Título: Campanha no Rio divulga doadores sem constrangê-los
Autor: Grabois, Ana Paula; Durão, Vera Saavedra
Fonte: Valor Econômico, 24/09/2008, Especial, p. A12

O Rio inovou nesta eleição ao divulgar a lista dos doadores de campanha dos candidatos a prefeito. De acordo com a legislação eleitoral, é obrigatória a divulgação da lista dos financiadores de campanha somente após o término das eleições. A idéia de antecipar a identificação surgiu dos candidatos Fernando Gabeira (PV) e Chico Alencar (PSOL). O candidato do PV adotou a iniciativa como bandeira de campanha logo ao lançar sua pré-candidatura. Chico Alencar chegou a registrar em cartório o compromisso de transparência. Os outros candidatos acabaram pressionados a tornar conhecidos os financiadores.

Em primeiro lugar nas pesquisas de intenção de voto, o candidato Eduardo Paes (PMDB) detém a maior carteira de doações, de R$ 3,16 milhões, incluindo R$ 139 mil originados de outros candidatos e comitês. Paes recebeu apoio financeiro generoso de grandes empreiteiras e incorporadoras do setor imobiliário, tradicionais contribuintes de campanhas eleitorais e que vivem um boom de negócios na cidade. "Nunca tive problemas de transparência. Houve um movimento de pressão e quis deixar claro que não tinha problema nenhum. Pode constranger algum doador, mas ninguém reclamou", disse Paes, que divulgou a lista apenas para a imprensa, sem publicá-la na internet.

Ele avalia que a abertura dos nomes dos financiadores aumenta a transparência, mas não impede a prática do Caixa 2. "Declaro absolutamente tudo e talvez seja por isso que seja a campanha com o maior volume de recursos", disse. Lançado pelo governador do Rio, Sérgio Cabral (PMDB), Paes recebeu a maior contribuição isolada nesta campanha, de R$ 500 mil, vinda do empresário Eike Batista. No final de julho, o bilionário do setor de mineração foi alvo de um ato de desagravo promovido pelo governador Cabral depois de ter sido investigado pela Polícia Federal por supostas irregularidades na concessão de uma ferrovia no Amapá, no âmbito da Operação Toque de Midas. Eike também contribuiu para a campanha de Gabeira com R$ 100 mil. O empresário, através de sua assessoria, confirmou as doações aos dois, mas preferiu não dar declarações sobre o assunto.

Com o segundo maior montante de doações, de R$ 1,8 milhão, Gabeira é o candidato que tem mais estrelas do meio empresarial. Recebeu dinheiro do ex-presidente do Banco Central e sócio da Gávea Investimentos Armínio Fraga, do cineasta e herdeiro do Unibanco Walter Salles, do advogado da área societária Francisco Müssnich, além de empresas como Klabin, Gerdau, Unibanco e Itaú. "Não há qualquer segredo ou constrangimento", disse Fraga, que chegou a aparecer no programa de Gabeira na TV dizendo que vai ajudar na formação da equipe da Fazenda municipal caso o candidato vença.

Embora sem contar com a presença ostensiva de políticos tucanos em sua campanha, Gabeira recebeu R$ 400 mil do diretório nacional do PSDB. O diretório nacional do PV doou R$ 50 mil. Neila Tavares, coordenadora de campanha e esposa de Gabeira, conta que esta é a quinta eleição do candidato com a divulgação dos financiadores: "Nossos doadores já sabem e continuam nos doando, não há constrangimentos".

Na coordenação de campanha de Marcelo Crivella (PRB), a percepção é outra. A lista de doadores publicada no site de Crivella mostra apenas o banco Bradesco, as empreiteiras Andrade Gutierrez, Carioca Engenharia e OAS e a Vale do Rio Doce, mas sem informar os valores correspondentes. "Não abrimos todos os nomes de financiadores e os valores porque muitos não querem aparecer, mas estamos cumprindo a lei", disse Isaías Zavarise, coordenador da campanha do senador do PRB e bispo licenciado da Igreja Universal.

