Título: Efeito paliativo
Autor: Cristino, Vânia
Fonte: Correio Braziliense, 12/01/2010, Economia, p. 10

Governo reduz para 20% a mistura do álcool anidro à gasolina na tentativa de abrandar a escalada dos preços

Entressafra da cana: além do período de produção reduzida, chuvas fortes e concorrência com o açúcar contribuíram para oferta menor do combustível

Na tentativa de amenizar a escalada de preços do álcool combustível ¿ sempre presente nos períodos de entressafra, mas agora agravado pela valorização do acúçar no mercado internacional ¿ o governo decidiu reduzir de 25% para 20% o percentual obrigatório de adição de etanol anidro combustível à gasolina. A decisão vale a partir de 1º de fevereiro e tem prazo de duração limitado a 90 dias, o que significa que, a partir de 1º de maio, o percentual de adição volta aos 25% tradicionais.

Segundo o Ministério da Agricultura, o uso de etanol adicionado à gasolina serve para aumentar a octanagem (medida da quantidade de um combustível para motor à gasolina necessária para produzir, em um motor padrão, o mesmo desempenho que o combustível em questão) e reduzir a emissão de monóxido de carbono na atmosfera. Em nota, o governo se absteve de explicar o objetivo da medida, que é o de assegurar o abastecimento do etanol e, ao mesmo tempo, tentar segurar a alta dos preços do combustível. Mas, enquanto a medida não entra em vigor, o preço do álcool e da gasolina continuará subindo (leia texto abaixo).

Chuvas Além da entressafra, que só termina em abril, as fortes chuvas que caíram sobre a região produtora de cana-de-açúcar nas últimas semanas atrasaram as colheitas. A situação foi agravada pela concorrência do açúcar, que está com bom preço no mercado internacional e, por isso, detém a preferência dos produtores. A solução de emergência do governo foi a de reduzir a mistura e, com isso, injetar mais álcool no mercado. ¿O que não queremos é que haja desabastecimento. Como estamos economizando álcool, a tendência é de que não haja aumento de preço¿, afirmou o ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, no início da noite, segundo a agência Reuters.

Mexer no percentual da mistura do álcool à gasolina é uma medida recorrente em tempos de crise. Especialistas garantem, no entanto, que os efeitos são paliativos. A mudança na composição, segundo a conta feita pelo setor, resultará numa oferta adicional de cerca de 100 milhões de litros de etanol, o que representa algo em torno de 10% da demanda mensal.

A portaria que alterou o percentual da mistura do álcool à gasolina foi assinada ontem pelos ministros da Agricultura, Reinhold Stephanes, e de Minas e Energia, além dos interinos da Fazenda, Nelson Machado, e do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Ivan Ramalho. Todos eles fazem parte do Conselho Interministerial do Açúçar e do Álcool (Cima).

Estoques Tanto o governo quanto os representantes do setor sucroalcooleiro descartam a possibilidade de falta do produto no mercado. Ambos afirmam que os estoques são suficientes. Mesmo a preferência pelo açúcar, por causa do preço, tem uma margem de manobra limitada para os produtores. De acordo com os especialistas, o produtor consegue elevar, de uma hora para outra, a produção de acúçar em, no máximo, 5%.

A União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Única), entidade que congrega mais de 50% da produção nacional de cana e 60% da produção de etanol, apoiou a medida. Segundo seu diretor técnico, Antônio de Pádua Rodrigues, as razões pelas quais o governo decidiu pela redução da mistura do álcool na gasolina são aceitáveis pelo setor, desde que se respeite o prazo de 90 dias para o retorno ao patamar atual.

Na redução deste ano, a entidade comemorou ter sido ouvida pelo governo. ¿É louvável o fato de o governo ter ouvido o setor e estabelecido um prazo para a vigência da medida, cujo término, aliás, ocorrerá no início da maior safra histórica estimada no país¿, destacou Rodrigues.

