Título: Grandes laboratórios agora focam os emergentes
Autor: Vieira, André
Fonte: Valor Econômico, 08/09/2008, Empresas & Tecnologia, p. B1

Grandes farmacêuticas finalmente começaram a perceber a importância de mudar a forma como olham e lidam com os chamados mercados emergentes.

Seguindo uma tendência já realizada há anos por outras companhias de bens de consumo, os laboratórios multinacionais estão agora criando estruturas próprias no comando de suas matrizes para atender com foco mais especial países como Brasil, China, México, Coréia do Sul, Índia, Rússia, Turquia e África do Sul, entre outros.

Diferentemente do passado, quando esses países eram tratados como "resto do mundo" nos relatórios anuais das grandes farmacêuticas, a classificação agora passou para "mercados emergentes" ou "pharmerging", um neologismo criado por especialistas sobre a rápida evolução de vendas de medicamentos nestes mercados.

"Os mercados dos Estados Unidos e europeus estão estagnados ou em recessão, e as companhias estão descobrindo a necessidade de buscar receita em lugares com grande crescimento", diz o presidente da americana Merck, Sharp & Dohme (MS&D) para a América Latina, José Tadeu Alves.

Um relatório do IMS Health previu que o crescimento de vendas de medicamentos será em torno de 12% a 13% nos mercados emergentes, o triplo dos países maduros. Hoje, esses países já respondem por um faturamento entre US$ 85 bilhões a US$ 90 bilhões em 2008, o que dá cerca de um quatro de todas as vendas da indústria farmacêutica. Previsões de grandes farmacêuticas indicam que esses mercados vão representar 40% do bolo em 2020.

As empresas se organizam para atender esse promissor mercado. Em maio, a GlaxoSmithKline (GSK) criou uma diretoria para mercados emergentes, convocando para ocupar a função um executivo indiano - Abbas Hussain, ex-Eli Lilly - que trabalhou por duas décadas na Europa, África, Oriente Médio, Ásia e Austrália.

Sinalizando o interesse em ampliar seu leque de produtos e acesso aos novos mercados, a GSK firmou acordo no fim de julho com a Aspen, uma fabricante sul-africana de medicamentos. O acordo permitirá a GSK ter acesso a 1,2 mil produtos específicos aos mercados emergentes e ainda poderá licenciá-los em países em desenvolvimento onde não são vendidos.

A americana Merck montou, no início deste ano, um conselho formado com os presidentes das três grandes regiões emergentes - América Latina, Ásia/Pacífico e Oriente Médio/Leste Europeu - com o propósito de definir, em reuniões pessoais a cada três meses e conversas mensais por telefone, estratégias específicas de atuação. O conselho responde ao principal executivo da companhia.

As empresas avaliam que é preciso entender as características de cada região para atuar de forma mais focada. As indústrias farmacêuticas concentraram, historicamente, seus investimentos em doenças que afetam os países ricos, relegando ao segundo plano doenças dos países mais pobres.

"Em geral, a indústria trabalhou sob a regra do "one-fit-all" (um serve para todos), mas isso não vale para os mercados emergentes", diz Tadeu Alves, da Merck. Embora o foco seja os mercados emergentes, cada um desses mercados tem sua particularidade. "O que serve para a China, como genéricos de marcas, pode não dar resultado no Brasil."

A Roche, empresa da Suíça, fechou em julho parceria com a Fundação Biominas, que está avaliando pesquisas de moléculas e tecnologias realizadas no Brasil. A idéia é encontrar potenciais parceiros para que a farmacêutica consiga lançar medicamentos "made in Brazil". A suíça Novartis construirá uma fábrica de vacinas contra meningite em Pernambuco, atendendo o mercado global. A Pfizer também estuda formas de atender melhor os mercados emergentes. A empresa americana de biotecnologia Genzyme fechou em julho acordo com a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) para pesquisar doenças negligenciadas, como malária, leishmanioses e doença de Chagas.

Se de um lado as grandes farmacêuticas fecham acordos com empresas especializadas em emergentes, novas companhias dedicadas apenas aos mercados de rápido crescimento também fazem alianças com os laboratórios multinacionais. Lançada neste ano, a Moksha8, controlada pela brasileira Votorantim e investidores do fundo de private equity Texas Pacific Group, comercializa medicamentos maduros da Roche e Pfizer que não eram mais promovidos. Isso permitirá gerar um fôlego à companhia que pesquisa novos medicamentos para os mercados emergentes, seu foco exclusivo de atuação.

Segundo alguns especialistas, a fórmula para as empresas é alinhar seu foco às políticas públicas, como extensas campanhas de vacinação, além de cobrar do governo o aumento do orçamento de gastos com saúde e o acesso a medicamentos para uma parte excluída população. (AV)