje e amanhã nos comitês financeiros da Câmara e do Senado, o que lhe dá uma chance de tratar das preocupações dos parlamentares.

Uma área em que há amplo acordo é o de supervisão por parte do Congresso. Frank disse que o Tesouro concordou com um comitê independente para monitorar o socorro e relatar seu progresso ao Congresso e ao público. O comitê não teria autoridade para vetar decisões de investimento do Tesouro, e o lançamento do pacote não seria adiado enquanto o comitê estivesse sendo formado.

Embora os detalhes ainda estejam sendo discutidos, ambos os lados também concordaram com uma medida que permitiria ao Tesouro - mas não o obrigaria a - assumir uma participação acionária numa instituição financeira que venda ativos ao governo. Isso dependeria do tamanho da injeção de capital que o governo faria com a compra dos ativos, segundo uma pessoa familiarizada com o assunto.

Há precedentes para que o governo assuma fatias de empresas privadas, que remontam ao resgate da Chrysler Corp. em 1979. Mais recentemente, o Federal Reserve recebeu warrants da seguradora American International Group Inc. que representam uma participação majoritária desta.

Também houve discussão entre alguns líderes democratas de se dividir o pacote, com rápida aprovação inicial para cerca de um terço do valor do pacote, disse um representante do Congresso. A aprovação do restante ocorreria mais para o fim do ano, ou o início do próximo, o que daria aos parlamentares a chance de avaliar o sucesso do socorro e considerar reformas adicionais de longo prazo.

O plano incluiria ajuda para mutuários em dificuldade. Diretores da Federal Deposit Insurance Corp., a agência do governo que garante depósitos bancários, da Administração Federal de Habitação e das hipotecárias Fannie Mae e Freddie Mac seriam despachados para ajudar a ajustar os empréstimos para mutuários inadimplentes mas que são considerados dignos de crédito. O projeto de lei também inclui proteções aos locatários, para assegurar que quem alugue casas prestes a ser confiscadas não seja despejado.