Título: Gasto pode ficar abaixo de US$ 700 bi, diz Bernanke
Autor: D. McKinnon, John
Fonte: Valor Econômico, 24/09/2008, Finanças, p. C5

O governo americano pode estar pedindo US$ 700 bilhões para seu plano de resgate do setor financeiro, mas essa quantia não deve aparecer no orçamento americano. AP Photo / Charles Dharapak

Ben Bernanke, presidente do Fed: "Contribuinte não sairá perdendo"

"Não se trata de um gasto de US$ 700 bilhões", disse Ben Bernanke, presidente do Federal Reserve, Fed, o banco central americano, num depoimento ontem no Senado. "É uma aquisição de ativos e se os leilões forem conduzidos corretamente (...) o contribuinte americano não sairá perdendo. E, conforme a economia se recupera, a maioria, ou talvez até mais do que o valor inicial, será recuperado com o tempo."

Esse argumento, se ganhar força, pode tornar o pacote mais palatável para os políticos e a população, que receberam o plano com um pé atrás.

Na verdade, há alguns motivos pelos quais as intervenções do governo provavelmente não serão tão dispendiosas quanto se pensa. Para começar, alguns especialistas dizem que não dá para saber se o governo americano vai precisar de toda a verba alocada.

Eles afirmam que as autoridades fixaram um limite alto para seus gastos para deixar claro aos investidores que o governo vai fazer o que for preciso para fazer os mercados financeiros voltar a funcionar. E uma vez que o plano de resgate comece a estabelecer preços para títulos de investimento atualmente inegociáveis, a esperança é que o mercado vá começar a funcionar de novo antes que os Estados Unidos precisem de fato comprar US$ 700 bilhões desses papéis.

Independentemente de quanto o governo gaste, o impacto no déficit orçamentário também será limitado pelas regras do orçamento, que permitem que o governo trate essas dívidas como "meios de financiamento". Só perdas previstas com os investimentos, mais juros, e que vão se somar ao déficit.

No final das contas, como Bernanke sugeriu, o governo pode obter muito dinheiro em retorno. Ele pode vender os títulos comprados ou retê-los como investimento, conforme as condições do mercado.

Não está claro quanto o governo pode recuperar. O presidente do Fed disse aos parlamentares esperar que seja um "montante substancial" e ele comparou o processo a um leilão de arte. "É como quando você vende um quadro na Sotheby"s: ninguém sabe quanto ele vale antes de o leilão acabar", disse Bernanke.

No depoimento no congresso, o secretário do Tesouro, Henry Paulson, avisou que o custo de não fazer nada pode ser maior. "Esses créditos podres criaram uma reação em cadeia, e na semana passada nosso mercado de crédito congelou - até mesmo empresas não-financeiras tiveram dificuldades para financiar suas operações do dia-a-dia", disse ele.

Mark Zandi, da Moody"s Economy.com, afirma que o governo pode precisar de US$ 750 bilhões - mais ou menos metade do total máximo de US$ 1,4 trilhão que foi alocado para o pacote de resgate, a incorporação das hipotecárias Fannie Mae e Freddie Mac, o socorro à seguradora American International Group Inc. (AIG) e a legislação imobiliária aprovada pelo congresso no início do ano - e conseguirá recuperar a maior parte disso.

O analista estima que o custo total para o Tesouro não passará de US$ 250 bilhões, incluindo as perdas com os ativos mais os juros em títulos que o governo precisará emitir para financiar os programas.

Não está claro quando esses custos aparecerão no orçamento. O déficit para o ano fiscal de 2009, que começa em 1º de outubro, já se prevê que atingirá US$ 500 bilhões. Adicionando-se os US$ 250 bilhões, junto com uma prevista queda de receita tributária, o déficit chegaria perto de US$ 1 trilhão, disse Zandi. Mas outros especialistas, como William Hoagland, que já foi um dos principais funcionários de orçamento do senado, dizem que um déficit de US$ 1 trilhão em 2009 é extremamente improvável.

Detalhes orçamentários à parte, as grandes agências de avaliação de risco dizem que os EUA estão numa boa posição para todos os novos empréstimos, apesar de sua dívida já grande. A dívida pública, excluindo obrigações com a previdência, chega a US$ 5,5 trilhões. Acrescentar mais US$ 1 trilhão a isso não deve afetar a avaliação e risco do governo americano, que é a mais alta possível, "AAA", segundo as agências. A Moody"s Investor Service divulgou uma nota especial esta semana, afirmando que "continua a considerar que os fundamentos da avaliação de risco do governo dos EUA não foram abalados", principalmente por causa da riqueza e da resistência da economia americana. O Moody"s acrescentou que "há amplo espaço até para uma elevação significativa da emissão de dívida".

O analista John Chambers, da S&P, concordou. "Consideramos que o governo ainda tem espaço fiscal para manobras consistente com a avaliação "AAA" e perspectiva estável", disse ele. O tamanho do plano de resgate é consistente com as estimativas anteriores da S&P, acrescentou.

As preocupações com o crescimento do endividamento americano têm derrubado o dólar e impulsionado o petróleo, assim como alimentado os temores da população, desde que o governo do presidente George W. Bush anunciou seu plano de resgate na semana passada. Mas a verdadeira dor-de-cabeça fiscal continua a ser o déficit atuarial da previdência e do programa Medicare de assistência médica gratuita, acrescentaram os analistas.

A Moody"s alertou que sua análise "baseia-se na suposição de que o dólar e os títulos do governo americano manterão o seu status na economia mundial (...) Se o dólar perder sua influência e as medidas políticas passarem a não funcionar, a capacidade de contrair dívidas diminuirá por causa dos custos mais altos e da erosão da base de receita".

Um vice-presidente da Moody"s, Guido Cipriani, disse que sua firma acredita que esse resultado é improvável, apesar da reação negativa inicial do mercado na segunda-feira. "Não nos preocupamos demais com essa volatilidade de curto prazo", disse. "Estamos falando da capacidade dos EUA de manter a confiança no dólar como a moeda mundial de reserva e transações".