Título: Fundos soberanos no Chile
Autor: Díaz, Álvaro
Fonte: Valor Econômico, 08/09/2008, Opinião, p. A11

Em 2001, depois de 15 anos de superávits fiscais consistentes, o Chile inovou em matéria de política fiscal estabelecendo uma política de "balanços estruturais", que estima a arrecadação e os gastos orçamentários na hipótese de o produto evoluir de acordo com sua tendência e de os preços do cobre e do molibdênio permanecerem constantes a médio prazo.

A partir desta base, estabeleceu-se como meta um superávit fiscal estrutural do governo central, hoje de 0,5% do PIB. Com isto, busca-se isolar as decisões de gastos públicos dos vaivéns do ciclo econômico que afetam profundamente uma economia aberta e exportadora como a chilena. A idéia é economizar recursos em períodos de bonança para utilizá-los em períodos de maior escassez. Dessa forma, mantém-se um nível de gastos compatível com a receita que se arrecadaria quando a economia está ocupando plenamente o PIB potencial e quando o preço das commodities é de tendência.

Este enfoque constituiu um grande avanço conceitual na gestão fiscal e macroeconômica em relação ao enfoque neoliberal de que o gasto deve seguir as flutuações da arrecadação, o que conduz a políticas fiscais pró-cíclicas que acentuam os impactos das flutuações e turbulências que caracterizam os mercados financeiros mundiais e de commodities.

Em 2006, colocou-se em prática outra inovação na política fiscal, que permitiu a criação de vários Fundos Soberanos (FS), cujos ativos acumulados somam US$ 28,3 bilhões, o equivalente a 16% do PIB de 2008. Nos últimos quatro anos, isso permitiu canalizar parcela importante da receita obtida com o cobre, que representou 30% da receita fiscal entre 2005 e 2008.

Há três fundos soberanos no Chile. O primeiro é o Fundo de Reserva de Pensões (FRP), com ativos de US$ 2,5 bilhões, cuja finalidade é financiar contingências futuras em matéria de pensões. O segundo é o Fundo de Estabilização Econômica e Social (FEES), que protege o Chile da volatilidade dos preços das commodities e cujos ativos totalizam atualmente US$ 19,8 bilhões. O objetivo do FEES é financiar eventuais déficits fiscais e realizar amortizações da dívida pública. Busca-se, desta forma, estabilizar os gastos fiscais.

Para completar o sistema de fundos, recentemente constituiu-se o fundo Bicentenário de Capital Humano Avançado, a ser criado neste ano com aporte fiscal inicial de US$ 6 bilhões, e que se constitui em um investimento específico para o futuro. O rendimento gerado por esse fundo será usado para financiar de modo permanente e duradouro o gigantesco esforço de formação de profissionais de excelência mundial. Para os próximos dez anos, espera-se que 30 mil jovens profissionais realizem cursos de pós-graduação ou de aperfeiçoamento técnico em universidades de qualificação mundial, incluindo várias no Brasil.

-------------------------------------------------------------------------------- A Fazenda designou inicialmente o BC do Chile como agente fiscal e em 2008 decidiu-se que parte seja administrada por entidades privadas, por meio de licitação --------------------------------------------------------------------------------

Os Fundos Soberanos são propriedade de todos os chilenos. Constituem um bem nacional que outorga segurança para estabilizar o gasto social e o investimento público futuro. Por isso, sua administração cumpre altos padrões de transparência e seriedade.

No plano mundial, existem várias modalidades de administração dos recursos dos FS. No caso do Chile, o Ministério da Fazenda designou inicialmente o Banco Central como agente fiscal, cuja missão é administrar e investir os recursos dos fundos, atendo-se às instruções específicas transmitidas pelo Ministério da Fazenda, de forma que aqui não se aplica a autonomia do Banco Central. Para este ano, decidiu-se que parte dos recursos será administrada por entidades privadas especializadas, escolhidas por meio de licitação pública.

Para o futuro, podem surgir mais inovações em matéria de gestão e aplicação dos recursos dos fundos. O importante é que o Chile desenvolveu uma política de transparência e, por isso, encontra-se em oitavo lugar na classificação de transparência e boas práticas entre os 34 fundos soberanos avaliados pelo Instituto de Economia Internacional de Washington (2008).

As virtudes da nova regulamentação fiscal e os fundos soberanos foram amplamente documentadas. Ela permite uma política fiscal anticíclica, reduzindo as incertezas acerca da trajetória da economia no médio prazo. Também contribui para resguardar a competitividade do setor exportador, ao manter uma taxa de câmbio real mais competitiva em tempos de alta dos preços das commodities e em tempos de expansão do produto sobre o potencial. Da mesma forma, reduz a necessidade de o Tesouro contar com financiamento externo em momentos em que este for mais caro e aumenta a credibilidade do Tesouro como emissor de títulos de dívida, diminuindo o prêmio soberano que precisa pagar.

Por sua vez, a presença de fundos soberanos assegura a sustentabilidade ao longo do tempo das políticas públicas, assim como o planejamento, a longo prazo, de programas sociais e de investimento em educação. Em uma perspectiva de equidade entre gerações, estas inovações em política fiscal estão assentando as bases para impulsionar estratégias de desenvolvimento de longo prazo sustentáveis ao longo do tempo, necessidade que se apresenta cada vez mais evidente em nosso país.

Álvaro Díaz é economista, ex-vice-ministro de Economia do Chile e atual embaixador do Chile no Brasil.