Segundo Zavarise, as cinco empresas são as principais financiadoras. Ele diz que a campanha conta com poucos recursos. "Nossa campanha é pobre, feita com sola de sapato e aperto de mão", disse. Na declaração oficial , Crivella comunica ter arrecadado R$ 297,5 mil e recebido R$ 250,7 mil de outros candidatos e comitês, somando R$ 548,2 mil.

Maior empresa privada do país, a Vale preferiu não confirmar a doação a Crivella. Por meio de sua assessoria, informou que apóia candidatos de "todos os partidos e todas as matizes como forma de fortalecer a democracia". A gigante da mineração foi a maior financiadora de campanha dos deputados federais em 2006.

O maior doador pessoa física do candidato do PT, Alessandro Molon, é o advogado Sergio Bermudes, que contribuiu com R$ 100 mil. Embora não vá votar no petista, Bermudes fez a doação ao ex-aluno da PUC-Rio pressionado pelo tesoureiro da campanha de Molon, Ricardo Brajterman, que trabalha em seu escritório.

Segundo Bermudes, Brajterman o abordou chorando porque Molon não tinha dinheiro para arcar com os custos do programa eleitoral da TV. "O Molon tinha que pagar R$ 100 mil pelo programa. Dei o dinheiro com cheque nominativo, com recibo e tudo. Senti que tinha um compromisso com meu ex-aluno, mas agora vou votar no Paes porque a campanha radicalizou com o Crivella", disse Bermudes, que não tem intenção de fazer novas contribuições.

Como sempre, as empreiteiras apareceram com bastante freqüência nas listas. Até o momento, o maior financiador na eleição a prefeito do Rio é a construtora baiana OAS. A empreiteira distribuiu R$ 1,3 milhão aos principais candidatos à prefeitura do Rio. Doou R$ 400 mil a Jandira Feghali (PCdoB- PSB- PHS-PTN), R$ 350 mil a Paes, R$ 250 mil a Solange Amaral (DEM), R$ 200 mil a Gabeira e R$ 100 mil a Molon.

A Carioca Christiani Nielsen Engenharia deu dinheiro para Paes e Crivella. "A doação formal contribui para o desenvolvimento da democracia. E a doação para mais de um candidato mostra que a empresa não está dirigindo seus interesses para um único candidato", disse o diretor da empreiteira Luiz Fernando Santos Reis. As contribuições foram feitas, segundo ele, aos partidos que pediram . Reis não disse quanto a empresa doou a Crivella.

A campanha de Solange Amaral, candidata do atual prefeito Cesar Maia (DEM), concentrou no setor da construção quase a metade das doações, de R$ 1,3 milhão, terceiro maior volume declarado. Para Chico Alencar, as construtoras que contribuem na eleição carioca já fizeram obras na cidade e têm interesse em futuros contratos, como obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) que serão executadas em convênio com o município.

"Isso tira a independência do candidato. Se vierem a ser eleitos, ficam devedores. É o dilema do financiamento privado", diz Alencar, um defensor do financiamento público de campanhas, com teto de R$ 400 mil para cada candidato. Ele não aceita doações de bancos, multinacionais e de empresas com passivos trabalhistas ou ambientais. Até agosto, recebeu parcos R$ 51,25 mil de pessoas físicas. Após o escândalo do mensalão, o governo tornou obrigatória a declaração de doações eleitorais no Imposto de Renda para coibir a prática do Caixa 2 de campanha. A doação não é dedutível , mas existe um projeto em tramitação no Congresso sobre o assunto. Segundo a pesquisa Datafolha mais recente, Paes é líder isolado, Crivella está em segundo. No terceiro lugar, estão tecnicamente empatados Jandira e Gabeira. Em quarto, Solange, Molon, Chico Alencar e Paulo Ramos (PDT).