Título: País deve preservar a nova dinâmica do crescimento
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 24/09/2008, Opinião, p. A10

É com muita apreensão que se deve olhar para a crise global que ameaça forçar a porta do país, não apenas pelos estragos que ela pode causar na economia brasileira, mas por se constituir em séria ameaça a avanços internos duramente conquistados nos últimos anos.

A crise financeira contamina as bolsas brasileiras e o dólar no momento em que o país contabiliza uma mobilidade social inédita para as últimas três décadas. Segundo o estudo "Pobreza e mudança social" do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), feito com base nos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2007, desde 2001, 13,8 milhões de pessoas passaram para faixas sociais mais altas. Uma decolagem certamente proporcionada por programas de complementação de renda, mas cuja velocidade apenas foi possível num cenário de crescimento econômico.

O índice Gini, que mede a desigualdade de renda, caiu 7% nos sete primeiros anos do novo milênio, e, segundo o Ipea, dos 74 países que reduziram a desigualdade ao longo dos anos 90, apenas 25% conseguiram essa façanha de forma tão acelerada como o Brasil no período de 2001 a 2007. Esse foi o maior ganho do país neste início de século, em que o crescimento do PIB brasileiro foi mais comedido do que o de outros países emergentes.

Mesmo em anos em que o crescimento da renda per capita foi irrisório, a pobreza no Brasil declinou de forma importante. E é esse modelo, de crescimento com distribuição de renda, que se deve preservar, neste momento em que um furacão abala os frágeis alicerces da economia globalizada.

A queda nos níveis de pobreza do Brasil é um processo duradouro como não acontecia nas últimas três décadas. O declínio da pobreza extrema já alcançou, com nove anos de antecedência, a primeira Meta do Milênio, prometida (em 2006) para 2015. Os 10% mais pobres, segundo o Ipea sobre dados do Pnad, tiveram crescimento chinês no período, uma taxa anual média de 7%, enquanto os 10% mais ricos tiveram crescimento da renda de 1% ao ano, em média. O PIB per capita de quase todos os países, nesse período, aumentou menos que a renda dos 10% dos brasileiros que estão na base da pirâmide da renda.

Dadas as carências históricas do país, todavia, o Brasil precisaria manter o mesmo ritmo de redução da desigualdade conseguido entre 2001 e 2007 por mais 15 anos, para que os 20% mais pobres da população atinjam a renda da população nessa faixa nos países com renda mais igualitária. Mesmo depois de um período inédito de crescimento acelerado de renda nas classes mais baixas, 90% dos 113 países ainda têm renda menos concentrada que o Brasil.

Segundo o documento do Ipea, os ganhos de distribuição de renda podem ser atribuídos a uma combinação de crescimento econômico e programas de distribuição de renda. Seriam esses os fatores que deflagraram a dinâmica distributiva, em que a razão entre a renda média apropriada pelos 10% mais ricos e pelos 10% mais pobres caiu 5,2 pontos no período 2001-2007; e a razão entre a renda média apropriada pelos 20% mais ricos e pelos 20% mais pobres teve queda de 6,7 pontos. E seria a explicação para o fato de que o Brasil fez, em cinco anos, mais do que o restante da América Latina levou 15 anos para fazer em termos de distribuição de renda.

A inserção de parcela considerável de brasileiros que viviam à margem da sociedade de consumo é o ganho desse início de milênio que deve ser incorporado à dinâmica econômica do país. Para isso, contudo, é preciso manter o perigo inflacionário sob controle, pois numa crise este será o primeiro fator de corrosão da renda da população mais pobre. Além disso, é preciso incorporar efetivamente à economia a população de baixa renda, não apenas via aumento de consumo - o que qualquer programa de distribuição de renda permite -, mas partindo para uma etapa posterior, de inclusão produtiva. Segundo o Ipea, entre os 10% mais pobres, a renda per capita subiu 50% no período, enquanto a renda do trabalho cresceu apenas 22%. A renda de fontes não ligadas ao trabalho avançou 96% para os mais pobres.