Título: Menor pressão deve repor inflação no centro da meta
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Fonte: Valor Econômico, 25/09/2008, Opinião, p. A10

Em pelo menos um aspecto a atual crise financeira internacional poderá ajudar as contas do Brasil. A desaceleração da economia mundial - e conseqüentemente também a brasileira - tenderá a arrefecer a escalada dos preços, contribuindo, dessa forma, para que o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), o termômetro oficial da inflação no país, volte a se aproximar do centro da meta estabelecida pelo Banco Central, que é de 4,5%. Não é uma expectativa de curto prazo, mas sim para o próximo ano.

Essa desaceleração das taxas inflacionárias já vinha, na verdade, ocorrendo, como mostram os principais indicadores de preços do país. E na segunda-feira, pela segunda semana consecutiva, a pesquisa de expectativas feita pelo Banco Central com bancos e empresas de consultoria apontou queda da mediana das projeções para o IPCA em 2009. A nova previsão mostra que o índice IPCA aumentará 4,97% no próximo ano, menos de meio ponto acima do centro da meta de inflação definida pelo governo. Há duas semanas, a projeção estava em 5%. É uma redução pequena, mas reveladora da tendência sentida pelo mercado financeiro. Para este ano, a projeção continua em queda - o mercado agora espera que a inflação fique em 6,23%, patamar ainda bem acima do centro da meta (que também é de 4,5%). Mesmo assim, o Brasil deverá ser um dos poucos entre os que adotam o sistema de metas de inflação cujo índice de preços vai ficar dentro do estabelecido, contando-se com a margem de folga de 2 pontos para cima e para baixo. Comprovando essa tendência de esfriamento dos preços, o IBGE divulgou ontem que o IPCA-15 de setembro recuou para 0,26%, abaixo do resultado de 0,35% de agosto. O índice acumula variação de 6,20% em 12 meses e de 4,96% no ano. O custo da alimentação caiu 0,25% neste mês, zerando a alta de 0,25% registrada em agosto.

Para economistas, a queda nos preços das commodities, sobretudo agrícolas, como resultado da menor demanda global no quadro recessivo que começa a se desenhar nos Estados Unidos e na Europa, mais que compensará a alta do dólar frente ao real, notada nas últimas semanas. Mesmo porque não há consenso de que a valorização do câmbio continuará nos próximos meses. Por enquanto, ao contrário, apesar da alta recente, muitos especialistas mantêm a previsão de um câmbio entre R$ 1,70 e R$ 1,80 no fim do ano.

Obviamente, a desaceleração dos preços é um consolo pequeno diante do cenário negativo que se avizinha da maioria das economias no mundo como resultado direto ou indireto da crise das hipotecas no mercado americano, que já se transformou, na realidade, em uma seriíssima crise de liquidez e de crédito. Mesmo um país "blindado" pelas suas reservas elevadas e pelo pouco envolvimento do seu sistema bancário com os problemas nos Estados Unidos, como o Brasil, terá que amargar conseqüências ruins, como uma redução no ritmo de crescimento e também uma piora das contas externas. A queda nos preços das commodities - em função da saída de fundos de investimento e de outros especuladores do mercado - tende a reduzir o saldo comercial (mesmo com a valorização do dólar), que também seria influenciado pela redução no ritmo de expansão da demanda global. Outro reflexo seria o crescimento mais modesto dos investimentos por conta do crédito mais caro e escasso, no exterior e no mercado interno. Balança comercial e investimentos crescendo menos podem provocar alta do PIB mais próxima de 3% em 2009.

Assim, o principal efeito líquido positivo da crise seria a redução do risco inflacionário. Na avaliação de analistas econômicos, a aceleração da inflação no começo do ano - que chegou a levantar a suspeita de que o Brasil não conseguiria manter os índices dentro dos limites da meta - foi reflexo, em boa parte, da alta nos preços das commodities superior à queda do dólar frente ao real. Agora esses valores começam a voltar e a queda em preços de commodities agrícolas tem função importante no controle do IPCA. A própria economia brasileira, de resto, já tendia a se expandir em um ritmo mais moderado, o que também deve colaborar para que os preços se mantenham bem comportados por um período longo.