Título: BC eleva previsão de déficit para 2008
Autor: Izaguirre, Mônica
Fonte: Valor Econômico, 24/09/2008, Finanças, p. C4

O agravamento da crise nos mercados financeiros internacionais já provocou uma piora nas contas do balanço de pagamentos do Brasil. O Banco Central anunciou ontem que o déficit em transações correntes deste ano deverá saltar de US$ 21 bilhões, que era a estimativa anterior, para US$ 28,8 bilhões. Mais da metade desse aumento decorre da elevação das previsões para remessas de lucros e dividendos este ano, que passaram de US$ 29 bilhões para US$ 33 bilhões. Para 2009, segundo as projeções do BC, o déficit em conta corrente seguirá em expansão, atingindo US$ 33,1 bilhões. Como proporção do PIB, as contas correntes encerram em 1,8% este ano e 1,9% em 2009, percentual muito aquém dos 4,2% do PIB registrados em 2001.

Em setembro, até o dia 23, saíram liquidamente do país como remessas de lucros e dividendos, US$ 1,98 bilhão. Altamir Lopes, chefe do Departamento Econômico do BC, avalia que, diante da necessidade de ajudar suas matrizes a superar prejuízos ou problemas de liquidez decorrentes da crise em outros países, as filiais brasileiras de empresas multinacionais tendem a acelerar tais remessas, aproveitando que, no Brasil, a economia ainda está em crescimento.

As previsões sobre o comportamento da conta de capitais do balanço de pagamentos foram menos afetadas, mas também foram alvo de revisão para pior. O fluxo de crédito internacional ao comércio exterior brasileiro, por exemplo, deverá fechar este ano positivo em US$ 20,7 bilhões e não em US$ 24,1 bilhões como previa anteriormente o BC. Até agosto, esse fluxo, que considera operações de curto, médio e longo prazos, foi superavitário em US$ 13,9 bilhões. Portanto, a aposta do BC é de que a oferta de recursos dessa modalidade não secará totalmente de agora até o fim do ano.

Para 2009, a previsão é de que as linhas comerciais de crédito ao Brasil gerem apenas US$ 5,2 bilhões de impacto positivo no balanço de pagamentos. Tanto em 2008 quanto em 2009, a retração esperada refere-se principalmente a créditos comerciais de fornecedores e não de bancos. O fluxo líquido esperado de fornecedores caiu de US$ 22,3 bilhões para US$ 11,8 bilhões em 2008 e é estimado em apenas US$ 800 milhões para 2009. Já a previsão de oferta líquida de crédito comercial por parte de bancos até subiu este ano, de US$ 1,8 bilhão para US$ 8,9 bilhões. Em 2009, no entanto, o Depec acredita que serão tomados nesses linhas apenas US$ 4,3 bilhões, ainda assim, mais do que de fornecedores.

Em agosto, o fluxo de crédito de bancos ao comércio exterior brasileiro ainda foi positivo em US$ 1,2 bilhão, elevando o acumulado do ano a US$ 7,2 bilhões. Já o crédito de fornecedores foi negativo em US$ 140 milhões no mês, reduzindo o acumulado a US$ 6,8 bilhões, basicamente em função de linhas de curto prazo, que, sozinhas, responderam por saídas líquidas de US$ 248 milhões.

Em relação aos empréstimos externos de médio e longo prazo ao setor privado, o BC espera para esse e para o próximo ano ingressos suficientes para rolar todas as respectivas amortizações com vencimento no período. Mas, ao contrário do que se viu de janeiro a agosto passado, quando os novos créditos equivaleram a 163% do amortizado, no acumulado do ano até dezembro, essa rolagem deverá se dar sem sobras (taxa perto de 100%), disse Altamir Lopes. Ele acha que as próprias empresas podem estar optando por não tomar recurso novo, com receio da evolução do cenário internacional, que tende a encarecer as captações.

Nos 23 primeiros dias de setembro, o BC já notou uma queda da taxa de rolagem dos empréstimos de médio e longo prazo ao setor privado, para 119%. E o número ainda pode estar distorcido pelo baixo volume de vencimentos no período. Especificamente em relação aos empréstimos de médio e longo prazos não-diretos -ou seja, que envolvem emissão de papéis pelas empresas tomadoras (notas, bônus, etc) - sequer houve rolagem integral em setembro, pois a taxa ficou em 28%. No total, a rolagem só foi de 119% por causa dos empréstimos diretos, cujos ingressos foram equivalentes a 427% do amortizado.

Os números foram informados pelo BC com base em câmbio já liquidado. O movimento de contratação de câmbio de setembro - que pode se referir tanto à conta de capitais quanto a transações correntes do balanço de pagamentos - também exibiu sintomas do agravamento da crise, especialmente no segmento financeiro. Medido por esse critério até dia 19, o fluxo cambial financeiro, que estava positivo em US$ 725 milhões até dia 12, se inverteu e fechou o período deficitário em US$ 1,955 bilhão, fluxo mais do que compensado pelo saldo cambial comercial, que foi de US$ 5,4 bilhões até dia 19.

A virada no fluxo cambial financeiro significa que a demanda pela moeda americana nesse segmento superou a oferta em US$ 2,68 bilhões ao longo da semana passada. O BC não detalhou essa demanda. Até agora, no que se refere à conta de capitais a crise tem se refletido principalmente na fuga de investidores externos da bolsa de valores. Em agosto, considerado o câmbio liquidado, saíram da bolsa US$ 1,62 bilhões, fazendo com que o fluxo acumulado desde janeiro, antes positivo, virasse e ficasse negativo em US$ 255 milhões. Nos primeiros 23 dias de setembro, saíram de ações negociadas no país mais US$ 1,06 bilhão.

A piora das previsões sobre a conta de transações correntes ) deve-se aos efeitos da menor liquidez sobre a economia real dos países mais atingidos pela crise. Crescendo menos, eles tenderão a demandar menos mercadorias do Brasil.