Título: Desregulamentação perde defensores
Autor: Mandel, Michael
Fonte: Valor Econômico, 23/09/2008, Finanças, p. C6

Os 30 anos da era da desregulamentação tiveram um fim súbito e surpreendente em 16 de setembro. Tarde naquela noite, o Federal Reserve (Fed) sacou US$ 85 bilhões para tomar uma participação sem precedentes de 80% na American International Group (AIG), para salvar a gigante dos seguros que estava soçobrando. Menos de duas semanas antes, o secretário do Tesouro dos Estados Unidos, Henry M. Paulson Jr., havia anunciado que o governo federal estava assumindo a Fannie Mae e a Freddie Mac, as colossais agências hipotecárias. De repente, o setor financeiro dos EUA não conseguia mais sobreviver sem a ajuda do governo. Jin Lee / Bloomberg News Robert Rubin, ex- secretário do Tesouro, ajudou a revogar a lei que havia restringido o que os bancos podiam fazer

Desde os dias distantes em que Jimmy Carter era o presidente americano, regulamentação é um palavrão em Washington. Nesse tempo todo, políticos dos dois partidos competiram para ver quanto da economia eles conseguiam libertar do jugo opressor do governo. O movimento pela desregulamentação começou quando Carter sancionou a Lei da Desregulamentação Aérea de 1978. Posteriormente, quando ela se espalhou para vários setores, como o de transporte rodoviário de cargas, telecomunicações e serviços financeiros, o grito de guerra foi o mesmo: menos regulamentação, mais crescimento.

Mas a implosão dos serviços financeiros - até recentemente vistos como o maravilhoso exemplo do capitalismo de livre-mercado ao estilo americano - é o sinal definitivo de que a desregulamentação perdeu sua atratividade. Em áreas que vão da segurança dos alimentos às companhias aéreas e o comércio, uma supervisão crescente do governo vem se tornando aceitável para as empresas e também para os eleitores. "Nos últimos dois anos o clima mudou", diz Chris Waldrop, diretor do Food Policy Institute da Consumer Federation of America.

De fato, grupos setoriais e de defesa do consumidor vêm defendendo a concessão de uma maior autoridade à Food & Drug Administration (FDA) para que ela monitore a segurança dos alimentos. A mudança em direção a desregulamentação está refletida nas campanhas presidenciais. Em março, o senador John McCain (republicano pelo Arizona) disse: "Sempre fui a favor de uma menor regulamentação", dizendo que ele mesmo é "fundamentalmente, um desregulador". Mas em um pronunciamento feito em 16 de setembro, o candidato republicano adotou uma postura bem diferente: "Sob as minhas reformas, o povo americano será protegido por regras abrangentes". No mesmo dia, o candidato democrata, o senador Barack Obama, que vem argumentando com muito mais agressividade sobre a necessidade de reforço da regulamentação, também subiu o tom de sua retórica: "É hora de falarmos sério sobre a supervisão regulatória", disse ele.

A implicação: "Estamos caminhando para uma maior regulamentação", diz Tom Gallagher, que analisa a política em Washington para a Insternational Strategy & Investment. "A direção já está estabelecida; a única dúvida agora é a magnitude." Isso é uma grande mudança. Nas últimas três décadas, a economia dos EUA mais que dobrou em tamanho, e a força de trabalho do setor privado cresceu 70%. Mesmo assim, no geral, fora do Departamento de Defesa, o poder executivo emprega hoje mais ou menos o mesmo número de pessoas de 1978. E mais: muitas agências reguladoras de Washington chegaram até mesmo a encolher. Desde 1977 o orçamento da Agência de Proteção Ambiental caiu quase 40% em termos reais. A regulamentação do setor financeiro também não prosseguiu. Apesar do grande aumento da complexidade do setor financeiro, o número de funcionários que trabalham no Fed, incluindo as representações regionais do banco central, caiu desde 1990.

Defensores da desregulamentação dos dois partidos afirmam que esse declínio no papel do governo foi essencial para a competitividade dos Estados Unidos. O caso clássico, é claro, foi a desregulamentação do setor financeiro. Alan Greenspan, enquanto presidente do Fed, apoiou a "supervisão de contrapartida", que significava que as instituições financeiras iriam observar de perto seus parceiros em negociações, sem interesses próprios. E Robert R. Rubin, enquanto secretário do Tesouro da administração Bill Clinton, ajudou a revogar a lei conhecida como Glass-Steagall Act, que havia restringido o que os bancos comerciais e de investimento podiam fazer.

Além disso, a desregulamentação em geral foi uma boa política. Normalmente os eleitores não gostam da regulamentação, afirma Larry M. Bartels, diretor do Centro de Estudos de Políticas Democráticas da Universidade de Princeton. "A notável exceção a isso é quando as pessoas estão assustadas." Certamente houve muitos sustos nos últimos anos. Uma série de episódios de envenenamento de alimentos - especialmente o surto de salmonela que deixou cerca de 1.500 pessoas doentes no começo deste ano - deixou os consumidores preocupados com a segurança do estoque de alimentos do país. E mais: ficou claro que a FDA não tem como monitorar facilmente o caminho percorrido pelos alimentos de volta para as suas fontes.

Esses incidentes resultaram em uma grande reviravolta no ponto de vista da indústria dos alimentos sobre a regulamentação. Ela já chegou a adorar o fato da FDA não ter dinheiro ou inspetores para investigá-la. "A redução da regulamentação piorou as coisas, e o setor reconhece isso", diz William K. Hubbard, um ex-comissário associado da FDA. "Eu acho que eles de fato tomaram ciência de sua vulnerabilidade."

A desregulamentação do setor de serviços públicos de eletricidade também vem sendo cada vez mais atacada porque a verdadeira competição está demorando para ocorrer. "Não há nenhuma dúvida que o pêndulo está oscilando para longe de desregulamentação", afirma Charles D. Gray, diretor-executivo da National Association of Regulatory Utility Commissioners. Um exemplo: A Federal Energy REgulatory Commision recentemente ganhou autoridade para comandar a construção de linhas de transmissão. "Muitos dos problemas de infra-estrutura não se encaixam bem na competição ou na abertura de mercado", diz Gray.

O colapso dos mercados financeiros deixou em aberto a questão de quanta regulamentação sobrará quando a poeira abaixar. "Tudo mundo pensou que o mercado tinha tudo sob controle", diz o economista e especialista no setor financeiro Robert E. Litan, vice-presidente de análises e políticas da Ewing Marion Kauffman Foundation Institution. "Muita gente acreditava nisso, inclusive eu."

Nem todo mundo concorda que a era da desregulamentação chegou ao fim. Daniel Clifton, diretor do escritório de Washington da Strategas Research Partners, afirma que os governos estaduais e municipais ainda terão que privatizar estradas, prisões e outras peças de infra-estrutura. Aumentar o controle do governo nunca será uma coisa tão forte e atraente politicamente quando a desregulamentação foi. Mas pelo menos por enquanto, a "re-regulamentação" parece ser o caminho para o futuro. (Tradução de Mário Zamarian)