Reajuste em Brasília adiado por um dia

Ricardo Allan Breno Fortes/CB/D.A Press - 6/8/09 Última chance: segundo postos, motoristas têm até hoje para abastecer sem aumento

Os consumidores brasilienses ganharam mais um dia para comprar gasolina e álcool pagando os preços atuais. Os postos do Distrito Federal adiaram o novo aumento dos combustíveis, que deveria ter entrado em vigor ontem, para 0h de quarta-feira. Ou seja, as bombas serão reajustadas na passagem de hoje para amanhã. O adiamento foi possível por causa dos estoques formados ainda com os valores antigos, antes da elevação determinada pelas distribuidoras no sábado. Essa reserva é resultado do esvaziamento das ruas das cidades do DF. Muitos trabalhadores saíram da cidade no período de férias e seus carros ficaram encostados, o que reduziu bastante as vendas.

A decisão de adiar o aumento foi tomada pela Rede Gasol, dona de 90 dos 320 postos do DF, e deve ser seguida pelos concorrentes. ¿Com os novos preços cobrados pelas distribuidoras, o repasse integral para as bombas é inevitável. Não dá para segurar porque já trabalhamos com margens pequenas de lucro. Nesse setor, qualquer centavo é importante¿, diz o presidente do grupo, Antônio Matias. Desde o fim de semana passado, a distribuição está sendo feita com R$ 0,13 a mais por litro de álcool e R$ 0,04 no caso da gasolina.

Com isso, o preço médio do etanol no DF passará de R$ 2,10 para R$ 2,23 e o da gasolina, de R$ 2,74 para R$ 2,78. Os reajustes serão de 6,19% e de 1,46% respectivamente.

Essa será a segunda alta do álcool em menos de duas semanas. No penúltimo dia de 2009, os postos já haviam repassado o aumento de R$ 0,11 por litro determinado pelas distribuidoras. O efeito dos dois reajustes é um aumento total de 12,1%. Segundo Matias, a margem de lucro de sua rede é de R$ 0,30 por litro de álcool. Ou seja, se ele decidisse segurar os valores nas bombas, perderia quase metade dos seus ganhos. Hoje, o rendimento com a gasolina é de R$ 0,38 por litro. ¿Vivemos no limite. Não dá para operar se baixarmos disso¿, garante o empresário. Ontem pela manhã, a Gasol tinha um estoque de 20% de combustível com preço antigo, volume que deve ser consumido até o fim do dia.

Na avaliação de Matias, não havia nenhum motivo para as distribuidoras determinarem um aumento de seus preços num momento sem problemas de abastecimento, visto que o consumo vem caindo em todo o país por causa das férias. No DF, a queda do movimento foi superior a 20% nos primeiros dez dias de janeiro. ¿Quem manda no álcool são os usineiros. Não tem jeito. Eles impõem o que querem e as distribuidoras aceitam. Falta o governo fazer uma verdadeira política de formação de estoque e regulação dos preços¿, diz. O Correio procurou o Sindicato do Comércio Varejista de Combustíveis (Sinpetro-DF), mas não obteve resposta até o fechamento desta edição.

Faça as contas Os donos de carros flex precisam ficar atentos. Com o novo aumento dos preços, ficou ainda mais desvantajoso abastecer o tanque com álcool. É fácil saber se é bom negócio optar pelo etanol. Basta pegar seu preço, dividir pelo valor da gasolina e multiplicar por 100. Se o resultado for inferior a 70, é melhor escolher o álcool. Se for maior, a aposta certa a fazer é a gasolina. Hoje, a relação é de 76,6 e vai passar para 80,2 a partir de amanhã. Ou seja, o que já era ruim vai ficar pior. Uma outra forma de fazer o cálculo é multiplicar o valor da gasolina por 0,7. Se o resultado for menor do que o preço do álcool, é melhor abastecer com gasolina. Se for maior, prefira o álcool. O produto dessa conta era R$ 1,918 e vai passar para R$ 1,946. Isso tudo decorre do fato de carros movidos a etanol consumirem mais combustível. (RA)

Colaborou Diego Amorim