Título: Produção e renda nos EUA se desencontram
Autor: Hilsenrath, Jon; Evans, Kelly
Fonte: Valor Econômico, 08/09/2008, Internacional, p. A9

A economia dos EUA parece andar em dois trilhos diferentes.

Se for levada em conta a produção - a quantidade de bens e serviços produzidos -, a economia tem tido um crescimento de bom tamanho. Mas isso não é o que as pessoas estão sentindo no bolso, porque os fatores que controlam a renda pessoal - tais como emprego e salário - estão sob pressão.

Essa situação foi ressaltada pela divulgação de uma série de dados econômicos nas últimas semanas. A medida do governo americano de produto interno bruto descontada a inflação teve uma expansão anualizada surpreendentemente forte de 3,3% no segundo trimestre. As exportações foram os principais impulsionadores do PIB, principalmente de suprimentos industriais e bens de capital.

No entanto, a taxa de emprego caiu nos últimos oito meses, diminuindo um total de 605 mil postos de trabalho. Cerca de 45% das perdas foram na indústria manufatureira. Era de se esperar que os empregos na indústria se mantivessem durante um boom de exportação. Mas não estão.

Com a diminuição do emprego, as empresas começaram a cortar horas de trabalho e endurecer nas negociações de salários. O crescimento da renda pessoal sobre o ano anterior diminuiu de 7% há uns dois anos para um pouco mais de 4% em julho, o que não é suficiente para cobrir a inflação.

Na teoria, produção e renda pessoal devem subir e descer juntos. Se a economia ainda está em expansão, por que tantos lares se sentem espremidos?

Uma resposta é a que o ciclo econômico está mudando. As recessões do passado seguiam um roteiro previsível. Os negócios desaceleravam ou os estoques aumentavam demais e pegavam as empresas desprevinidas. Com a queda da própria produtividade, elas respondiam com atraso cortando empregos. Como o processo se auto-alimentava, tudo caía ao mesmo tempo - produção, empregos, renda e produtividade.

A recessão de 2001 mudou esse roteiro - a produtividade se manteve alta durante todo o período. Empresas fizeram cortes antecipando o desaquecimento dos negócios e continuaram a fazê-lo mesmo depois que a demanda voltou a aumentar. A produtividade que elas conseguiram dos funcionários que ficaram amparou a produção, mesmo diminuindo as rendas das famílias.

O mesmo parece estar ocorrendo agora: para a surpresa de muitos economistas, a produtividade do trabalhador está subindo e não caindo.

"Parece haver uma mudança em como as empresas operam", diz Dean Maki, economista da Barclays Capital. Com tecnologia melhor, as empresas conseguem se recuperar mais rapidamente do aumento dos estoques ou da redução da demanda. A menor influência dos sindicatos também coloca a direção das empresas em uma posição que as permite despedir funcionários mais facilmente.

O resultado: enquanto os salários ficam menores, a produção por hora dos funcionários aumentou a um ritmo anualizado de mais de 3% no primeiro semestre deste ano - a melhor performance desde o início de 2004.

Parece que os efeitos da crise atingem, mais do que nunca, os trabalhadores. Mas há importantes vantagens nessa mudança. A melhor produtividade ajuda a amparar os lucros das empresas, de modo que, embora fraco, o mercado acionário não entra em colapso, como aconteceu em outros lugares do mundo este ano. Ela também ajuda a conter a inflação e dá ao Federal Reserve, o banco central americano, uma margem para manter as taxas de juro baixas, ajudando a curar a economia.

Isso também tornou o ciclo econômico mais difícil de ser lido. O grupo de economistas do Escritório Nacional de Pesquisa Econômica dos EUA (NBER), que define se houve recessões e quando, discutiram durante meses sobre o começo e o término da última recessão, devido à divergência entre a produção e a renda.

"Se a data é baseada no mercado de trabalho, seria uma das mais longas recessões da história, e isso não parecia correto", diz Christina Romer, professora de economia da Universidade da Califórnia em Berkeley. No final, o grupo decidiu que novembro de 2001 - quando o crescimento da produção recomeçou - foi o ponto em que a recessão acabou, fazendo a recessão de oito meses a menor da história.

No entanto, o debate não terminou. "O que importa para as pessoas, mais do que qualquer coisa, é o comportamento do mercado de trabalho", diz John Lonski, economista-chefe da Moody"s Investor Service. "Se eu fosse a NBER, simplificaria o processo todo e focaria no mercado de trabalho. Pela perspectiva da economia e do bem-estar social, é o mercado de trabalho que importa."

Há outros fatores em jogo agora, além da desorientação sobre como são medidas todas essas tendências. Alguns economistas são céticos quanto ao crescimento anualizado de 3,3% do PIB registrado no segundo trimestre. O número, produzido pelo Escritório de Análise Econômica (BEA) do governo americano, não bate com um outro número do BEA chamado renda nacional bruta - que é um cálculo da renda que empresas e famílias receberam.

Na teoria, os dois números deveriam subir e descer juntos. Mas a renda nacional bruta aumentou bem menos, somente 1,9% anualizado, no segundo trimestre, depois de contrair-se nos dois trimestres anteriores. O número da renda pode ter sido distorcido porque os estatísticos do governo ainda tentam avaliar o efeito das enormes baixas contábeis registradas por bancos. O número referente à produção também pode estar distorcido, por exemplo, por grandes mudanças no ambiente de comércio exterior e no preço do petróleo. Revisões de dados no futuro podem mostrar que o PIB não foi tão grande quanto parece ser agora.

Deixando as estatísticas de lado, é possível que a produção não se mantenha alta sob as pressões crescentes contra a economia americana, mesmo com a produtividade melhor. A exportação foi o que puxou o crescimento para cima. Mas a economia global está agora desacelerando.

Neil Soss, um economista do Credit Suisse, diz que três quartos do crescimento econômico dos últimos 12 meses vieram de um quadro de comércio exterior melhor. "Quanto eu posso contar com isso para o futuro?", pergunta.

Ao mesmo tempo, a pressão da renda pode enfim estar chegando aos lares. Eles serão claramente ajudados pela queda no preço da gasolina, mas os cheques de restituição de impostos cumpriram sua missão e o aperto imobiliário e de crédito continuam inabalados.

Se descontada a inflação, o consumo das famílias - o principal motor de crescimento dos EUA - contraiu-se em junho e julho. Ele não teve contração num trimestre inteiro desde o final de 1991. Essa seqüência de 17 anos está agora sendo posta à prova. Se os consumidores cederem, a produção e a renda podem finalmente se reencontrar - na recessão.